"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



25/10/2023

Jurisprudência 2023 (36)


Custas de parte;
execução; liquidação


1. O sumário de RC 24/1/2023 (331/22.9T8ANS-A.C1é o seguinte:

A circunstância de inexistir nota de custas de parte consolidada, designadamente por ter sido tida por extemporânea, não obsta a que a parte que se entende credora dessas custas interponha acção executiva apenas em função da sentença condenatória em custas e proceda no correspondente requerimento executivo à liquidação das custas de parte.

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"IV – Do confronto entre as conclusões das alegações e a decisão recorrida resulta que a única questão a decidir, correspondendo ao objecto do presente recurso, é a de saber, se inexistindo nota de custas de parte consolidada, designadamente por ter sido tida por extemporânea, a parte que se entende credora dessas custas vê esse direito precludido, ou tem de recorrer à ação declarativa para realizar o correspondente direito de crédito, ou se pode interpor acção executiva apenas em função  da(s) sentenças(s) condenatória(s) em custas e proceder no correspondente requerimento executivo à liquidação das custas de parte.

Contextualizemos minimamente a questão das custas de parte.

As custas de parte, como decorre do art 529º/1 do CPC, estão abrangidas nas custas processuais.

Por isso, e como ponto de partida, comungando as custas de parte da natureza das custas processuais, «excepto quando houver disposição particular para as custas de parte, estão sujeitas às disposições que regem as custas processuais» [---].

Do nº 4 do referido art 529º resulta o que se deve entender por custas de parte – os montantes que «cada parte haja despendido com o processo e tenha direito a ser compensada em virtude da condenação da parte contrária, nos termos do Regulamento das Custas Processuais».

Por outro lado, dispõe o art 533º do CPC no seu nº 1: «... as custas da parte vencedora são suportadas pela parte vencida, na proporção do seu decaimento e nos termos previstos no RCP».

E no nº 2 dessa norma indicam-se – de forma não taxativa - as despesas que estão compreendidas nas custas de parte: as taxas de justiça pagas, os encargos efectivamente suportados pela parte, as remunerações pagas ao agente de execução e as despesas por este efectuadas e os honorários do mandatário e as despesas que este efectuou.

Referindo o nº 3 que «as quantias referidas no número anterior são objecto de nota discriminativa e justificativa, na qual devem constar também todos os elementos essenciais relativos ao processo e às partes».

Estando as custas de parte abrangidas nas custas processuais, como acima se evidenciou, é da decisão que se reporte às custas processuais que decorre qual das partes, e em que medida, pode recuperar o que a título de custas de parte despendeu com o processo em virtude de ter obtido vencimento total ou parcial na causa. 

Assim, no Regulamento das Custas Processuais (RCP), o art 26º/1 evidencia que «as custas de parte integram-se no âmbito da condenação judicial por custas», salientando o nº 2 desta norma que «as custas de parte são pagas directamente pela parte vencida à parte que delas seja credora», norma de que resulta que o pagamento das custas de parte é feito directa e extrajudicialmente pela parte devedora, não sendo as mesmas incluídas na conta final das custas.

E o art 25º/1 RCP,  na redacção do DL  86/2018 de 29 de Outubro, refere, entre o mais aqui não relevante: «Até 10 dias após o trânsito em julgado ou após a notificação de que foi obtida a totalidade do pagamento ou do produto da penhora, consoante os casos, as partes que tenham direito a custas de parte remetem para o tribunal, para a parte vencida e para o agente de execução, quando aplicável, a respetiva nota discriminativa e justificativa, sem prejuízo de esta poder vir a ser retificada para todos os efeitos legais até 10 dias após a notificação da conta de custas.  (…)»

Resulta implicitamente do nº 3 do art 36º RCP que se não ocorrer voluntariamente - e já se viu que extra processualmente - o pagamento das custas de parte, pode a parte delas credora instaurar execução para obter o respectivo pagamento coercivo.

Importa saber é qual o título executivo nestas execuções.

Como o salienta o acima referido Ac RP, é «precisamente por integrarem o conceito de custas processuais e comungarem da sua natureza, (que) as custas de parte estão sujeitas ao regime de liquidação e pagamento das custas processuais em tudo quanto não estiver expressamente previsto para as custas de parte».

