"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



22/06/2023

Jurisprudência 2022 (210)


Convenção de arbitragem;
revogação; requisitos


1. O sumário de RP 27/10/2022 (12021/20.2T8PRT.P1) é o seguinte:

I - Se determinada questão foi suscitada no decurso dos autos e as partes tiveram ambas a oportunidade de se pronunciar sobre ela e emitiram efectivamente tal pronúncia, a decisão do juiz que venha a recair sobre essa questão não pode constituir uma surpresa por violação do conteúdo material do contraditório.

II - A revogação da convenção de arbitragem pressupõe o mútuo acordo das partes.

III - Para que a forma escrita desse acordo se considere cumprida é necessário que uma das partes instaure uma acção num tribunal estadual alegando que o pode fazer porque a convenção de arbitragem foi revogada por acordo das partes e ainda que na contestação a outra parte não impugne essa alegação.

IV - A invocação do abuso do direito para neutralizar a convenção de arbitragem e levar a que seja o tribunal estadual a pronunciar-se, em primeira mão, sobre a ineficácia da convenção deve ser limitada aos casos em que o abuso é incontroverso e não deixa qualquer dúvida séria, uma vez que, em regra, cabe ao tribunal arbitral o poder de decidir sobre a sua própria competência, mesmo que para esse fim seja necessário apreciar a eficácia da convenção de arbitragem.


2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"Face ao teor das conclusões das alegações de recurso, que como é sabido fixam o objecto do recurso e delimitam por essa via os poderes de cognição do tribunal ad quem, a única questão que cumpre decidir é se a convenção de arbitragem foi revogada pelas partes e, como tal, os respectivos efeitos cessaram, designadamente no que tange ao afastamento da competência dos tribunais estaduais para julgar os litígios que tenham por objecto o contrato de prestação de serviços onde essa convenção foi acordada.

Vale isto por dizer que neste momento não se discute já nem a celebração de uma convenção de arbitragem válida, nem que o seu objecto compreenda o presente conflito e, consequentemente, que caso a mesma não tenha sido, entretanto, revogada os tribunais estaduais não serão competentes para preparar e julgar a presente acção.

Sem tergiversações centremos, pois, a discussão naquilo que cumpre apreciar e decidir.

Lei da Arbitragem Voluntária, aprovada pela Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro, estabelece no seu artigo 4.º as situações em que a convenção de arbitragem pode ser modificada, revogada ou caducar. A sua redacção é a seguinte:

«1 - A convenção de arbitragem pode ser modificada pelas partes até à aceitação do primeiro árbitro ou, com o acordo de todos os árbitros, até à prolação da sentença arbitral.
2 - A convenção de arbitragem pode ser revogada pelas partes, até à prolação da sentença arbitral.
3 - O acordo das partes previsto nos números anteriores deve revestir a forma escritaobservando-se o disposto no artigo 2.º.
4 - Salvo convenção em contrário, a morte ou extinção das partes não faz caducar a convenção de arbitragem nem extingue a instância arbitral.»

Conforme resulta da norma, as partes gozam de liberdade para modificar ou revogar a convenção de arbitragem. O limite que a norma lhes impõe diz apenas respeito ao momento até ao qual a modificação ou a revogação podem ser feitas: a modificação pode ter lugar até à aceitação do primeiro árbitro ou até à prolação da sentença arbitral, mas neste caso desde que haja o acordo de todos os árbitros; a revogação pode ter lugar até à prolação da sentença arbitral.

A convenção de arbitragem é um negócio jurídico, razão pela qual a convenção apenas se pode extinguir nos casos previstos na lei ou por mútuo acordo das partes (artigo 406.º do Código Civil). Quer a modificação quer a revogação são actos jurídicos de alteração ou extinção de um negócio jurídico e pressupõem o mútuo acordo de ambas as partes. Não é possível uma das partes modificar unilateralmente a convenção, alterando, por exemplo, aquilo que pode ser objecto da decisão arbitral, tal como nenhuma delas pode revogar a convenção por mero acto potestativo. Em qualquer caso tem de haver acordo entre as partes.

