"Ora, "ruínas" é, salvo melhor juízo, uma expressão conclusiva. Havia que alegar o estado concreto da casa para que se pudesse, eventualmente, vir a concluir que ela estava em ruínas. A alegação, com recurso à expressão "ruínas", que se encontra no artigo 4.º da contestação, não nos coloca perante facto algum, pois factos são "as ocorrências concretas da vida real"".
A palavra "ruína" aparece na previsão das regras constantes dos art. 94.º, n.º 4, e 1375.º, n.º 4, CC e a expressão "ruir" na dos art. 492.º, n.º 1, 1225.º, n.º 1, e 1350.º CC (cuja epígrafe é "Ruína de construção").
Sempre se disse que a previsão das regras jurídicas é constituída por factos. A seguir-se a referida orientação (que foi, acima de tudo, uma orientação jurisprudencial), haveria que rectificar a afirmação comum e passar a dizer que as previsões legais podem ser constituídas quer por factos, quer por "factos conclusivos", "juízos conclusivos" ou "expressões conclusivas".
Não é certamente por acaso que ninguém o disse. Os factos jurídicos são factos com relevância jurídica, mas não são factos desprovidos de qualquer sentido empírico ou valorativo. A linguagem do direito não é "insípida", "inodora" e "incolor".
3. Era por isto que a exclusão do antigo questionário de factos sobre os quais recaía o anátema de serem "factos conclusivos" era inaceitável. Havia uma linguagem legal que era "proibida" nos tribunais (!).
Daí resultava que era precisamente o que, atendendo a uma determinada previsão legal, era essencial saber para o julgamento da causa que não se podia "levar ao questionário". Suponha-se que, por exemplo, era relevante, para a aplicação do disposto no art. 1348.º, n.º 1, CC, determinar se tinha ocorrido um "desmonoramento"; talvez alguém se apressasse a dizer que não se podia quesitar este facto, porque se tratava de um "facto conclusivo".
Os exemplos poderiam multiplicar-se sem dificuldade. "Enxame de abelhas" (art. 1322.º CC) -- um inaceitável "facto conclusivo", a evitar principalmente quando alguém tivesse sido atacado por um grande e indeterminado número de insectos voadores pertencentes à família da apis mellifera; "emissão de fumo, fuligem, vapores, cheiros, calor" (art. 1346.º CC) -- um infeliz enunciado de "factos conclusivos" no qual apenas se poderia discutir qual dos factos era mais "conclusivo" que o outro.
4. Como é que actualmente se deve analisar a alegação de que um prédio se encontra em "ruína" ou em "perigo de ruir"?
-- A alegação de que um prédio está uma "ruína" ou se encontra em "perigo de ruir" (ou de "derrocada") é a alegação de um facto (what else?); se este facto integrar a causa de pedir, trata-se de um facto essencial (art. 5.º, n.º 1, CPC); como facto que é, nada impede que integre os temas da prova;
-- Os factos que, em concreto, demonstram que se está perante uma "ruína" ou que há o "perigo de ruir" são factos instrumentais ou probatórios (art. 5.º, n.º 2, al. a), CPC); a falta da sua alegação na petição inicial não gera nenhuma ineptidão desse articulado, tanto mais que esses factos podem ser adquiridos na instrução da causa.
5. Em suma: perante a alegação de que um imóvel se encontra em "ruína" ou em "perigo de ruir" -- alegação de um facto essencial que não pode deixar de ser admitida --, o que falta é, se o facto for controvertido, a inferência desse facto de um facto instrumental ou probatório. É esta prova que cabe à parte que alegou aquele facto essencial e dela depende se o tribunal pode dar como provado o facto de o imóvel estar em "ruína" ou em "perigo de ruir".
MTS