Taxa de justiça;
falta de comprovativo; consequências
1. O sumário de RP 12/9/2022 (1322/21.2T8VFR.P1) é o seguinte:
I - Tendo sido concedido apoio judiciário à A. mulher, mesmo que esta se encontre em situação de economia comum com o A. marido, seu litisconsorte, não está este dispensado de efetuar o pagamento da taxa de justiça devida pela propositura da ação ou de efetuar prova de concessão a si mesmo do benefício de apoio judiciário.
II - O art. 364.º CPC impõe a apensação à ação do procedimento cautelar preliminar, quer o mesmo esteja findo, quer não, e seja qual for a causa de extinção, pelo que, nos termos do art.18.º, n.º 4 da L 34/04, de 29.7, o apoio judiciário concedido à A. naquela providência cautelar é extensível à ação principal posteriormente instaurada.
III - Não tendo a secretaria recusado a petição inicial à qual falta o comprovativo do pagamento de taxa de justiça, não prevê a lei a solução a adotar, tratando-se de lacuna legal a regulamentar judicialmente com recurso às normas relativamente às quais procedem as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei.
IV - É, por isso, de recorrer ao previsto para a ausência de pagamento de taxa de justiça com a contestação, notificando-se o A. para o pagamento omitido, com multa (nºs 3 e 5 do art. 570.º CPC), antes de decidir pelo desentranhamento da petição inicial, pela suspensão da instância ou por outra solução equivalente.
2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
"Sobre o tema das consequências a aplicar em caso de omissão de pagamento da taxa de justiça inicial devida pela pi já nos debruçámos no acórdão desta Relação de 20.9.2021, no Proc. 1266/21.8T8PNF.P1, onde tivemos (a presente relatora e a aqui primeira adjunta) a oportunidade de expor o seguinte:
De acordo com o disposto no art. 552.º, n.ºs 7 e 8 :
7 - O autor deve, com a apresentação da petição inicial, comprovar o prévio pagamento da taxa de justiça devida ou a concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do mesmo, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º.8 - Quando, ao abrigo do disposto no n.º 7 do artigo 144.º, a petição inicial seja apresentada por mandatário judiciário por uma das formas previstas nas alíneas a) a c) do n.º 7 do mesmo artigo, o autor deve juntar à petição inicial o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça devida ou da concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do mesmo.”
A falta de apresentação desse documento é fundamento de recusa da pi pela secretaria (art. 558.º, n.º 1 al. f) CPC).Quid iuris se a secretaria não recusar o recebimento da peça que não traz consigo o comprovativo do pagamento? [...]A lei não refere expressamente a solução a operar nestes casos.Por isso, conforme se refere no ac. RG, de 22.10.2020 (Proc. 1115/18.4T8BGC-C.G1), várias soluções são possíveis:Ou, como preconiza Salvador da Costa [As custas processuais, 7.ª E., p. 66-67.], o juiz ordena a suspensão da instância até à demonstração daquele pagamento, caso em que os autos aguardam sem prejuízo do disposto no art. 281.º, n.º1 CPC.Ou se aplica, por analogia, o disposto no art. 570.º, CPC, para o caso da falta de DUC com a contestação, caso em que se comina a omissão com multa e de multa agravada, com a suspensão em seguida, se o pagamento não ocorrer. Assim, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (Código de Processo Civil Anotado, ps. 497 e 556) e alguma jurisprudência (v.g. ac. RL, de 21.6.2011, Proc. 2281/09.5TVLSB.L1-7).Ou, finalmente, se opta pela solução da decisão recorrida, com absolvição da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide ou por ocorrer exceção dilatória atípica.