A lei vai ainda mais longe e estabelece que esse acordo tem de ser escrito, observando-se o que prescreve o artigo 2.º para o estabelecimento da própria convenção de arbitragem. [...] 

Por via da remissão do artigo 4.º para o artigo 2.º, podemos concluir que também a revogação tem de consistir num acordo das partes no sentido de revogarem a convenção que haviam estabelecido e que esse acordo só é válido se for estabelecido por escrito, não bastando, portanto, um mero acordo verbal.

Em princípio, o acordo revogatório tem de ser expresso. O escrito que o documenta, e que pode revestir diversas formas, tem de ser fidedigno e inteligível, ou seja, não consentir dúvidas sobre o sentido do acordo, isto é, a vontade de revogar a convenção. Essa exigência visa, naturalmente, afastar dúvidas sobre a existência e a eficácia do acordo e, por essa via, evitar que se abra um conflito sobre a vigência da convenção de arbitragem que redundará em mais uma dificuldade e mais um atraso na resolução do verdadeiro conflito que urge decidir.

A norma prevê uma única excepção a essa exigência. Nos termos do n.º 5 considera-se também cumprido o requisito da forma escrita da convenção de arbitragem quando exista troca de uma petição e uma contestação em processo arbitral, em que a existência de tal convenção seja alegada por uma parte e não seja negada pela outra.

Procedendo, em virtude da remissão já aludida, à aplicação desta norma com as necessárias adaptações ao acordo de revogação, temos que para a forma escrita do acordo se poder considerar cumprida é necessário que uma das partes instaure uma acção num tribunal estadual alegando que o pode fazer porque a convenção de arbitragem foi revogada por acordo das partes e ainda que na contestação a outra parte não impugne essa alegação.

Nessa medida, a circunstância de a autora ter instaurado a presente acção num tribunal estadual português para obter uma sentença judicial que decida o conflito sobre o cumprimento do contrato de prestação de serviços celebrado as partes, depois de a ré ter instaurado uma acção num tribunal estadual sueco com o mesmo objectivo (a ré alegando na sua acção que a autora não cumpriu o contrato e incorreu na obrigação de indemnizar os danos a que esse incumprimento deu causa, a autora alegando na presente acção que cumpriu o contrato e reclamando o pagamento do respectivo preço), não é suficiente para cumprir o requisito da Lei da Arbitragem Voluntária para se se poder considerar validamente formado o acordo de revogação da convenção de arbitragem.

Com efeito, na presente acção a autora não alegou em momento algum que as partes acordaram a revogação da convenção de arbitragem (requisito da alegação pela autora na petição inicial) e a ré na contestação não só não aceitou que tal acordo tivesse sido estabelecido como arguiu expressamente a existência e validade da convenção de arbitragem e a sua violação por parte da autora (requisito da aceitação pela ré na contestação).

O que a autora alegou, mas apenas na petição inicial aperfeiçoada (no requerimento com que a acção foi iniciada, a esse respeito nada foi alegado), foi que tendo a ré instaurada uma acção nos tribunais estaduais da Suécia, a convenção de arbitragem ficou sem efeito, permitindo-lhe demandar a ré nos tribunais portugueses. Esse argumento, contudo, confunde e mistura a violação da convenção com o acordo de revogação da convenção de arbitragem.

acordo de revogação da convenção tem de ser prévio à instauração da acção nos tribunais estaduais e tem de ser alegado pela parte que toma a iniciativa de suscitar nos tribunais estaduais a resolução do conflito (conforme resulta da exigência de que ele seja alegado na petição inicial).

A Lei da Arbitragem Voluntária apenas consente que a demonstração da existência do acordo tenha lugar não através de um documento escrito que o contenha, mas mediante a posição que as partes assumam por escrito nos articulados da acção (alegada pela autora na petição inicial e aceite pela ré na contestação), ou seja, a posição idêntica e convergente de ambas as partes quanto a terem acordado a revogação da convenção.

