Recurso; âmbito subjectivo
1. O sumário de STJ 7/12/2016 (1923/14.5TBVIS.C1.S1) é o seguinte:
I. Ao celebrar o contrato de seguro, o segurado deve declarar com exactidão as circunstâncias que conheça e que se mostrem significativas para a apreciação do risco que pretende garantir (art. 24º da LCS).
II. Conhecendo o segurado a existência de uma massa abdominal que mais tarde veio a ser identificada como “adenocarcinoma do pâncreas”, ainda que não estivesse diagnosticada a sua natureza e gravidade, deveria ter informado a Seguradora daquele facto e de que estava em processo de averiguação clínica o respectivo diagnóstico.
III. É dolosa a actuação do segurado que, no âmbito das diligências que precederam a adesão ao contrato de seguro do Ramo Vida que estava associado a um contrato de mútuo bancário, omitiu deliberada e intencionalmente à Seguradora circunstâncias relevantes atinentes ao seu estado de saúde, como o eram a existência da referida massa abdominal e as diligências que estavam em curso com vista ao apuramento da sua natureza e gravidade.
IV. Accionado o contrato de seguro na sequência do óbito do tomador causado pelo “adenocarcinoma do pâncreas”, é legítimo à Seguradora invocar a anulabilidade do contrato de seguro para recusar o pagamento do capital seguro, nos termos do art. 25º da LCS.
V. A tal não obsta o facto de a Seguradora, antes da celebração do contrato de seguro, ter tido conhecimento de que o segurado padecia da patologia da diabetes e de, com base nessa informação, ter excluído a da garantia do seguro “invalidez total e definitiva” do segurado, uma vez que aquela informação, por si, não faria supor a coexistência do “adenocarcinoma do pâncreas”.
VI. Em regra, nos casos de litisconsórcio voluntário ou de coligação, o recurso apenas aproveita ao recorrente, mas é extensivo ao comparte não recorrente se o interesse deste estiver numa relação de dependência ou de subsidiariedade relativamente ao interesse do recorrente (art. 634º, nº 2, al. b), do CPC).
VII. Nos termos e para efeitos do art. 634º, nº 2, al. b), do CPC, o interesse do Banco que celebrou um contrato de mútuo associado a um contrato de seguro do Ramo Vida no qual o Banco foi indicado como beneficiário, para garantia do pagamento do capital e juros remuneratórios é dependente do interesse da Seguradora com a qual o mutuário celebrou este contrato de seguro.
VIII. Declarando a sentença de 1ª instância, por um lado, a condenação da Seguradora a entregar ao Banco o capital máximo que em dívida na data do óbito do segurado e, por outro lado, a condenação do Banco a restituir ao mutuário as prestações que, a partir daquela data, foram descontadas, o posterior acórdão da Relação que, no âmbito de recurso interposto pela Seguradora, veio declarar a anulação do contrato de seguro e revogar aquela condenação aproveita também ao Banco, apesar de não ter interposto recurso da sentença.
II. Conhecendo o segurado a existência de uma massa abdominal que mais tarde veio a ser identificada como “adenocarcinoma do pâncreas”, ainda que não estivesse diagnosticada a sua natureza e gravidade, deveria ter informado a Seguradora daquele facto e de que estava em processo de averiguação clínica o respectivo diagnóstico.
III. É dolosa a actuação do segurado que, no âmbito das diligências que precederam a adesão ao contrato de seguro do Ramo Vida que estava associado a um contrato de mútuo bancário, omitiu deliberada e intencionalmente à Seguradora circunstâncias relevantes atinentes ao seu estado de saúde, como o eram a existência da referida massa abdominal e as diligências que estavam em curso com vista ao apuramento da sua natureza e gravidade.
IV. Accionado o contrato de seguro na sequência do óbito do tomador causado pelo “adenocarcinoma do pâncreas”, é legítimo à Seguradora invocar a anulabilidade do contrato de seguro para recusar o pagamento do capital seguro, nos termos do art. 25º da LCS.
V. A tal não obsta o facto de a Seguradora, antes da celebração do contrato de seguro, ter tido conhecimento de que o segurado padecia da patologia da diabetes e de, com base nessa informação, ter excluído a da garantia do seguro “invalidez total e definitiva” do segurado, uma vez que aquela informação, por si, não faria supor a coexistência do “adenocarcinoma do pâncreas”.
