Prova;
dever de colaboração; cumprimento
1. O sumário de RG 13/7/2022 (115/16.3T8VNC-G.G1) é o seguinte:
I - Se a requerente respondeu que não ocorreu qualquer mútuo em 2019 e esclareceu a natureza e proveniência do passivo, o que vai para além daquilo que lhe havia sido determinado na decisão proferida em 14.3.2022 pela Relação de Guimarães, pois esta apenas se referia à existência de um mútuo, nem tal decisão está por cumprir, nem se verifica violação do princípio da cooperação por parte da requerente, nem existe fundamento legal para determinar a realização de perícia colegial com vista a esclarecer uma questão factual que a requerente já esclareceu.
II - A recusa de colaboração e consequente violação do dever de cooperação imposto pelo nº 1 do art. 417º, do CPC, não confere a possibilidade de requerer novos meios de prova, abrindo apenas lugar à possibilidade de aplicação das consequências enunciadas no nº 2, ou seja, aplicação de multa, recurso aos meios coercitivos possíveis, livre apreciação da recusa em termos probatórios e inversão do ónus da prova.
2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
"O presente recurso versa sobre um despacho que não admitiu a realização de prova pericial no âmbito do incidente de habilitação de cessionário.
"O presente recurso versa sobre um despacho que não admitiu a realização de prova pericial no âmbito do incidente de habilitação de cessionário.
O incidente de habilitação de cessionário encontra-se previsto no art. 356º, do CPC, constituindo um incidente da instância ao qual são aplicáveis as regras gerais dos arts. 292º a 295º, do CPC.
Assim, como regra geral, o momento adequado para oferecimento do rol de testemunhas e requerer outros meios de prova, onde se inclui nomeadamente a prova pericial, coincide com a apresentação dos articulados, ou seja, a prova deve ser requerida no requerimento no qual o incidente é suscitado e na oposição que lhe for deduzida (art. 293º, nº 1, do CPC).
No caso em análise, resulta do iter processual supra descrito que a prova pericial não foi requerida no âmbito das regras gerais que disciplinam e regem o incidente de habilitação, pois não foi requerida no requerimento em que tal incidente foi deduzido.
Diversamente, o pedido de perícia colegial surgiu na sequência de um pedido feito pelo requerido (F. J.) para que a requerente (P. B. - Unipessoal, Limitada) facultasse a identidade da pessoa ou entidade que em 2019 mutuou a quantia de € 102 708,36, juntando aos autos cópia dos documentos que dão suporte a tal transação e à transferência bancária desse valor. Este pedido foi formulado na sequência de depoimento prestado por uma testemunha na audiência final a qual aludiu à existência de um mútuo. [...]
Da leitura e interpretação da decisão de 14.3.2022 proferida pelo tribunal da Relação de Guimarães, feita em conjugação com a sua fundamentação, resulta que o facto que nessa decisão se considerou relevante apurar consiste em saber se o preço da cessão foi pago com um empréstimo de cerca de € 100.000,00 e a identidade do mutuante.
Na sequência de notificação feita na 1ª instância, em cumprimento da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Guimarães, a requerente (P. B. - Unipessoal, Limitada) foi notificada para indicar a identidade da pessoa(s) ou entidade(s) que, em 2019, lhe mutuou(aram) a quantia de € 102.708,36, juntando ainda aos autos cópia dos documentos que deram suporte a essa operação (nomeadamente, da transferência bancária desse valor).
A requerente (P. B. - Unipessoal, Limitada) respondeu a esta notificação dizendo que não recebeu qualquer quantia em mútuo no exercício de 2019.
Ora, tendo respondido que não ocorreu qualquer mútuo em 2019, naturalmente que não podia proceder à junção de quaisquer documentos que suportassem tal contrato, posto que o mesmo, segundo a sua alegação, não ocorreu.
É na sequência desta resposta que o requerido (F. J.), invocando, a par de outros argumentos, que a requerente (P. B. - Unipessoal, Limitada) não deu cumprimento à decisão proferida em 14.3.2022 pelo Tribunal da Relação de Guimarães, designadamente tendo incorrido em violação do princípio da cooperação, posto que se recusou a juntar os elementos pedidos, veio requerer a realização de perícia colegial da escritura comercial da habilitanda P. B. - Unipessoal, Limitada para esclarecimento da seguinte questão de facto:
- Natureza e proveniência do passivo corrente de € 102 708,36 constante da IES de 2019 da habilitanda; identificação da pessoa(s) ou entidade(s) que figuram como credor(es) dessa(s) operação(ões) e exibição dos documentos que lhes deram suporte.
