1. O sumário de RC 24/1/2023 (1380/21.0T8GRD-A.C1) é o seguinte:
I – A causa de pedir é constituída pelos factos principais constitutivos da situação jurídica que o demandante pretende fazer valer como justificativa da pretensão deduzida, sendo a qualificação jurídica desses factos periférica à causa de pedir.
II – Salvo quando se verificar acordo das partes – que no caso inexiste – a causa de pedir apenas pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor. E, quanto ao pedido, podendo ser reduzido em qualquer altura, na falta desse acordo, apenas pode ser ampliado, mas não alterado, até ao encerramento da discussão em 1.ª instância. Em qualquer dos casos com uma limitação: a de que tal não implique a convolação para relação jurídica diversa da controvertida.
III – O processo civil, em qualquer das suas fases, implica limites à dedução de pretensões ou de meios de defesa, não apenas por razões de disciplina processual, como ainda perante a necessidade de cada questão ser debatida na fase processualmente adequada.
IV – Considerando que a ação de despejo visa cessar a situação jurídica do arrendamento, a respetiva causa de pedir é composta não só pela alegação da existência e dos termos do contrato de arrendamento, como também pelo concreto fundamento da cessação desse arrendamento, estando o tribunal limitado ao concreto fundamento de resolução invocado pelo autor.
V – Apenas importando nos autos, ante os respetivos pedido e causa de pedir, determinar se os réus tinham o gozo do locado nos termos legal e contratualmente exigidos e consequente dever de proceder ao pagamento das rendas ou se, em contrário, existe causa justificativa para o não pagamento, a ampliação pretendida – com condenação dos réus a reparar os danos causados na instalação elétrica e na baixada em prazo não superior a 30 dias ou, em alternativa, a pagarem o valor de € 3.250,00, relativo à reparação do dano, acrescido de juros moratórios – não está contida no pedido inicial, nem corresponde a um desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo, antes consubstanciando um pedido autónomo, a não poder ser admitido.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"O processo civil, em qualquer das suas fases, implica limites à dedução de pretensões ou de meios de defesa, não apenas por razões de disciplina processual, como ainda perante a necessidade de cada questão ser debatida na fase processualmente adequada. As normas travão dos arts. 264º e 265º prescrevem uma forte limitação à alteração do pedido ou da causa de pedir.
Prescreve esta última norma que:
1 - Na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor, devendo a alteração ou ampliação ser feita no prazo de 10 dias a contar da aceitação.
2 - O autor pode, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1.ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.
3 - Se a modificação do pedido for feita na audiência final, fica a constar da ata respetiva.
4 - O pedido de aplicação de sanção pecuniária compulsória, ao abrigo do n.º 1 do artigo 829.º-A do Código Civil, pode ser deduzido nos termos do n.º 2.
5 - Nas ações de indemnização fundadas em responsabilidade civil, pode o autor requerer, até ao encerramento da audiência final em 1.ª instância, a condenação do réu nos termos previstos no artigo 567.º do Código Civil, mesmo que inicialmente tenha pedido a condenação daquele em quantia certa.
6 - É permitida a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir desde que tal não implique convolação para relação jurídica diversa da controvertida.
Ou seja, salvo quando se verificar acordo das partes – que no caso inexiste – a causa de pedir apenas pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor. E, quanto ao pedido, podendo ser reduzido em qualquer altura, na falta desse acordo, apenas pode ser ampliado, mas não alterado, até ao encerramento da discussão em 1ª instância. Em qualquer dos casos com uma limitação: a de que tal não implique a convolação para relação jurídica diversa da controvertida.
Mais, os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes - dizem-se supervenientes tanto os factos ocorridos posteriormente ao termo dos prazos marcados nos artigos precedentes como os factos anteriores de que a parte só tenha conhecimento depois de findarem esses prazos, devendo neste caso produzir-se prova da superveniência - podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão.
A admissibilidade do articulado superveniente, decorre directamente do artigo 611º n.º 1 e 2 que determina que a sentença tome em consideração todos os factos constitutivos, modificativos ou extintivos produzidos até ao encerramento da discussão, desde que, segundo o direito substantivo aplicável, eles influam na existência ou conteúdo da relação controvertida.
Como escrevem Antunes Varela, J. M. Bezerra e Sampaio e Nora - Manual de Processo Civil, Coimbra, 1984, pág. 351 -, “coerente, com esta directriz, a lei permite que qualquer das partes possa alegar, em articulado superveniente, os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito do autor que sejam supervenientes.”
