Recurso;
fundamentação; improcedência
1. O sumário de RL 9/2/2023 (19765/18.7T8LSB-B.L1-2) é o seguinte:
I – A cumulação simples de pedidos (art. 555 do CPC) não depende da conexão objectiva entre eles, ou seja, não depende da verificação de uma das hipóteses do art. 36 do CPC. Dito de outro modo, quando o art. 555/1 do CPC remete para as circunstâncias que impedem a coligação, está só a remeter para o art. 37 do CPC e não para o art. 36 do CPC.
II - O facto de haver dois autores não transforma o caso numa coligação activa. “A coligação pressupõe que, além de uma pluralidade de partes activas ou passivas, é formulado um pedido distinto por cada um dos autores ou é formulado um pedido distinto contra cada um dos réus.”
III – A possibilidade de separação de pedidos, prevista no art. 37/4 do CPC, vale também para a cumulação simples de pedidos.
IV – Se os autores se limitam a dizer, numa conclusão de um recurso contra um despacho saneador que absolveu parcialmente o réu da instância devido à excepção dilatória da ineptidão da petição inicial por falta ou ininteligibilidade de causa de pedir, que “a pretensão dos autores é suportada não só pela verdade material exposta a V. Exas, mas igualmente por normas e princípios jurídicos, os quais apenas reforçam que não existe qualquer ineptidão da petição inicial, nomeadamente porque, através da conjugação dos arts. 31, 36, 37 e 555 do CPC e os princípios da conciliabilidade dos efeitos jurídicos, da inteligibilidade das razões da economia processual e do interesse e da legitimidade processual, só nos resta concluir pela possibilidade de cumulação dos pedidos formulados pelos autores”, não há a indicação, sintética, dos fundamentos pelos quais os autores pedem a revogação daquela decisão (como tinha de haver, por força do art. 639/1 do CPC), pelo que a decisão de absolvição por ineptidão não tem possibilidade de ser discutida, sendo por isso manifesta a improcedência do recurso contra ela.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"Quanto ao fundamento da ineptidão da petição inicial, o réu diz:
M - Por fim, cumpre referir que os autores não recorreram da decisão presente no despacho recorrido, ainda que a título subsidiário, que julgou inepta a petição inicial (e requerimento de aperfeiçoamento) por falta ou ininteligibilidade da respectiva causa de pedir, e assim sempre se dirá que, ao terem excluído do objecto do seu recurso qualquer pronúncia relativa a essa decisão, a mesma não poderá ser apreciada pelo TRL, nos termos dos artigos 608/2, 635/4 e 639 do CPC.
O que o despacho saneador recorrido disse, na parte que agora importa, foi o seguinte:
“E mesmo que assim não se entenda, acresce e avulta a ineptidão da petição inicial quanto a este pedido por falta ou ininteligibilidade da respectiva causa de pedir. É que, neste particular a p.i. é vaga e pejada de afirmações conclusivas, desprovida de um conteúdo factual mínimo, e conforme se assinalou supra, no articulado aperfeiçoado relativamente aos procedimentos disciplinares os autores continuam a socorrer-se essencialmente de juízos conclusivos e afirmações contraditórias. Por exemplo, tanto dizem que as decisões foram proferidas sem qualquer audição, defesa ou participação prévia no procedimento dos autores, como dizem que responderam à nota de culpa (então se responderam à nota de culpa apresentaram a sua defesa). Os poucos factos alegados no requerimento de aperfeiçoamento apenas concernem às datas das notas de culpa do procedimento de suspensão (13/06/2018) e do procedimento de expulsão (23/08/2018), às decisões de suspensão dos autores constantes de decisão de 02/08/2018, ao facto de o processo de expulsão ter sido instaurado na pendência do processo de suspensão, referindo-se de forma vaga “com recurso apresentado, mas não apreciado nem tramitado”. Tudo o mais não passa de juízos valorativos e conclusivos.Ou seja, os escassos factos alegados (na p.i. e req. de aperfeiçoamento) não consubstanciam vícios de forma dos procedimentos disciplinares, sublinhando-se que a decisão de fundo ou o mérito dos procedimentos disciplinares (isto é a verificação ou não dos ilícitos disciplinares imputados) não se mostra sindicada. A ineptidão parcial é também ela uma excepção dilatória conducente à absolvição parcial da instância (cfr. arts. 186º nºs 1 e 2 al. a) e 577º al. b) do C.P.C.) tal como a falta de interesse em agir nos termos requeridos pelo réu. E não se trata sequer de questão nova no quadro da presente acção.Destarte, com os fundamentos expostos, julga-se procedente a excepção dilatória no que toca ao pedido concernente à “nulidade dos procedimentos disciplinares instaurados contra os autores”, absolvendo-se o réu da instância relativamente a este pedido.”