Dizendo-se ainda: «Nesse sentido, a nota justificativa e discriminativa de custas de parte é, para efeitos destas, o equivalente ao que a conta de custas é para efeitos das custas processuais. Ambos os actos são a forma de operar a liquidação das custas devidas e a interpelação do devedor para o respectivo pagamento voluntário, permitindo-lhe pronunciar-se sobre o valor que lhe está a ser reclamado e reclamar do conteúdo da liquidação no caso de entender que não deve pagar os valores liquidados ou alguma parcela da liquidação. Se essa reclamação for apresentada, caberá ao juiz decidir a reclamação, ficando a questão definitivamente resolvida e cabendo depois ao devedor a obrigação de efectuar o pagamento do valor fixado no prazo de 10 dias, sob pena de execução».

Assim, na decorrência do que sucede na execução por custas – em que é necessário, por disposição expressa, a sentença e a certidão da liquidação conjuntamente  na execução das custas de parte, para preencher o requisito do título executivo, não poderá, em princípio, bastar a sentença condenatória. Concluindo-se no acórdão referido a este respeito: «Por interpretação extensiva (execução por custas processuais ≈ execução por custas de parte) e analógica (liquidação ≈ nota justificativa), afigura-se-nos que se deve entender que no tocante à execução das custas de parte o título executivo será constituído pela sentença condenatória e pela nota justificativa e discriminativa».

Trata-se de uma conclusão que não tem oferecido divergência, esta, de que o título executivo na execução por custas é compósito e se compõe pela sentença condenatória e pela nota justificativa e discriminativa das custas de parte.

O que não já oferece convergência é o tratamento a dar às situações, como a da execução que está na base dos presentes embargos, em que a parte que se arroga credora de custas de parte dá à execução apenas a sentença condenatória e se propõe no requerimento executivo liquidar as custas de parte a que se entende com direito, fazendo-o porque na acção foi tida como extemporânea a nota de custas que aí apresentou .

Tanto quanto se tem conhecimento, terá sido no acórdão a que se tem vindo a fazer referência - Ac RP 14/6/2017 - que terá sido primeiramente defendido [---] «que a ultrapassagem do prazo do n.º 1 do art. 25.º do RCP para a apresentação da nota discriminativa e justificativa das custas de parte não gera nem a caducidade do direito a reclamar as custas de parte nem a prescrição do correspondente direito de crédito, mas apenas a preclusão do acto processual de apresentação da nota no próprio processo a que respeitam as custas de parte para efeitos de o pagamento se processar nos termos do incidente previsto no RCP; e que essa preclusão não impede o credor das custas de parte de reclamar o seu pagamento nos termos gerais da lei de processo, designadamente através de uma acção executiva; devendo iniciar-se essa execução pelas diligências previstas no art 716º/4 e  5 do CPC».

Até então vinha defendendo-se que, porque o art 25º/1 do RCP determina que a parte vencedora deve remeter para o tribunal e para a parte vencida a nota discriminativa e justificativa “até dez dias após o trânsito em julgado”, o decurso deste prazo sem a remessa dessa nota implicava a caducidade do direito e a falta de título executivo – nesse sentido, entre outros, o Ac RP 19/2/2014 [---], Ac RL 7/10/2015 [---]; Ac RL 27/4/2017 [---].

Com o acórdão a que acima se fez referência – Ac R P 14/6/2017 – passou a ser admitido que o decurso do aludido prazo apenas preclude o acto processual de apresentação no próprio processo, ou seja, a preclusão de liquidação incidental no processo declarativo, não impedindo o credor de reclamar o seu crédito nos termos gerais, designadamente através de ação executiva, com liquidação prévia na execução.