Sendo certo que a nova redação, decorrente do disposto no DL 97/2019, de 26.07, conferida ao art. 560.º CPC, torna o mesmo imprestável para a situação dos autos posto que ali se refere poder ser apresentada nova petição inicial – em caso de recusa da primeira - nas situações aí previstas: causa em que não seja obrigatória a constituição de mandatário (o que não é o presente caso), a verdade é que se nos afigura que a dinâmica subjacente ao processo civil atual privilegia soluções materialmente justas, sem desequilíbrio entre as partes e com benefício para aquelas decisões que levam a bom porto o intento do processo que é o da composição judicial dos litígios. (…)Sendo assim, são de aplaudir soluções que, centrando-se nas respostas que a lei dá a situações concretas semelhantes, num esforço de integração da lacuna legal para o caso, regulamentam a omissão com recurso às normas relativamente às quais “procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei” (art. 10.º, n.º 2 CC).Recorde-se que o conceito de lacuna da lei aponta para uma ideia de um sistema de normas concebido pelo legislador como um sistema completo num dado momento e num dado espaço, de modo que o sistema associa um certo efeito jurídico (constituição, modificação ou extinção de direitos e obrigações) à verificação de um certo conflito de interesses.Uma ausência de resposta do sistema normativo a uma questão juridicamente relevante é uma lacuna que o julgador deve referir ao espírito do sistema, procurando uma solução coerente com o conjunto dos princípios que constituem o fundamento do sistema normativo, lhe conferem sentido e união.Assim, se o art. 570.º CPC, na ausência de pagamento da taxa de justiça prevista para a contestação, não impõe desde logo a sua rejeição, mas sim o pagamento de multas, pela mesma ordem de razões agiria o sistema caso tivesse previsto o mesmo problema para a petição inicial.De modo que, na ausência daquele pagamento, deverá proceder-se à notificação do demandante, nos termos do art. 570.º, n.ºs 3 e 4: a secretaria notifica o A. para, em 10 dias, efetuar o pagamento omitido com acréscimo de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 5 UC. Caso o não faça, ocorre a solução da segunda parte do n. 5: o juiz profere despacho convidando o A. a proceder ao pagamento, em 10 dias, da taxa de justiça omitida e da multa aplicada, acrescida de multa de igual valor ao da taxa de justiça inicial, com o limite mínimo de 5 UC e máximo de 15 UC.Se o A. nada fizer, então é que é de ponderar se o efeito será o de aguardarem os autos que o faça, sem prejuízo do prazo de deserção da instância, ou eventualmente, o desentranhamento da pi, com absolvição do R. da instância.Esta integração da lacuna parece-nos, de facto, a mais consentânea com a omissão legal de regulamentação e a que tem recolhido a maioria da orientação jurisprudencial (cfr., desta Relação, ac. de 4.11.2019, Proc. 1366/16.6T8AGD-D.P1:
I - Nos termos do artº 552º/3 do NCPC, “o autor deve juntar à petição inicial o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça devida ou da concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do mesmo”. II - A falta de apresentação do documento comprovativo da concessão do apoio judiciário e do que comprova o pagamento da taxa de justiça tem por consequência, fora dos casos previstos no nº 5 do artº 552º do NCPC, a possibilidade da secretaria recusar a petição inicial (558º/f do NCPC). I -Nos termos do artº 552º/3 do NCPC, “o autor deve juntar à petição inicial o documento comprovativo do prévio pagamento da taxa de justiça devida ou da concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de dispensa do mesmo”.II - A falta de apresentação do documento comprovativo da concessão do apoio judiciário e do que comprova o pagamento da taxa de justiça tem por consequência, fora dos casos previstos no nº 5 do artº 552º do NCPC, a possibilidade da secretaria recusar a petição inicial (558º/f do NCPC). III - Não recusando a secretaria a petição e não sendo posteriormente rejeitada a sua distribuição, não deve o juiz decidir logo pela extinção da ação, qualquer que seja a forma pela qual a mesma seja determinada – v.g. desentranhamento da petição, absolvição da instância ou outra decisão equivalente. IV - Por aplicação devidamente adaptada do regime do art. 560º do NCPC, o tratamento igualitário de situações semelhantes impõe, que se dê oportunidade para, no prazo de 10 dias, efectuar o pagamento em falta).
No caso que nos ocupa, a secretaria não notificou o A. para, em 10 dias, efetuar o pagamento omitido acrescido de multa de igual montante (não inferior a 1UC e nem superior a 5 UC), como devia, face ao n.º 3 do art. 570.º CPC.
Só no caso de, faltando àquele convite da secretaria, a parte permanecer na omissão, deverá então o juiz proferir despacho (nos termos do art. 590º, n.º1 c), convidando-a a proceder ao pagamento da taxa de justiça omitida e da multa em falta, acrescida de multa de valor igual ao da taxa de justiça inicial, com o limite mínimo de 5 UC e máximo de 15 UC.
Assim, cabe, antes de mais, cumprir o n.º 3 do normativo em questão e, só depois, na ausência de resposta, deverá o juiz ordenar a notificação nos termos do n.º 5, sendo que in casu, não foi seguida esta sequência, pois nunca o A. foi expressamente notificado nos termos dos n.ºs 3 e 5 do art. 570.º, tendo-se o juiz limitado a convidá-los (ao A. marido e à A. mulher, esta beneficiária de apoio judiciário) a juntar o comprovativo da taxa de justiça inicial, em singelo, sem prévia notificação pela secretaria e sem aplicação das demais sanções previstas na lei.
Sendo, assim, não cabe, para já, rejeitar a pi ou decidir sobre qualquer outro desfecho, sem ser cumprido o iter processual mencionado."
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