VI. Em regra, nos casos de litisconsórcio voluntário ou de coligação, o recurso apenas aproveita ao recorrente, mas é extensivo ao comparte não recorrente se o interesse deste estiver numa relação de dependência ou de subsidiariedade relativamente ao interesse do recorrente (art. 634º, nº 2, al. b), do CPC).
VII. Nos termos e para efeitos do art. 634º, nº 2, al. b), do CPC, o interesse do Banco que celebrou um contrato de mútuo associado a um contrato de seguro do Ramo Vida no qual o Banco foi indicado como beneficiário, para garantia do pagamento do capital e juros remuneratórios é dependente do interesse da Seguradora com a qual o mutuário celebrou este contrato de seguro.
VIII. Declarando a sentença de 1ª instância, por um lado, a condenação da Seguradora a entregar ao Banco o capital máximo que em dívida na data do óbito do segurado e, por outro lado, a condenação do Banco a restituir ao mutuário as prestações que, a partir daquela data, foram descontadas, o posterior acórdão da Relação que, no âmbito de recurso interposto pela Seguradora, veio declarar a anulação do contrato de seguro e revogar aquela condenação aproveita também ao Banco, apesar de não ter interposto recurso da sentença.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"2.3. [...] Nos termos do art. 634º do CPC, fora dos casos de litisconsórcio necessário (em que o recurso interposto por um dos litisconsortes aproveita aos demais) o recurso que seja interposto por algum dos compartes, em regra, não aproveita aos demais.
É uma consagração do princípio da relatividade, segundo o qual, por oposição ao princípio da realidade, em regra, o acto de interposição de recurso apenas aproveita ao recorrente (cfr. Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª ed., pág. 140, e Noronha Silveira, Pluralidade das Partes na Fase dos Recursos em Processo Civil).
Esta regra que emerge da natureza privatística do processo civil e do princípio da auto-reponsabilidade das partes sofre uma limitação no segmento relativo ao litisconsórcio necessário (negocial, legal ou natural), em que há uma única acção com pluralidade de sujeitos. Em tal situação, o facto de se discutirem interesses incindíveis obsta a que se consolidem resultados diversos para cada um dos litisconsortes. Daí afirmar-se no nº 1 do art. 634º que, independentemente da iniciativa de qualquer dos demais litisconsortes ou da sua posterior intervenção, o resultado do recurso interposto por algum ou alguns repercutir-se-á em todos eles.
Já na coligação e no litisconsórcio voluntário são admitidas diversas cambiantes.
Em princípio, o recurso apenas produz efeitos na esfera do comparte ou compartes recorrentes, podendo a composição final do litígio traduzir-se em resultados diversos para outros compartes não recorrentes. Em tese, tal regime admite que uma determinada sentença ou qualquer outra decisão possa produzir efeitos de caso julgado contra algum dos compartes e ser impugnada em via de recurso por outro comparte, com eventual modificação do resultado que apenas a estes aproveitará.
Por via desta opção do legislador, é possível e legítimo que uma mesma sentença produza efeitos relativamente a um comparte e não os produza relativamente a outros que não tenham atempadamente procedido à sua impugnação (cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no NCPC, 3ª ed., págs. 89 a 92).
Esta regra contempla, no entanto, as excepções previstas no nº 2:
a) Se os não recorrentes derem a sua adesão ao recurso, na parte em que o interesse seja comum;
b) Se os não recorrentes tiverem um interesse que dependa essencialmente do interesse do recorrente;
c) Se o recurso for interposto de sentença que tenha condenado os compartes em regime de solidariedade, a não ser que, pelo seu fundamento, o recurso respeite unicamente à pessoa do recorrente.
2.4. Interessa-nos o que dispõe a al. b), nos termos da qual, em função do nexo de dependência ou de prejudicialidade que apresente os contornos definidos na previsão legal, a interposição de recurso pela parte que pretende a tutela de interesse preponderante repercute-se também na esfera jurídica do interessado em relação de dependência.
O caso paradigmático é o do recurso é interposto pelo devedor principal numa acção em que também foi demandado o respectivo fiador, situação em que a decisão proferida no âmbito de recurso interposto pelo primeiro acabará por se repercutir na esfera jurídica do fiador.