Por outro lado, tanto quanto parece resultar dos autos (os documentos juntos que o podiam esclarecer não se encontram traduzidos), a acção instaurada pela ré na Suécia foi “retirada” pela respectiva autora quando esta foi confrontada pelo “escrivão” com a falta de competência do tribunal em virtude da convenção de arbitragem constante do contrato (ignoramos as leis processuais em vigor na Suécia e a correspondência desses actos com a lei processual portuguesa).

Por esse motivo, também naquela acção, onde a aqui autora não chegou a ser citada ou intervir, não se chegou a estabelecer a situação processual que nos termos da Lei da Arbitragem Voluntária nacional permitiria considerar estar-se na presença de um acordo de revogação da convenção válido e eficaz.

Essa situação pressupunha que a autora tivesse alegado esse acordo na petição inicial e que a demandada tivesse aceite (expressa ou tacitamente - por confissão ficta) a celebração desse acordo na contestação.

Tanto quanto conseguimos depreender do texto em inglês junto que parece corresponder à petição inicial dessa acção (documento junto com a petição inicial aperfeiçoada, que a autora designa pelo n.º 35 mas que não se encontra numerado) nem a aqui ré alegou naquela acção terem as partes acordado a revogação da convenção (pronuncia-se apenas pela lei aplicável ao contrato, para sustentar o fundamento jurídico da resolução contratual que alega ter operado), nem a aqui autora chegou a apresentar contestação nessa acção.

Em suma, em nenhuma das acções se criou a situação processual que nos termos da Lei da Arbitragem Voluntária geraria o equivalente a um acordo válido e eficaz de revogação da convenção de arbitragem. Por isso, a instauração de qualquer das acções gerou sim, por parte da respectiva autora, uma violação da convenção de arbitragem.

Note-se que as partes estão ainda a tempo de acordar essa revogação e são livres de o fazer. Não podem é impor a sua vontade à outra, nem actuar ao arrepio de uma convenção de arbitragem que celebraram e que continua em vigor enquanto não for revogada por comum acordo.

Também não podem defender que existe um acordo (de revogação da convenção) que confessadamente não foi celebrado, porque, repete-se, o que a recorrente em rigor sustenta não é que as partes acordaram revogar a convenção da arbitragem, mas sim que o facto de ela ter instaurado uma acção judicial fora de um tribunal arbitral (omitindo a posição da ré na contestação) e a ré ter tido idêntico comportamento (omitindo que a ré retirou a acção assim que foi confrontada com a incompetência do tribunal face à convenção de arbitragem estipulada no contrato) anula ou revoga a convenção de arbitragem.

Embora nas conclusões das alegações de recurso a recorrente não recorra a esse fundamento, mas porque a questão é de conhecimento oficioso e foi suscitada nos articulados da acção, o que se pode questionar é se o comportamento da ré de arguir esta excepção quando também ela já tinha ensaiado o recurso aos tribunais estaduais suecos para dirimir o conflito com a autora sobre o (in)cumprimento do contrato de prestação de serviços celebrado por ambas constitui um abuso do direito.

A apreciação dessa questão não pode ter lugar sem se levar em conta o disposto no artigo 5.º, n.º 1, da Lei de Arbitragem Voluntária que sobre o efeito negativo da convenção de arbitragem estabelece o seguinte:

«O tribunal estadual no qual seja proposta acção relativa a uma questão abrangida por uma convenção de arbitragem deve, a requerimento do réu deduzido até ao momento em que este apresentar o seu primeiro articulado sobre o fundo da causa, absolvê-lo da instância, a menos que verifique que, manifestamente, a convenção de arbitragem é nula, é ou se tornou ineficaz ou é inexequível

E ainda sem atender ao que estabelece o n.º 1 do artigo 18.º da mesma Lei, segundo o qual o tribunal arbitral é o tribunal competente para se pronunciar sobre a sua própria competência (a chamada regra da Kompetenz-Kompetenz). Reza assim esta norma:

«O tribunal arbitral pode decidir sobre a sua própria competência, mesmo que para esse fim seja necessário apreciar a existência, a validade ou a eficácia da convenção de arbitragem ou do contrato em que ela se insira, ou a aplicabilidade da referida convenção

Como escreveu Lopes dos Reis, in A Excepção da Preterição do Tribunal Arbitral, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 58, Dezembro 1998, a propósito das normas da anterior Lei da Arbitragem Voluntária equivalentes às da actual lei:

«A convenção de arbitragem, em qualquer das suas modalidades, é um negócio jurídico que gera, para ambas as partes, o direito potestativo de submeter à decisão de árbitros um litígio compreendido no seu objecto; e que vincula ambas as partes à sujeição correlativa de, independentemente da sua vontade, ver um litígio que caiba no seu objecto ser cometido a árbitros. Simultaneamente, a convenção de arbitragem constitui ambas as partes no ónus de, querendo ver decidido litígio que se compreenda no seu objecto, preferirem a jurisdição arbitral, privada, à jurisdição pública. [referindo-se ao alcance da consagração do princípio da Kompetenz-Kompetenz do árbitro...] A par do efeito positivo que já ficou assinalado, aquele princípio acarreta o efeito negativo de impor à jurisdição pública o dever de se abster de se pronunciar sobre as matérias cujo conhecimento a lei comete ao árbitro, em qualquer causa que lhe seja submetida e em que se discutam aquelas questões, antes que o árbitro tenha tido oportunidade de o fazer. Isto é, do aludido princípio não decorre apenas que o árbitro tem competência para conhecer da sua própria competência; decorre também que tal competência lhe cabe a ele, antes de poder ser deferida a um tribunal judicial. […] Todas estas cautelas da lei significam que ela quis que o tribunal judicial olhasse a convenção de arbitragem como um sinal de proibição: há convenção de arbitragem, é plausível que ela vincule as partes no litígio, então, quanto ao litígio entre elas, o tribunal judicial não pode intervir senão em sede de impugnação da decisão arbitral. Para que esse limite fique claro, para que fique nitidamente delimitada essa fronteira estabelecida ao poder do juiz, questões relativas à própria convenção, como a sua validade, a sua eficácia, a sua aplicabilidade, só podem ser apreciadas pelo tribunal judicial depois de o árbitro proferir a sua decisão final. Só se ocorrer nulidade manifesta da convenção de arbitragem é que o tribunal judicial pode decidir de outro modo.»

Na linha desse entendimento, escreveu-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10/03/2011, proc. n.º 5961/09.1TVLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt, ser necessário «começar por definir claramente os parâmetros dentro dos quais incumbirá [aos tribunais estaduais] exercer os seus poderes cognitivos quanto à apreciação da substância da excepção dilatória de preterição de tribunal arbitral voluntário, deduzida pela R.- não podendo olvidar-se que, sendo os tribunais arbitrais constitucionalmente configurados como «tribunais» - isto é, como entidades dotadas das características de independência e imparcialidade que caracterizam o núcleo essencial da função jurisdicional, a que compete definir o direito nas concretas situações litigiosas entre particulares - não poderá deixar de lhes estar reservada uma relevante parcela da jurisdição, abrangendo, desde logo e em primeira linha, a aferição da sua própria competência, emergente do legítimo exercício da autonomia privada pelos interessados, consubstanciada na convenção de arbitragem.

Tal implica que, ao apreciar a referida excepção dilatória, devam os tribunais estaduais actuar com reserva e contenção, de modo a reconhecer ao tribunal arbitral prioridade na apreciação da sua própria competência, apenas lhes cumprindo fixar, de imediato e em primeira linha, a competência dos tribunais estaduais para a composição do litígio que o A. lhes pretende submeter quando, mediante juízo perfunctório, for patente, manifesta e insusceptível de controvérsia séria a nulidade, ineficácia ou inaplicabilidade da convenção de arbitragem invocada (justificando-se então, por evidentes razões de economia e celeridade, e face à evidência da questão, a imediata definição da competência para dirimir o litígio, de modo a dispensar a prévia instalação e pronúncia do tribunal arbitral sobre os pressupostos da sua própria competência).» [...]
 
