II - Não se encontra condicionada à verificação de oposição de acórdãos a admissibilidade do recurso interposto para o STJ do acórdão proferido pelo tribunal da Relação, que indeferiu o recurso extraordinário de revisão do acórdão dessa mesma Relação que havia confirmado a sentença homologatória de um plano de recuperação.
III - O fundamento do recurso de revisão previsto na alínea c) do artigo 696.º do CPC, exige a presença de dois requisitos de verificação cumulativa: a novidade (objectiva e subjectiva) do documento (não ter sido apresentado no processo no qual foi proferida a decisão, quer por não existir, quer por a parte não poder dele dispor) e a suficiência do mesmo (ser susceptível de levar a uma alteração do decidido objecto de revisão, impondo decisão mais favorável.
IV - Os valores da segurança e certeza inerentes à figura do caso julgado impedem que o recurso extraordinário de revisão possa constituir meio jurídico de garantir uma segunda oportunidade para prova de factos pré-alegados. Consequentemente, o documento a que alude a alínea c) do citado artigo 696.º do CPC, terá de se reportar à demonstração ou a impugnação de factos pré-alegados pelas partes, ou adquiridos para o processo; não, para a prova de factos novos.
V - Não se verifica o requisito novidade do documento, na sua vertente subjectiva, se resultar evidenciado no processo que a parte só se dispôs a obtê-lo após o trânsito em julgado da decisão objecto de revisão.
VI - O fundamento do recurso de revisão previsto na alínea d) do artigo 696.º do CPC, não se encontra dependente dos requisitos novidade ou suficiência exigidos pela alínea c) do artigo 696.º do CPC.
VII - Configurando-se o PER, na sua génese, numa proposta contratual aceite por uma maioria de credores, que envolve a constituição, modificação ou extinção de direitos, numa lógica de concessões recíprocas, traduzindo, por isso, uma convergência de vontades, assume plena configuração na figura do negócio jurídico celebrado ao abrigo da autonomia privada e, nessa medida, com cabimento na noção de transacção definida no artigo 1248.º, do CC.
VIII - A natureza negocial, ainda que híbrida, do plano especial de revitalização consente que lhe sejam aplicáveis, com as necessárias adaptações, as regras atinentes aos vícios dos negócios jurídicos; como tal, não lhe está arredada a aplicação da alínea d) do artigo 696.º do CPC.
"A Recorrente interpôs revista do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação que indeferiu o recurso extraordinário de revisão, invocando os artigos 14.º, n.º 1, 2ª parte, do do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), 697.º, n.º 6, ex vi do artigo 17.º do CPC, alegando ocorrer oposição de julgados entre o acórdão recorrido e o acórdão proferido pelo tribunal da Relação de Coimbra de 07-04-2016 (acórdão-fundamento) relativamente à questão da natureza jurídica (enquanto transacção processual) do plano de recuperação.
Defende a Recorrida a inadmissibilidade da revista face à inverificação dos requisitos específicos de recorribilidade previstos no artigo 14.º do CIRE, por:
- não ocorrer oposição frontal de acórdãos (a divergência da questão revelar-se apenas implícita e não se reportar à questão essencial que constituiu a resolução do litígio) [---];
- a decisão recorrida, equivalendo a uma decisão de indeferimento liminar, não ter cabimento no artigo 14.º, do CIRE.
Tendo presente o que dispõe o n.º 6 do artigo 697.º do CPC, nos termos do qual, as decisões proferidas em processo de revisão admitem os recursos ordinários a que estariam originalmente sujeitas no decurso da ação em que foi proferida a sentença a rever, considerando que a decisão a rever respeita a sentença homologatória de um PER, a apreciação dos pressupostos da admissibilidade do recurso interposto terá de ser feita como se o acórdão recorrido tivesse sido proferido no âmbito dos autos principais, ou seja, os autos de revitalização.
Conforme tem vindo a ser pacificamente entendido neste tribunal [ Cfr. acórdãos de 05-07-2022 (Proc. n.º 1975/21.1T8STB.E1.S1) e de 15-03-2022 (Processo n.º 112/21.7T8STB.E1.S1), acessíveis através das Bases Documentais do ITIJ.], o regime especial de recursos previsto no artigo 14.º, do CIRE [De acordo com o qual a admissibilidade do recurso de revista depende da demonstração, pelo recorrente, de que o acórdão de que pretende recorrer está em oposição com outro, proferido por alguma das relações, ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e que haja decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito e não houver sido fixada pelo Supremo, nos termos dos artigos 686.º e 687.º do Código de Processo Civil.], tem aplicação aos processos especiais de revitalização, pelo que, a admissibilidade dos recursos nesse âmbito tem de ser aferida à luz desse regime especial de recurso restritivo, que tem subjacente uma finalidade de celeridade, sem deixar de ser assegurado o segundo grau de jurisdição; nessa medida, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça apenas se justifica para serem ultrapassados os conflitos jurisprudenciais do segundo grau de jurisdição.
Uma vez que o regime restritivo de recurso ao STJ estabelecido no artigo 14.º, do CIRE, tem por pressuposto estar assegurado “o segundo grau de jurisdição”, tal restrição (através do requisito específico da oposição de acórdãos) é avocada nas situações em que o tribunal da Relação funcione como 2.ª instância, ou seja, enquanto tribunal de recurso; não, quando a sua intervenção se encontre assumida como uma 1.ª instância.
No caso, embora esteja em causa um recurso extraordinário de revisão, o seu objecto é idêntico ao dos autos principais, uma vez que através dele se pretende a alteração da decisão de homologação do PER, ou seja, por via dele visa-se alcançar a não homologação do PER pretendida pela Recorrente no âmbito do processo especial de revitalização. Importa, por isso, compaginar o disposto nos n.ºs 1 e 6 do artigo 697.º do CPC, com o artigo 14.º, do CIRE (onde não se encontram previstas as situações em que o tribunal da Relação conheceu do objecto do processo em 1.ª instância).
Assim sendo, tendo a decisão recorrida sido proferida pelo tribunal a quo enquanto decisão em 1.ª instância (independentemente de constituir uma decisão colegial), há que garantir à Recorrente o duplo grau de jurisdição, que sempre lhe assistiria nos termos do referido artigo 14.º do CIRE. Nessa medida, não pode deixar de se considerar que a admissibilidade do recurso de revisão interposto para este Supremo Tribunal não se encontra sujeita ao requisito específico exigido por aquele artigo 14.º, isto é, condicionada à verificação de oposição de acórdãos, carecendo, pois, de cabimento para o conhecimento do respectivo objecto indagar se, no caso, ocorre uma efectiva contradição entre o acórdão recorrido e o indicado acórdão-fundamento."
[MTS]