Dá nota dessas duas correntes, o Ac RC 12/6/2018 [---], fazendo-o nos seguintes termos [---]:

«Coloca-se a questão de saber se se o decurso deste prazo implica a extinção do crédito, designadamente pela caducidade do direito, e por consequência a falta de título executivo, e sobre a qual existem duas correntes: a) Uma no sentido de que o decurso do prazo gera a caducidade do direito e a falta de título executivo (cf., por ex., Ac RP de 19/2/2014 (proc. nº 269/10), em www dgsi.pt; Salvador da Costa, “Questões sobre a cobrança de custas de parte”, Maio de 2018, in Blog do IPPC (alterando a posição anteriormente expressa em “Regulamento das Custas Processuais Anotado, 5ª ed., Almedina, 2013, pág.313); b) Outra para quem o decurso do prazo apenas preclude o acto processual de apresentação no próprio processo, ou seja, a preclusão de liquidação incidental no processo declarativo, não impedindo o credor de reclamar o seu crédito nos termos gerais, designadamente através de acção executiva, com liquidação prévia na execução ( cf., por ex., Ac TCA Sul 8/10/2015 (proc. nº 08570/15), Ac RP de 14/6/2017 (proc. nº 462/06), Ac RG de 17/12/2017 (proc. nº 1359/06), disponíveis em www dgsi.pt )» .

Não se tem dúvidas em se aderir a esta segunda posição, fazendo-o com os fundamentos pertinentemente aduzidos no supracitado Ac RP 14/6/2017.[---]

Em primeiro lugar, no paralelismo entre a nota discriminativa e justificativa de custas de parte e a conta de custas para efeitos de custas processuais. «Ambos os actos são a forma de operar a liquidação das custas devidas e a interpelação do devedor para o respectivo pagamento voluntário, permitindo-lhe reclamar sobre o valor que está a ser reclamado e reclamar do conteúdo da liquidação no caso de entender que não deve pagar os valores liquidados ou alguma parcela da liquidação».

Em segundo lugar, no que respeita à natureza do prazo de 5 dias constante do art 25º do RCP, que dificilmente se pode entender como prazo de caducidade do direito de exigir judicialmente o pagamento das custas, desde o momento em que «o credor não necessita de instaurar qualquer acção para obter a condenação do devedor a pagá-las pois já dispõe da condenação constante da sentença do próprio processo a que respeitam as custas».

Recorre-se ao Ac 28/6/2022, acima já referido, para a condensação dos demais argumentos utilizados no sobredito Ac RP:

«O prazo legal de dez dias, estabelecido no art.º 25º RCP, é um prazo processual, para a prática de ato processual (a apresentação da nota de custas de parte) e não um prazo de caducidade do direito de exigir o pagamento das custas, pela simples razão de que o direito às custas de parte decorre da sentença condenatória, da qual consta a obrigação do devedor no respetivo pagamento.

Não é pelo facto de a obrigação ser ilíquida que retira exequibilidade à sentença [art.º 703º, n.º 1, a) do CPC], por se revelar uma contradição nos próprios termos (direito já jurisdicionalmente reconhecido). A obrigação de pagamento das custas de parte não se extingue por não ser liquidada no prazo legal (dez dias), pois o que se extingue é o direito de fazer a liquidação por esse meio, previsto nos art.ºs 25º e 26º RCP [---] (cf., ainda, os art.ºs 713º e 716º, n.ºs 4 e 5 do CPC).

Releva também o argumento sistemático, porque estatuindo a lei que o crédito por custas (que compreende as custas de parte) prescreve no prazo de 5 anos (art.º 37º do RCP), seria incongruente e não faria sentido sujeitar esse crédito a um curtíssimo prazo (dez dias), fulminando a sua extinção, quando a condenação consta da própria sentença.

Entendimento contrário violaria claramente o disposto no art.º 311º, n.º 1 do CC, segundo o qual o direito sujeito a um prazo de prescrição mais curto que o prazo ordinário fica sujeito a este último se existir sentença transitada em julgado que reconheça o crédito, como é o caso.

A submissão do crédito de custas a um prazo extintivo do direito (de caducidade ou de prescrição) de apenas dez dias, contados a partir de um evento alheio ao credor (o trânsito em julgado da sentença), seria manifestamente inconstitucional por violação do princípio do Estado de Direito na dimensão da proibição do excesso, da violação da proporcionalidade e adequação e da ofensa ao valor da segurança jurídica».

Deste modo, há que concluir pela sem razão da sentença de 1ª instância ao fazer extinguir a execução com a procedência dos embargos de executado, antes devendo estes prosseguirem para se operar a liquidação das custas de parte devidas."

[MTS]