Aqui chegados, a primeira conclusão que se alcança é que a questão de facto que o requerido (F. J.) pretende ver esclarecida com a realização da perícia colegial é diferente da questão que tinha suscitado no requerimento probatório de 15.11.2021 que foi objeto de deferimento no âmbito da decisão proferida pela Relação de Guimarães de 14.3.2022.
Enquanto em 15.11.2021 o requerido (F. J.) pretendia saber a identidade da pessoa ou entidade que, em 2019, mutuou a quantia de € 102 708,36, e pretendia a junção aos autos de cópia dos documentos que dão suporte a tal transação e à transferência bancária desse valor, no requerimento de perícia colegial já pretende saber a natureza e proveniência do passivo corrente de € 102 708,36 constante da IES de 2019 da habilitanda; identificação da pessoa(s) ou entidade(s) que figuram como credor(es) dessa(s) operação(ões) e exibição dos documentos que lhes deram suporte.
Ou seja, em 15.11.2021 afirmava a existência de um mútuo e pretendia saber a identidade do mutuante e obter os documentos de suporte de tal transação; com o pedido de perícia colegial, altera a sua pretensão e já pretende saber a natureza e proveniência do passivo corrente de € 102 708,36, situações que são diversas.
Ora, por um lado, a decisão da Relação de Guimarães de 14.3.2022 não determinou a realização desta diligência probatória e a diligência que determinou foi respondida pela requerente (P. B. - Unipessoal, Limitada) tendo a mesma dito que não recebeu qualquer quantia em mútuo no exercício de 2019.
E, por outro lado, a requerente (P. B. - Unipessoal, Limitada) esclareceu a natureza e proveniência do passivo corrente de € 102 708,36 constante da IES de 2019 da habilitanda, uma vez que no seu requerimento de 9.5.2022, para além de reforçar que respondeu à questão que lhe foi colocada e nos termos em que a mesma foi colocada pois efetivamente não lhe foi feito qualquer empréstimo, seja de que montante for, seja por que pessoa for, a mesma explicou que “entre a habilitanda e o Dr. J. O. foi acertada a futura compra dos créditos em causa ou dos activos que porventura lhe sucedessem. [...]
Por conseguinte, tendo a requerente (P. B. - Unipessoal, Limitada) respondido que não ocorreu qualquer mútuo em 2019 e tendo esclarecido, nos termos sobreditos, a natureza e proveniência do passivo, o que vai para além daquilo que lhe havia sido determinado na decisão proferida em 14.3.2022 pela Relação de Guimarães, pois esta apenas se referia à existência de um mútuo, nem tal decisão está por cumprir, nem se verifica violação do princípio da cooperação por parte da requerente, nem existe fundamento legal para determinar a realização de perícia colegial com vista a esclarecer uma questão factual que a requerente já esclareceu.
Portanto, diversamente do que sustenta o requerido (F. J.) não há qualquer recusa, expressa ou tácita, por parte da requerente (P. B. - Unipessoal, Limitada) de cumprir o que lhe foi determinado na decisão de 14.3.2022 proferida pelo Tribunal da Relação de Guimarães não tendo a mesma violado o dever de cooperação que sobre si impende.
De todo o modo, ainda que houvesse violação do dever de cooperação, que entendemos que não há, a consequência dessa violação não seria, como pretende o requerido (F. J.), a possibilidade de realização de perícia colegial fora do momento processualmente adequado para requerer a produção de prova. Com efeito, sobre esta matéria dispõe o art. 417º, nº 2, do CPC, que aqueles que recusem a colaboração devida são condenados em multa, sem prejuízo dos meios coercitivos que forem possíveis; se o recusante for parte, o tribunal aprecia livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, sem prejuízo da inversão do ónus da prova decorrente do preceituado no nº 2 do art. 344º do Código Civil. Resulta, portanto, deste normativo que a recusa de colaboração e consequente violação do dever de cooperação imposto pelo nº 1 do art. 417º, do CPC, não confere a possibilidade de requerer novos meios de prova, abrindo apenas lugar à possibilidade de aplicação das consequências enunciadas no nº 2, ou seja, aplicação de multa, recurso aos meios coercitivos possíveis, livre apreciação da recusa em termos probatórios e inversão do ónus da prova. [...]
Nestes termos, conclui-se pela total improcedência do recurso, inexistindo fundamento legal para determinar a realização de perícia colegial à escrituração comercial da requerente (P. B. - Unipessoal, Limitada)."
[MTS]