"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



08/06/2023

Jurisprudência 2022 (200)


Pareceres jurídicos;
pronúncia do tribunal

1. O sumário de STJ 9/11/2022 (1747/20.0T8AMT-H.P1.S1) é o seguinte:

I- Dispõe o artigo 616º, nº2 do CPCivil, no que tange á reforma da decisão, aplicável aqui por força do preceituado no artigo 679º do mesmo diploma:

«1 - Não cabendo recurso da decisão, é ainda lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando, por manifesto lapso do juiz:

a) Tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos;

b) Constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida.».

II- Os pareceres jurídicos juntos pelas partes, relevam ao nível do estudo e do enquadramento das questões de natureza jurídica suscitadas por aquelas, dando o seu contributo para o esclarecimento do julgador, não impondo a Lei que os mesmos sejam objecto de tratamento particular, nomeadamente que haja pronunciamento específico, destinando-se apenas a leitura e eventual dilucidação pelo Tribunal das problemáticas abordadas, como deflui do disposto no artigo 651º, nº2 do CPCivil, não sendo tais pareceres os documentos aludidos naquela alínea b) do apontado artigo 616º, nº 2 do CPCivil que possam conduzir a uma solução inversa à tomada.

III- Inexiste omissão de pronuncia se o Tribunal não se debruça sobre questões abordadas nos pareceres juntos, além do mais porque aquelas não foram objecto de pronunciamento quer nas conclusões de recurso, quer no Aresto em impugnação.


2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"Dispõe o artigo 616º, nº 2 do CPCivil, no que tange á reforma da decisão, aplicável aqui por força do preceituado no artigo 679º do mesmo diploma:

«2 - Não cabendo recurso da decisão, é ainda lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando, por manifesto lapso do juiz:

a) Tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos;

b) Constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida.».

Não se vislumbra do argumentário apresentado pelos Autores, Recorrentes/Reclamantes, que haja sido cometido qualquer lapso/erro na determinação dos normativos aplicáveis ao caso e/ou na qualificação da materialidade fáctica que impusessem uma decisão diversa da produzida; tão pouco vem imputada a existência de documentação e/ou qualquer meio de prova plena que conduzissem a um diferente desfecho.

O que os Autores arvoram, como lapso susceptível de impor uma decisão diversa, tratou-se de um mero lapso material de escrita, manifesto aliás, ao identificar o parecer da professora Paula Costa e Silva como sendo da Autora, quando afinal das contas o foi pelas Rés, o que aqui desde já se rectifica nos termos do disposto no artigo 614º, nº 1, do CPCivil e se passará a ler.

No que tange à omissão completa do parecer jurídico subscrito pelo Exº Doutor Agostinho Cardoso Guedes o qual foi trazido aos autos pela Autora, nas suas alegações recursórias de apelação, bem como a circunstância de não ter sido feita qualquer alusão aos pareceres jurídicos elaborados pelos Doutores Nuno Castro Marques (Autora) e Rúben Bahamonde (Rés), relativos à conformidade dos contratos, aqui em apreço, com o direito europeu da concorrência, igualmente oferecidos em sede de recurso de apelação interposto perante o Venerando Tribunal da Relação do Porto, ao contrário do que é porfiado pelos Recorrentes, ora Reclamantes, não cabia a este Órgão emitir qualquer pronunciamento sobre os mesmos, em primeiro lugar por se tratarem de pareceres jurídicos que foram dirigidos ao segundo grau em sede de recurso de Apelação, e, em segundo lugar, por de qualquer forma sempre ser de entender que os pareceres relevam ao nível do estudo e do enquadramento das questões de natureza jurídica suscitadas pelas partes, dando o seu contributo para o esclarecimento do julgador, mas a Lei não impõe que os mesmos sejam objecto de tratamento particular, nomeadamente que haja pronunciamento específico sobre eles, destinando-se apenas a leitura e eventual dilucidação pelo Tribunal das temáticas suscitadas, como deflui do disposto no artigo 651º, nº 2, do CPCivil.

Daí que se conclua que tais pareceres não são os documentos aludidos naquela alínea b) do apontado artigo 616º, nº2 do CPCivil que possam conduzir a uma solução inversa à tomada.

No que tange à omissão de pronúncia a que alude o normativo inserto no artigo 615º, nº 1, alínea d) do CPCivil, isto é, que este Supremo Tribunal se tenha deixado de pronunciar- sobre questões que devesse apreciar, quais foram no seu dizer, por um lado a questão profusamente esgrimida no parecer subscrito pelo Doutor Agostinho Guedes1: a junção aos autos de seis contratos de constituição de direito de superfície e de sete contratos de trespasse, cujo clausulado é absolutamente idênticos àqueles que foram outorgados pela Sodibaião – prova inequívoca de que estamos perante verdadeiros contratos de adesão.

9) Elemento probatório a todos os títulos relevantes, porquanto comprova à saciedade a absoluta impossibilidade de os Aderentes “I...” negociarem minimamente o teor dos contratos que lhes são … impostos pelas sociedades Recorridas e, por outro a questão basilar enunciada no recurso e tratada de forma esclarecida pelo Ex.mo Sr. Dr. Nuno Castro Marques, relativamente ao pedido do reenvio prejudicial para o TJUE, as Recorrentes, aqui Reclamantes, parecem esquecer que este Órgão jurisdicional apenas está obrigado a conhecer das questões suscitadas pelos mesmos em sede de conclusões de recurso, de harmonia com o preceituado no artigo 637º, nº 2 do CPCivil, aplicável ex vi do artigo 679º, sendo certo que as problemáticas que ora se dizem em omissão não foram sequer alvitradas por aqueles nas suas conclusões impugnatórias de Revista, para além do que se disse adrede quanto à apreciação dos pareceres jurídicos em causa, como resulta inequivocamente do acervo conclusivo que se deixou extractado da alínea F) à AA) no Aresto agora em reclamação.

Face à sem razão dos Recorrentes, aqui Reclamantes, óbvio se torna o insucesso da reclamação encetada, excepto quanto à rectificação da apresentação do parecer da Exª Senhora professora Doutora Paula Costa e Silva, como supra se deixou enunciado, passando-se a ler Rés no lugar de Autora como então se escreveu.

Destarte, indefere-se a reforma e nulidade do Acórdão, rectificando-se o lapso de escrita quanto à apresentação dos pareceres em sede de recurso de Revista, os quais foram pelas Rés, o que se corrige e passará a ler nos termos do artigo 614º, nº 1, do CPCivil."

[MTS]