O juiz profere despacho liminar sobre a admissão do articulado superveniente, rejeitando-o quando, por culpa da parte, for apresentado fora de tempo, ou quando for manifesto que os factos não interessam à boa decisão da causa; ou ordenando a notificação da parte contrária para responder em 10 dias, observando-se, quanto à resposta, o disposto no artigo anterior – v. norma do artigo 588.º.
Ou seja, para que um articulado seja qualificado de superveniente é necessário, por um lado, que nele sejam alegados factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito invocado, navegando, por isso, nas mesmas águas, e, por outro lado, que esses factos ou tenham ocorrido após a produção dos articulados tidos por normais ou, sendo anteriores, a parte só deles tenha tomado conhecimento depois de findarem esses articulados.
Não é, seguramente o caso em análise.
Considerando que a acção de despejo – como é o caso da presente – visa cessar a situação jurídica do arrendamento, a respetiva causa de pedir é composta não só pela alegação da existência e dos termos do contrato de arrendamento, como também pelo concreto fundamento da cessação desse arrendamento - por ex., falta de pagamento da renda, realização de obras sem autorização, necessidade do local locado nos casos em que a lei faculta direito ao senhorio.
Ou seja, a causa de pedir nas acções de despejo é o arrendamento conjugado com o facto que, em face da lei, constitui fundamento da cessação do arrendamento. Se estiver em causa uma ação de resolução do contrato de arrendamento, a causa de pedir é integrada pela alegação da relação de locação e dos factos que, de acordo com a norma legal constituem fundamento de resolução, de tal modo que, improcedendo uma acção com essa base, nada impede a instauração de outra acção assente em motivo diferente ou em factos integradores do mesmo fundamento, mas ocorridos em momento posterior aos que foram objeto de apreciação na primeira acção – Numa acção de despejo o tribunal está limitado ao concreto fundamento de resolução invocado pelo autor e não pode o tribunal convocar o pretenso não pagamento de outras rendas vencidas referentes a outros meses, fundamento não convocado para justificar a resolução extrajudicial operada do contrato de arrendamento em apreço, para fundamentar a procedência da acção.
Por isso, como se escreve na 1.ª instância, “a ampliação pretendida não está contida no pedido inicial, nem corresponde a um desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo. A requerida condenação dos RR. a reparar os danos causados na instalação eléctrica e na baixada em prazo não superior a 30 dias ou em alternativa a pagarem aos AA. o valor de 3.250,00€, relativos à reparação do dano, acrescido dos juros que se vencerem até integral pagamento, consubstancia um pedido autónomo, pois, o pedido inicial consistia na condenação dos réus na entrega do locado desocupado e no pagamento das rendas vencidas e não pagas, rendas vincendas e respectivos juros.
No pedido primitivo a causa de pedir é a falta de pagamento das rendas, sendo que no pedido agora formulado, está em causa a eventual responsabilidade civil dos réus pelos danos causados no locado, não tendo por isso aplicação o disposto no artigo 265.º, n.º 2 e 6 do CPC”.
É certo que a acção de despejo, porque segue a forma de processo declarativo comum - art. 14º, nº 1, in fine, do NRAU -, permite a cumulação do pedido de despejo com qualquer outro que não siga a forma de processo especial - cfr. arts. 555º, nº 1, e 37º -, designadamente o pedido de condenação em rendas vencidas – é o direito do senhorio às rendas vencidas até à resolução do contrato de arrendamento - ou numa indemnização, mas, nos autos ora devassados, apenas importa determinar se os RR. tinham o gozo do locado nos termos legal e contratualmente exigidos e consequente dever de proceder ao pagamento das rendas ou se, em contrário, existe causa justificativa para o não pagamento.
Como bem avalia a 1.ª instância, “com efeito, em sede de articulado superveniente, decisivo é que a parte pretenda carrear para os autos novos factos fundamentais, maxime porque integradores da previsão ou “Tatbestand” da norma aplicável à pretensão ou à excepção.
Inquestionável é, assim, que não é qualquer facto, ainda que objectiva ou subjectivamente superveniente, idóneo e susceptível de ser carreado para os autos em sede de articulado superveniente. Por outra banda, em obediência ao princípio da estabilidade da instância, mister é que, os novos factos alegados, caso conduzam a uma alteração da causa de pedir – baseada claro está em factos supervenientes – e, concomitantemente, alicercem e justifiquem uma modificação do pedido, tal não implique obrigatoriamente a uma convolação para relação jurídica diversa da controvertida – neste sentido, cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 10.04.2014, processo n.º 387/11.0TBPTL-B.G1, in www.dgsi.pt. [...]""
[MTS]