"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



13/10/2023

Jurisprudência 2023 (28)


Parecer técnico;
junção


1. O sumário de RE 9/2/2023 (2218/21.3T8PTM-A.E1) é o seguinte:

Para se apurar se determinada “informação” foi apresentada tempestivamente, importa apurar se o tribunal lhe atribuiu o valor de documento ou de parecer técnico, face à diferença de regimes entre o artigo 423.º, n.º 3, do CPC que estabelece limites temporais precisos para a junção da prova documental, e o artigo 426.º do mesmo diploma, que, em primeira instância, permite a junção de pareceres (de advogados, professores ou técnicos) em qualquer estado do processo.


2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"Importa atender ao seguinte normativo:

Dispõe o artigo 423.º do CPC a propósito do «momento da apresentação» dos documentos que:

«1 - Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.

2 - Se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.

3 - Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.»

O artigo 426.º do CPC estabelece a propósito da junção de pareceres que:

«Os pareceres de advogados, professores ou técnicos podem ser juntos, nos tribunais de 1ª instância, em qualquer altura do processo»

Perante a diferença de regime importa definir a natureza do meio de prova admitido pelo tribunal e impugnado pelo apelante Condomínio do Edifício (…).

Discutem apelante e apelada da oportunidade quanto à admissão de determinado meio de prova em audiência de julgamento, no caso, em sessão destinada apenas a alegações finais.

O apelante Condomínio do Edifício (…) atribui a tal meio de prova a qualidade de documento e convoca o n.º 3 do artigo 423.º do CPC que estabelece que após o limite temporal estabelecido no n.º 2 (até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final) só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.

No caso concreto a Ré (…), SA somente requereu a junção do mencionado documento sem nada mais alegar quanto aos pressupostos para a sua admissibilidade e tempestividade.

Logo, não permitiu ao tribunal controlar dos pressupostos de admissibilidade previstos no artigo 423.º, n.º 3, do CPC – impossibilidade de os apresentar antes ou necessidade suscitada posteriormente – não podendo o tribunal fazê-lo sem tal controlo.

Assim, por extemporâneo, o documento não poderia ter sido admitido.

A Ré apresentante do meio de prova ora em discussão chamou-lhe “parecer técnico” e não documento.

E nas contra-alegações reforça essa definição, pretendendo que, enquanto parecer técnico não é um documento que deva ser sujeito ao disposto no artigo 423.º do CPC, estando antes abrangido pela tutela do artigo 426.º do CPC, e a sua tempestividade assegurada.

É na exata definição do meio de prova em causa, que se há de resolver o litígio.

No despacho que o admitiu o tribunal começou por o nomear como “documento” para logo a seguir o titular de “informação”.

E, reconhecendo a utilidade dessa “informação” para esclarecer questões técnicas respeitante à causa das infiltrações, a par do relatório junto pelos autores e a par do relatório pericial determinado pelo tribunal, a Mmª Julgadora atribui-lhe um valor laudatório especializado próprio de um parecer técnico.

Assim, o despacho complementar à admissão da informação:

«A decisão dos presentes autos tem haver com a consideração de questões técnicas que respeitam às infiltrações proveniente do terraço com piscina, sendo que nesse terraço existem partes comuns e partes que apenas pertencem à ré (…), não tendo as partes logrado até à data alcançar um acordo, afigura-se útil proceder à tomada de esclarecimentos aos técnicos que elaboraram a informação constante dos autos, nomeadamente, relatório junto pelos autores, relatório pericial determinado pelo Tribunal e informação agora junta pela ré (…).»

A função dos pareceres deve ser entendida como uma contribuição para “esclarecer o espírito do julgador” não tendo qualquer força probatória: Ac. STJ de 04/10/1995 in CJ/S 95/3, pág. 48.

No mesmo sentido o Ac. do TRP de 07/04/2016, Proc. n.º 197/14.2TTOAZ.P1, in www.dgsi.pt:

«I - Os documentos têm uma função representativa ou reconstitutiva do objeto, destinando-se a servir como meio de prova real de determinados factos.

II - Os pareceres representam, apenas, a opinião dos jurisconsultos ou técnicos que os subscrevem, sobre a solução de determinado problema, e destinam-se a elucidar o tribunal sobre o significado e alcance de factos de natureza técnica, cuja interpretação demanda conhecimentos especiais.

III - Se as opiniões dos técnicos forem expressas em diligência judicial, valem como meio de prova pericial; se forem expressas por via extrajudicial, valem como pareceres, representam apenas uma opinião sobre a situação e têm a autoridade que o seu autor lhes confere, isto é, são meros documentos particulares para efeitos probatórios.”

Daí a lei processual civil os colocar sob um regime mais favorável do que o dos documentos, no respeitante à oportunidade da sua junção.

Assim, por ter a qualidade de parecer, a informação técnica apresentada pela Ré (…) na audiência de 23/09/2022, podia ter sido admitida, como o foi, por tal o permitir o artigo 426.º do Código de Processo Civil."

[MTS]