Sendo assim, mesmo que se aceite que o instituto do abuso do direito pode determinar a ineficácia da convenção, atenta a plasticidade da solução legal associada ao instituto (artigo 334.º: o comportamento abusivo é ilícito) que procura intencionalmente dar cobertura a situações dispares e permitir soluções muito diversas cuja selecção seja orientada pela medida do necessário para repor a situação que existiria se não fosse o abuso, parece que a invocação do abuso do direito como forma de neutralizar a convenção e, sobretudo, de permitir que seja o próprio tribunal estadual a pronunciar-se em primeira mão sobre a ineficácia da convenção deve ser limitada aos casos de manifesto abuso do direito, aos casos em que o abuso é incontroverso e não deixa qualquer dúvida séria, sendo certo, repete-se, que o artigo confere ao tribunal arbitral o poder de decidir sobre a sua própria competência, mesmo que para esse fim seja necessário apreciar a eficácia da convenção de arbitragem.

Com toda a probabilidade, seria caso disso se nesta acção a aqui ré tivesse arguido a preterição da convenção arbitral e, em simultâneo, estivesse a fazer prosseguir a acção por si instaurada nos tribunais estaduais de outro país, defendendo ali a competência desses tribunais, ou seja, a inexistência ou a ineficácia de convenção arbitral. Todavia, não é isso que se verifica.

A ré instaurou a sua acção nos tribunais suecos no dia 06/07/2022. A autora instaurou a presente acção nos tribunais estaduais nacionais no dia 17/07/2020. A aqui ré desistiu da acção que instaurara nos tribunais suecos em 21/09/2020. Só em 25/11/2020 foi expedida carta para notificação da aqui ré para deduzir oposição à injunção instaurado pela autora. Apenas em 11/01/2021 foi apresentada a oposição da aqui ré à injunção. Posteriormente a tudo isso a ré iniciou as diligências com vista à realização da mediação que a mesma cláusula torna obrigatória antes da intervenção do tribunal arbitral na resolução do litígio.

Por outras palavras, quando foi notificada para deduzir oposição à presente acção já a ré tinha retirado a acção instaurada nos tribunais estaduais suecos, razão pela qual, quer quando deduziu oposição quer quando depois veio motivar essa sua oposição e arguir a excepção da preterição do tribunal arbitral, essa sua posição não estava em contradição ou oposição com qualquer outra posição que no âmbito do mesmo conflito estivesse a sustentar perante qualquer dos tribunais, estaduais ou arbitrais.

A nosso ver, não se detecta nestas circunstâncias qualquer comportamento abusivo da ré na arguição da excepção, não podendo confundir-se uma iniciativa errada e cujo erro foi emendado a tempo com um comportamento deliberado e contraditório de invocar num lado o que se recusa noutro, de usar a excepção apenas para fugir ou retardar a resolução do conflito.

Logo, seguramente não nos encontramos perante uma situação de abuso do direito, muito menos que possa ser qualificado como manifesto, claro, insusceptível de controvérsia séria, e, por isso, não se encontra verificada uma situação que permitiria aos tribunais estaduais intervir no conflito antes do tribunal arbitral fixado na cláusula compromissória.

Assim, uma vez que ocorre preterição de tribunal arbitral voluntário se a acção for instaurada num tribunal estadual quando, face ao seu objecto e ao teor da convenção de arbitragem celebrada, devia ter sido instaurada num tribunal arbitral, que a preterição de tribunal arbitral (necessário ou voluntário) determina a incompetência absoluta do tribunal - artigo 96º, alínea b), do Código de Processo Civil - , que esse vicio constitui uma excepção dilatória - artigo 577º, alínea a), do Código de Processo Civil - e que as excepções dilatórias obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa e dão lugar à absolvição da instância ou à remessa do processo para outro tribunal - artigo 576º, nº 2, do Código de Processo Civil -, a decisão recorrida mostra-se correcta e deve ser confirmada."

[MTS, recordando João Luís Lopes dos Reis]