Mas outras situações existem que se enquadram dentro daquela previsão legal, tal como acontece quando é demandado o devedor e o respectivo segurador ou, como na situação presente, quando a amplitude da responsabilidade da entidade bancária beneficiária do seguro de vida relativamente à retenção ou devolução das prestações do mútuo que entretanto recebeu está, afinal, dependente e condicionada pela legitimidade do accionamento do contrato de seguro de vida associado àquele mútuo.
Como critério geral que preside à previsão legal está a constatação da existência de uma “hierarquia de interesses” a que alude Alberto dos Reis, para quem se visou salvaguardar a existência de um “interesse principal, o do recorrente, e um interesse subordinado, o do não recorrente”, verificando-se que entre o “interesse do recorrente e o do outro comparte existe o chamado nexo de prejudicialidade; o interesse do recorrente é prejudicial em relação ao do não recorrente, no sentido de que este está dependente daquele” (CPC anot., vol. V, pág. 299).
No caso presente estamos perante uma situação similar àquela que é exemplificada por Teixeira de Sousa, em Estudos sobre o Novo processo Civil, págs. 502 e 503: se o autor pedir contra um dos RR. a anulação ou declaração de nulidade de um contrato com ele celebrado e contra outro dos RR. a restituição da coisa transmitida a decisão favorável ao primeiro demandado beneficia o segundo.
Também se decidiu no Ac. deste STJ, de 27-2-14 (www.dgsi.pt), que a interposição de recurso pela parte que pretende a tutela do interesse preponderante repercute-se, independentemente da vontade, na esfera jurídica do outro cujo interesse dele depende”.
Situação que igualmente foi observada no Ac. do STJ, de 3-4-14, em que a se concluiu que o acórdão que culminou com a absolvição dos responsáveis civis demandados numa acção de acidente de viação se propaga ao Fundo de Garantia Automóvel que era demandado a título subsidiário.
É uma consagração do princípio da relatividade, segundo o qual, por oposição ao princípio da realidade, em regra, o acto de interposição de recurso apenas aproveita ao recorrente (cfr. Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª ed., pág. 140, e Noronha Silveira, Pluralidade das Partes na Fase dos Recursos em Processo Civil).
Esta regra que emerge da natureza privatística do processo civil e do princípio da auto-reponsabilidade das partes sofre uma limitação no segmento relativo ao litisconsórcio necessário (negocial, legal ou natural), em que há uma única acção com pluralidade de sujeitos. Em tal situação, o facto de se discutirem interesses incindíveis obsta a que se consolidem resultados diversos para cada um dos litisconsortes. Daí afirmar-se no nº 1 do art. 634º que, independentemente da iniciativa de qualquer dos demais litisconsortes ou da sua posterior intervenção, o resultado do recurso interposto por algum ou alguns repercutir-se-á em todos eles.
Já na coligação e no litisconsórcio voluntário são admitidas diversas cambiantes.
Em princípio, o recurso apenas produz efeitos na esfera do comparte ou compartes recorrentes, podendo a composição final do litígio traduzir-se em resultados diversos para outros compartes não recorrentes. Em tese, tal regime admite que uma determinada sentença ou qualquer outra decisão possa produzir efeitos de caso julgado contra algum dos compartes e ser impugnada em via de recurso por outro comparte, com eventual modificação do resultado que apenas a estes aproveitará.
Por via desta opção do legislador, é possível e legítimo que uma mesma sentença produza efeitos relativamente a um comparte e não os produza relativamente a outros que não tenham atempadamente procedido à sua impugnação (cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no NCPC, 3ª ed., págs. 89 a 92).
Esta regra contempla, no entanto, as excepções previstas no nº 2:
a) Se os não recorrentes derem a sua adesão ao recurso, na parte em que o interesse seja comum;
b) Se os não recorrentes tiverem um interesse que dependa essencialmente do interesse do recorrente;
c) Se o recurso for interposto de sentença que tenha condenado os compartes em regime de solidariedade, a não ser que, pelo seu fundamento, o recurso respeite unicamente à pessoa do recorrente.
2.4. Interessa-nos o que dispõe a al. b), nos termos da qual, em função do nexo de dependência ou de prejudicialidade que apresente os contornos definidos na previsão legal, a interposição de recurso pela parte que pretende a tutela de interesse preponderante repercute-se também na esfera jurídica do interessado em relação de dependência.
O caso paradigmático é o do recurso é interposto pelo devedor principal numa acção em que também foi demandado o respectivo fiador, situação em que a decisão proferida no âmbito de recurso interposto pelo primeiro acabará por se repercutir na esfera jurídica do fiador.
