Agente de Execução; honorários;
execução; competência territorial*
1. O sumário de RE 9/2/2023 (305/22.0T8BJA-A.E1) é o seguinte:
I - Os honorários e as despesas do Agente de Execução não são, na relação deste com o exequente, custas de parte ou da execução; apenas o são na relação do exequente com o executado.
II - O título executivo do art. 721º, nº 5, do CPC, composto das notas de honorários e despesas e sua notificação ao exequente, é, por regra, um título extrajudicial e não um título de formação processual.
III - Quando as execuções se baseiem todas em títulos extrajudiciais, é aplicável à determinação da competência territorial o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 82º, com as necessárias adaptações – art. 709º, nº 4, do CPC.
2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
"Escreveu-se na decisão recorrida:
«(…), tratando-se uma execução por honorários devidos ao Agente de Execução, que atempadamente foram notificados através de nota discriminativa, à aqui Embargante e aos seus mandatários.E por isso, salvo melhor opinião, o artigo 87.º do Código de Processo Civil, refere-se à competência para execução por custas, multas e indemnizações, o que aqui não tem cabimento, e por isso não é de aplicar ao presente caso.Este artigo tem aplicabilidade quanto a custas de parte e taxas de justiça.Situação bem diferente é aquela que nos ocupa, em que os Agentes de Execução dispõem de tabelas próprias, onde estão fixados os seus honorários e, em caso de incumprimento a nota de honorários e despesas constitui título executivo, podendo e devendo ser executados de forma independente da acção principal, uma vez que não existe nenhuma regulamentação especifica quanto a este tipo de acções executivas.»
Mostra-se correto este entendimento. Senão vejamos.
O agente de execução [---] presta exercícios ao exequente e, como tal, tem direito a honorários a pagar por este, para o que lhe envia a respetiva nota. Se o exequente paga os honorários ao AE no decurso de um processo, trata-se de um custo processual que ele suporta para conseguir executar o seu direito contra o executado. Pelo que tem direito ao seu reembolso pelo executado. Temos assim: (i) as Notas de honorários do AE contra o exequente e, depois deste as ter pago, (ii) as custas de parte (do exequente, na execução) contra o executado. Assim, o direito do AE contra o exequente não tem nada a ver com custas de parte ou com as custas da execução.
Basta ter isto presente para se poderem ler todas as normas invocadas, em sentido contrário ao que a executada/embargante lhes dá.
Em suma, a pretensão do AE obter, contra a exequente, o pagamento dos honorários e o reembolso das despesas que fez, não tem nada a ver com custas de parte ou custas da execução e, por isso, nenhuma das normas que se refiram a estas têm algo a ver com o caso.
A questão que se põe é a de saber qual a norma que regula a competência do tribunal para a presente execução, o que pressupõe saber que tipo de título executivo são as notas de honorários do AE.
Rui Pinto inclui a nota discriminativa de honorários e despesas do AE nos títulos administrativos, ex vi art. 721º, nº 5 e art. 5º do Decreto-Lei nº 4/2013, de 11 de janeiro [A Ação Executiva, AAFDL Editora, Lisboa/2018, pp. 227-228.]
Por sua vez, Marco Carvalho Gonçalves inclui-as nos títulos extrajudiciais [Lições de Processo Civil Executivo, 2016, Almedina, 2.6.4.6, p. 126, citado no acórdão da Relação de Lisboa de 24.04.2019, proc. 2086/18.2T8SLB-A.L1]
Escreveu-se no acórdão da Relação de Lisboa de 24.04.2019, citado na nota anterior:
«Tendo em conta que o título executivo é composto das notas e da sua notificação, ambos resultantes de comunicações feitas pelo AE ao exequente (art. 721/4 do CPC – em casos como os dos autos em que a função não é desempenhada por funcionário judicial, nem houve qualquer decisão do tribunal sobre elas) num processo que está a correr fora do tribunal (art. 551/1 do CPC: O processo de execução corre em tribunal quando seja requerida ou decorra da lei a prática de ato da competência da secretaria ou do juiz e até à prática do mesmo), não resultando pois de qualquer acto da secretaria ou do juiz do processo (art. 719/1 do CPC), o título executivo em causa é um título extrajudicial.Se se considerar a razão de ser da norma do art. 709/2 do CPC – com o seguinte teor: Quando as execuções se fundem em títulos de formação judicial diferentes da sentença, a acção executiva corre no tribunal do lugar onde correu o procedimento de valor mais elevado -, ou seja, a ligação do título com um processo que correu num tribunal, o facto de se considerar que o título se forma num processo que não corre, por norma, no tribunal, nem precisa de passar a correr no tribunal para se formar, mais se reforça a ideia de que o título será extrajudicial, tanto mais que assim não há nenhuma dependência das Notas ao processo judicial (em princípio, o tribunal da execução não precisará de consultar o processo a que elas respeitam para esclarecimento do teor do título executivo; as comunicações que constituem o título executivo fazem parte dele, sendo este, por isso, auto-suficiente).»Em suma, considera-se que o título executivo em causa é um título extrajudicial e não um de formação processual judicial, pelo que a norma a aplicar é a do art. 709/4 do CPC.»
Reza o art. 709º, nº 4, do CPC: «Quando as execuções se baseiem todas em títulos extrajudiciais, é aplicável à determinação da competência territorial o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 82º, com as necessárias adaptações.»
Por seu turno, dispõe o art. 82º, nº 2, do CPC: «Se o autor cumular pedidos para cuja apreciação sejam territorialmente competentes diversos tribunais, pode escolher qualquer deles para a propositura da ação…» [a norma tem uma ressalva que manifestamente não se aplica ao caso e por isso é desnecessário transcrevê-la].
Face a este quadro normativo, a questão que se coloca é a de saber se o exequente podia escolher o Tribunal Judicial de Beja para esta execução com cumulação de títulos.
A resposta há de ser dada no confronto das notas discriminativas juntas com o requerimento executivo.
Ora, resulta destas notas que os serviços do AE, ora exequente, foram prestados no âmbito de três processos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, Loures - Juízo Execução - Juiz 1, e em seis no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Sintra - Juízo Execução - Juiz 1 [um processo], Juiz 2 [dois processos], Juiz 3 [dois processos] e Juiz 4 [um processo].
Não podia, assim, o exequente escolher o Tribunal Judicial da Comarca de Beja para esta execução com cumulação de títulos.
Verifica-se, assim, a incompetência territorial do tribunal escolhido, o que implica a remessa do processo para o Tribunal competente [art. 105º, nº 3, do CPC], que será um dos dois tribunais acima referidos onde o exequente prestou os serviços à executada, o qual deverá ser escolhido pelo exequente nos termos do nº 2 do art. 82º do CPC.
O recurso merece provimento quanto a esta questão, ficando prejudicado o conhecimento da exceção de prescrição invocada pela embargante."
*3. [Comentário] Salvo o devido respeito, o acórdão padece de um evidente equívoco (naturalmente, o mesmo acontecendo quanto ao acórdão nele citado).
O disposto no art. 709.º, n.º 4, CPC refere-se à situação de cumulação de execuções, não podendo ser considerado como contendo a regra geral em matéria de competência territorial quando o título executivo não é judicial. Isso é matéria que é regulada pelo estabelecido no art. 89.º CPC.
MTS
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