Férias judiciais;
actos processuais; arrombamento*
I. O sumário de RG 23/2/2023 (45/21.7T8MDR-A.G1) é o seguinte.
1. Em matéria de nulidades, o regime aplicável às chamadas nulidades secundárias, inominadas ou atípicas remete o julgador para uma análise casuística, só sendo de invalidar o acto que não possa, de todo, ser aproveitado.
2. O despacho que defere ao requerido pelo Agente de Execução, no sentido de pedir o auxílio da força pública para tomar posse efectiva do imóvel já penhorado, a fim de preparar a venda executiva não cometeu qualquer nulidade por não ter previamente ouvido os executados.
3. O facto de o arrombamento do imóvel penhorado nos autos, com substituição de fechaduras e constituição de novo fiel depositário, ter sido realizado em período de férias judiciais constitui uma mera irregularidade, que não pode ter qualquer consequência processual sob pena de se estar a cometer um atentado contra a celeridade processual.
II. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"2. O facto de o arrombamento do imóvel penhorado nos autos, com substituição de fechaduras e constituição de novo fiel depositário, ter sido realizado em período de férias judiciais: afirma a recorrente que, como não se trata de acto destinado a evitar dano irreparável, nem tal foi invocado, a prática de tal acto durante o período de férias judiciais é legalmente inadmissível (art. 137º,1 CPC).
O Tribunal recorrido pronunciou-se sobre isto, dizendo em síntese que tudo depende do que se entender por acto processual. E que na verdade, o acto de tomada de posse do imóvel constitui um acto posterior à realização da penhora. Em bom rigor, o aludido acto constitui um acto acessório da venda por negociação particular, que há muito se iniciou. E nesse sentido, não se vislumbra que o acto praticado, ainda que no decurso de férias judiciais, tenha implicação no processo: na verdade, o acto visa dar prosseguimento aos normais termos do mesmo (designadamente, a apresentação de propostas e a venda do bem). A prática do acto visa, portanto, a consecução do que se encontra determinado legalmente, não apresentando qualquer implicação relevante no processo.
Ora bem.
A lei é clara: sem prejuízo de actos realizados de forma automática, não se praticam actos processuais nos dias em que os tribunais estiverem encerrados, nem durante o período de férias judiciais (art. 137º,1 CPC).
Exactamente qual é o acto de que estamos a falar?
Estamos a falar do acto que deu cumprimento ao ordenado no despacho de 7.7.2022, que autorizou a requisição do auxílio da força pública, e determinou que fosse nomeado como fiel depositário pessoa a indicar pela exequente. Ou seja, um acto que foi fisicamente praticado fora das instalações do Tribunal, pelo Agente de Execução.
Comentando o artigo 137º,1 CPC, escreve Miguel Teixeira de Sousa (CPC Online):
“(a) A redacção do n.º 1 não é muito feliz, não só porque não tem sentido impedir que o tribunal pratique actos quando estiver encerrado ou durante as férias judiciais, mas também porque, ao contrário do que o preceito parece dar a entender, não há nenhuma proibição de as partes praticarem, mesmo presencialmente, actos durante as férias judiciais. O que se pode estabelecer é que não se praticam sessões com a presença do tribunal e das partes (em especial, audiências) quando aquele estiver encerrado (art. 124.º, n.º 1 e 2, LGTFP; art. 45.º ROFTJ; art. 2.º P 307/2018, de 29/11) ou durante as férias judiciais (art. 28.º LOSJ) (nº 1). (b) De acordo com esta razoável interpretação, a realização pelo tribunal de qualquer acto quando estiver encerrado ou durante as férias judiciais não implica a invalidade desse acto. Uma sentença proferida num Domingo ou durante as férias judiciais não é uma sentença inválida”.
Seguindo a opinião do Ilustre Professor, embora não tenhamos dúvidas que em sentido lato, o acto aqui em causa tem de ser considerado um acto processual, pois que se insere no decurso de um processo executivo, e visa ajudar a alcançar o objectivo final do processo, teremos todavia de considerar que o acto em causa, apesar de ter sido praticado em férias judiciais, jamais poderá ser considerado nulo. Trata-se de um acto material, praticado fora das instalações do Tribunal, que nenhuma disposição legal secundária considera expressamente nulo, e que jamais poderá influir no exame ou decisão da causa. O único efeito sensível deste acto, digamos, irregular, é o de contribuir para a celeridade da marcha do processo e para o alcançar do fim da acção executiva.
Como certeiramente escreve Teixeira de Sousa, uma sentença proferida num domingo ou durante as férias judiciais não é uma sentença inválida. Da mesma forma, o acto de que agora estamos a tratar, apesar de praticado em período de férias judiciais, não é um acto inválido. Pelo contrário, foi praticado por ordem do Juiz do processo, e levado a cabo de acordo com a tramitação pertinente. Uma visão excessivamente formalista, que levasse a que por causa da prática em férias judiciais o acto em causa fosse declarado nulo, e mandado repetir seria um atentado ao princípio da economia processual, e, num País onde existe a percepção generalizada (bem ou mal) que os Tribunal são lentos a realizar Justiça, mandar anular um acto de extrema eficiência, seria um total absurdo.
Recordando a formulação do art. 195º,1 CPC, diremos que a prática deste acto fora do período em que deveria ter sido praticado não produz nulidade, pois não só a lei não o declara, como a irregularidade cometida, além de não poder influir no exame ou na decisão da causa, veio trazer celeridade ao andamento do processo.
Nem a recorrente pode ter qualquer interesse legítimo na anulação deste acto e na sua repetição sem ser em férias judiciais. Excluindo o interesse de retardar o processo, e esse não merece ser acolhido, não vislumbramos que outra razão possa ter a recorrente para deduzir esta pretensão."
[MTS]
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