Mas outras situações existem que se enquadram dentro daquela previsão legal, tal como acontece quando é demandado o devedor e o respectivo segurador ou, como na situação presente, quando a amplitude da responsabilidade da entidade bancária beneficiária do seguro de vida relativamente à retenção ou devolução das prestações do mútuo que entretanto recebeu está, afinal, dependente e condicionada pela legitimidade do accionamento do contrato de seguro de vida associado àquele mútuo.
Como critério geral que preside à previsão legal está a constatação da existência de uma “hierarquia de interesses” a que alude Alberto dos Reis, para quem se visou salvaguardar a existência de um “interesse principal, o do recorrente, e um interesse subordinado, o do não recorrente”, verificando-se que entre o “interesse do recorrente e o do outro comparte existe o chamado nexo de prejudicialidade; o interesse do recorrente é prejudicial em relação ao do não recorrente, no sentido de que este está dependente daquele” (CPC anot., vol. V, pág. 299).
No caso presente estamos perante uma situação similar àquela que é exemplificada por Teixeira de Sousa, em Estudos sobre o Novo processo Civil, págs. 502 e 503: se o autor pedir contra um dos RR. a anulação ou declaração de nulidade de um contrato com ele celebrado e contra outro dos RR. a restituição da coisa transmitida a decisão favorável ao primeiro demandado beneficia o segundo.
Também se decidiu no Ac. deste STJ, de 27-2-14 (www.dgsi.pt), que a interposição de recurso pela parte que pretende a tutela do interesse preponderante repercute-se, independentemente da vontade, na esfera jurídica do outro cujo interesse dele depende”.
Situação que igualmente foi observada no Ac. do STJ, de 3-4-14, em que a se concluiu que o acórdão que culminou com a absolvição dos responsáveis civis demandados numa acção de acidente de viação se propaga ao Fundo de Garantia Automóvel que era demandado a título subsidiário.
2.5. No caso, o interesse da R. CCA Mútuo (que, como se disse, não interpôs recurso de apelação) está essencialmente dependente do que se decidir definitivamente em relação à questão da validade ou anulabilidade do contrato de seguro e assunção da responsabilidade da Seguradora.
Com efeito, o presente litígio gira em torno da questão, que foi resolvida contraditoriamente pelas instâncias, de apurar se o contrato de seguro podia ou não podia ser accionado pela beneficiária depois do óbito do segurado.
A circunstância de terem sido demandadas ambas as RR. ficou a dever-se unicamente ao facto de o contrato de seguro garantir o pagamento das prestações relativas a um mútuo que foi celebrado pela A. e seu marido com a CCA Mútuo, CRL, recusando-se a R. CA CC, SA, a efectuar o pagamento do capital em dívida, atenta a actuação pré-contratual do segurado relacionada com a informação sobre o seu estado de saúde. Como entretanto as prestações continuaram a ser pagas sem que a A. quisesse suportar o ónus do incumprimento do mútuo, veio reclamar através da presente acção a devolução do montante que lhe foi descontado e, em simultâneo, veio pedir a condenação da R. CA CC a pagar à R. CCA Mútuo todo capital mutuado que estava em dívida aquando da ocorrência do óbito do seu marido.
Ora, na perspectiva da entidade bancária que concedeu o empréstimo ao segurado é relativamente indiferente qual dos sujeitos (a A., mutuária, ou a R. Seguradora) procederá ao pagamento do capital mutuado. Mas tendo recebido entretanto da A. as prestações do mútuo que se venceram depois do óbito do tomador, a devolução à A. dessas prestações e das prestações vincendas acaba por ficar dependente da resposta que for dada à questão matricial em torno da anulabilidade do contrato de seguro, apenas se compreendendo a devolução das quantias recebidas depois do óbito do segurado se a Seguradora decair na questão da anulabilidade do contrato legitimadora da recusa na entrega do capital garantido.
Por certo que no âmbito de um processo em que ambas as entidades (Banco e Seguradora) foram demandadas e em que ambas foram afectadas por segmentos decisórios distintos, mais avisada teria sido a actuação da entidade bancária CCA Mútuo de interpor também recurso da sentença, expressando de forma directa e autónoma a sua oposição ao segmento condenatório.