Ou seja, o saneador-sentença recorrido diz que à inadmissibilidade da cumulação de pedidos acresce a ineptidão da petição inicial. E com estes dois fundamentos julga procedente “a excepção dilatória”. Mas a excepção dilatória deduzida era a de falta de interesse em agir e a excepção dilatória julgada procedente não foi a de falta de interesse em agir.
Ou seja, apesar do texto algo ambíguo, não há aqui uma decisão com um fundamento subsidiário. Há, sim, uma decisão de absolvição da instância, por verificação de duas excepções dilatórias diferentes: uma por inadmissibilidade da cumulação de pedidos e, outra, por ineptidão da petição inicial derivada da falta ou ininteligibilidade da respectiva causa de pedir.
Ora, quanto a este fundamento – ineptidão da petição – que serviu também para a absolvição da instância por procedência da, melhor, de uma excepção dilatória, os autores não têm, nas conclusões do recurso, a indicação, sintética, dos fundamentos pelos quais pedem a revogação da decisão, como lhes era exigido pelo art. 639/1 do CPC.
Não se pode invocar para o efeito o que consta da conclusão xiii pois esta, por um lado, contém apenas um chavão ou bordão (“a pretensão dos autores é suportada não só pela verdade material exposta a V. Exas”) e, por outro, logo a seguir, no mesmo parágrafo, invoca matéria que não tem a ver com a ineptidão da petição inicial, mas com a inadmissibilidade da cumulação de pedidos, aliás sem qualquer coerência lógica: a falta ou ininteligibilidade da causa de pedir, não tem nada a ver com princípios jurídicos que permitiriam a cumulação de pedidos. Ou seja, não há qualquer indicação minimamente consistente de uma razão para iniciar a discussão sobre se o saneador sentença recorrido tem ou não razão em dizer – e fê-lo dando razões concretas para o efeito - que falta ou é ininteligível a causa de pedir.
E essa falta de razões mesmo que pudesse ser suprida em abstracto pelo que consta do corpo das alegações, não o poderia ser no caso concreto, pois que também nesse corpo não é possível descortinar a indicação dos fundamentos pelos quais os autores pedem a anulação daquela decisão, limitando-se os autores, de outra forma, a afirmar o contrário do que era dito no saneador sentença, ou seja, limitam-se a dizer aquilo que depois dizem na conclusão xiii.
Esse corpo é composto, nesta parte, apenas pelos artigos 51 e 52 (os únicos da parte V) os quais se passam a transcrever:
51. A pretensão dos autores é suportada não só pelos factos acima expostos, através dos quais não restam dúvidas que a petição inicial não pode, de forma alguma, ser considerada inepta, mesmo que apenas parcialmente.52. Outrossim, as seguintes normas e princípios jurídicos deixam claro que a pretensão dos autores é fundamentada jurídica e processualmente, vejamos: CPC, nomeadamente arts. 31, 36, 37 e 555 princípio da conciliabilidade dos efeitos jurídicos; princípio da inteligibilidade das razões; princípio de economia processual; princípio do interesse e legitimidade processual [os autores misturam o CPC antes e depois da reforma de 2013: o art. 31 é antes o art. 36 é depois… - TRL]
Ora, tendo o saneador-sentença recorrido dito, fundamentadamente, que falta ou é ininteligível a causa de pedir, os autores não podem limitar-se a dizer o contrário numa conclusão, sem tentarem demonstrar que há causa de pedir e ela é inteligível, para mais remetendo em bloco para os factos que constarão das 12 páginas do corpo das alegações que dizem respeito à matéria da admissibilidade da cumulação de pedidos.
Em suma, repete-se, a conclusão xiii ou o art. 51 do corpo das alegações não contém uma indicação do fundamento pelo qual se deveria decidir em contrário do que o saneador recorrido decidiu quanto à questão da ineptidão da petição inicial. Dizer que o que é verdade é o contrário do que se diz num fundamento de uma decisão recorrida é apenas dizer que ela decidiu mal e dizer isto não é apresentar nenhum fundamento para a revogação/anulação da decisão. Tal não permite ao tribunal de recurso - a não ser recorrendo a especulação ou a novo julgamento da questão a partir do nada, o que é inadmissível -, iniciar a discussão, com os autores e com os réus (sabendo estes os argumentos dos autores), sobre se há ou não causa de pedir para o pedido que se julgou inadmissível e se era ou não ininteligível, sendo por isso manifesta a improcedência do recurso contra ela."
[MTS]