Processo executivo:
medida executiva; competência internacional*
1. O sumário de STJ 27/10/2022 (1419/18.6T8MMN-D.E1.S1) é o seguinte:
I – Os tribunais portugueses têm competência internacional sempre que as medidas necessárias à realização coactiva da prestação, em processo executivo, possam ocorrer em território português.
II – Ressalvados os critérios fixando a competência internacional dos tribunais portugueses, do art.º 62.º do CPCiv, e face à possibilidade de apreensão e penhora de um bem móvel existente em Portugal, seguir-se-á, em tese, a promoção das demais diligências executivas incidentes sobre o bem.
III – No caso de veículo automóvel, não se encontrado o mesmo registado em Portugal, o registo da penhora não deixa de ser obrigatório e constitutivo – passará, porém, a ser, directamente, um ónus dos exequentes, nos termos gerais.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"A presente revista coloca em causa as anteriores decisões judiciais que optaram pelo bem fundado da decisão de penhora de um veículo automóvel existente em Portugal, mas constante do registo automóvel no Brasil – ainda não tendo sido completado o processo de registo do veículo em Portugal.
Note-se que não é colocada em causa a competência internacional dos tribunais portugueses para a execução do crédito, mas é colocada em causa a competência internacional para o decretamento da penhora de um veículo registado no Brasil.
Assim, este enquadramento não questiona as conhecidas teses doutrinárias no sentido de que os tribunais portugueses têm competência internacional sempre que as medidas necessárias à realização coactiva da prestação possam ocorrer em território português – assim, M. Teixeira de Sousa, A Acção Executiva Singular, 1998, pgs. 124 e 125, e A. Anselmo de Castro, A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, 1977, pg. 68, e Direito Processual Civil Declaratório, II, 1982, pgs. 20 e 21.
Nos termos do art.º 63.º al. d) do CPCiv, os tribunais portugueses são exclusivamente competentes quando se pretenda penhorar coisa imóvel existente, à data da propositura da execução, em território português.
A norma é expressão do princípio de que há que atender, na acção executiva, “a elementos de conexão distintos dos utilizados na acção declarativa, dada a especificidade funcional da primeira, quando se dirige à realização coactiva do direito a uma prestação” (Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 6.ª ed., pg. 133).
Por maioria de razão, a execução incidente sobre bem móvel, ainda que sujeito a registo, como no caso dos autos, pode ser promovida em Portugal, desde que tal se possibilite pela aplicação quer do critério da coincidência, do art.º 62.º al. a) do CPCiv (a acção pode ser proposta em tribunal português, por aplicação das regras de competência territorial portuguesas), quer do critério da causalidade, do art.º 62.º al. b) do CPCiv (praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na acção), quer do critério da necessidade, do art.º 62.º al. c) do CPCiv (entre o mais, se o direito não puder tornar-se efectivo a não ser por via de acção proposta em Portugal, verificado elemento ponderoso de conexão entre o objecto do litígio e a ordem jurídica portuguesa).
Isto em nada bole com o princípio de que “cada Estado possui, no seu território, o monopólio das medidas coactivas e é a soberania inerente ao poder de praticar os actos de execução que impõe a atribuição da respectiva competência exclusiva aos tribunais do Estado em cujo território tais actos têm lugar, sem prejuízo de esse Estado poder delegar em particulares o poder de os decretar ou, pelo menos, efectivar, como sucede entre nós com os agentes de execução” (cf. S.T.J. 7/3/2017 Col.I/103, rel. Alexandre Reis).
Aplicados ou ressalvados os critérios fixando a competência internacional dos tribunais portugueses, do art.º 62.º do CPCiv, conjugando-os com a possibilidade de apreensão e penhora de um bem móvel existente em Portugal, seguir-se-á, em tese, a promoção das demais diligências executivas incidentes sobre o bem."
*3. [Comentário] É verdade que, por força do princípio da territorialidade das medidas executivas, os tribunais portugueses só podem ter competência internacional executiva quando a execução incidir sobre bens situados em Portugal. Mas, salvo o devido respeito, é precisamente por isso que não é admissível aplicar os critérios constantes do art. 62.º CPC na determinação da competência internacional executiva dos tribunais portugueses. Por exemplo: que relevância pode ter, para essa competência internacional, a circunstância de o contrato ter sido celebrado em Portugal e a aplicação do chamado critério da causalidade (art. 62.º, al. b), CPC), se não existe nenhum bem penhorável em Portugal?
Seja como for, no caso em análise não está em causa a competência internacional dos tribunais portugueses para a execução, mas a competência internacional para o decretamento de uma medida executiva (sobre a distinção, Castro Mendes/Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil II (2022), 602 s.). Quanto a este aspecto, o STJ decidiu bem.
MTS