Todavia, o facto de essa R. não ter agido dessa forma mais solene e prudente não determina que fique indiferente ao resultado que vier a ser obtido no recurso que foi interposto unicamente pela R. CA CC.
Com efeito, a pretensão que contra esta foi formulada pela A. (e que a Relação julgou improcedente) abarcava toda a dívida que existia na data do óbito do marido da A. respeitante ao mútuo que fora outorgado com a R. CCA Mútuo.
Ora, se a Relação, apreciando a questão da anulabilidade/validade do contrato de seguro, concluiu pela sua anulação e decidiu que a A. não tinha condições para o accionamento do seguro, não sendo, por isso, a R. Seguradora responsável pelo pagamento do capital em dívida, não pode conceber-se que tal decisão possa conviver com a manutenção de outro segmento da mesma sentença da 1ª instância que condenou a R. CCA Mútuo a devolver as prestações vencidas e vincendas entretanto descontadas e que representam o pagamento parcial da quantia mutuada.
Como é evidente, esta condenação da R. CCA Mútuo tinha como pressuposto a validade do contrato de seguro (ou, de modo inverso, a improcedência da excepção de anulabilidade que a R. Seguradora suscitou na contestação), constituindo essa condenação o mecanismo apropriado a repor a situação que existiria se acaso a Seguradora, correspondendo à solicitação da A., tivesse adiantado à entidade bancária o capital seguro.
Tendo a Relação invertido tal decisão e tendo declarado a anulabilidade do contrato de seguro, perdeu consistência aquela condenação, sendo a retenção das prestações recebidas pela entidade bancária o reflexo da improcedência da pretensão condenatória deduzida contra a R. Seguradora.
Com efeito, o presente litígio gira em torno da questão, que foi resolvida contraditoriamente pelas instâncias, de apurar se o contrato de seguro podia ou não podia ser accionado pela beneficiária depois do óbito do segurado.
A circunstância de terem sido demandadas ambas as RR. ficou a dever-se unicamente ao facto de o contrato de seguro garantir o pagamento das prestações relativas a um mútuo que foi celebrado pela A. e seu marido com a CCA Mútuo, CRL, recusando-se a R. CA CC, SA, a efectuar o pagamento do capital em dívida, atenta a actuação pré-contratual do segurado relacionada com a informação sobre o seu estado de saúde. Como entretanto as prestações continuaram a ser pagas sem que a A. quisesse suportar o ónus do incumprimento do mútuo, veio reclamar através da presente acção a devolução do montante que lhe foi descontado e, em simultâneo, veio pedir a condenação da R. CA CC a pagar à R. CCA Mútuo todo capital mutuado que estava em dívida aquando da ocorrência do óbito do seu marido.
Ora, na perspectiva da entidade bancária que concedeu o empréstimo ao segurado é relativamente indiferente qual dos sujeitos (a A., mutuária, ou a R. Seguradora) procederá ao pagamento do capital mutuado. Mas tendo recebido entretanto da A. as prestações do mútuo que se venceram depois do óbito do tomador, a devolução à A. dessas prestações e das prestações vincendas acaba por ficar dependente da resposta que for dada à questão matricial em torno da anulabilidade do contrato de seguro, apenas se compreendendo a devolução das quantias recebidas depois do óbito do segurado se a Seguradora decair na questão da anulabilidade do contrato legitimadora da recusa na entrega do capital garantido.
Por certo que no âmbito de um processo em que ambas as entidades (Banco e Seguradora) foram demandadas e em que ambas foram afectadas por segmentos decisórios distintos, mais avisada teria sido a actuação da entidade bancária CCA Mútuo de interpor também recurso da sentença, expressando de forma directa e autónoma a sua oposição ao segmento condenatório.
Todavia, o facto de essa R. não ter agido dessa forma mais solene e prudente não determina que fique indiferente ao resultado que vier a ser obtido no recurso que foi interposto unicamente pela R. CA CC.
Com efeito, a pretensão que contra esta foi formulada pela A. (e que a Relação julgou improcedente) abarcava toda a dívida que existia na data do óbito do marido da A. respeitante ao mútuo que fora outorgado com a R. CCA Mútuo.
Ora, se a Relação, apreciando a questão da anulabilidade/validade do contrato de seguro, concluiu pela sua anulação e decidiu que a A. não tinha condições para o accionamento do seguro, não sendo, por isso, a R. Seguradora responsável pelo pagamento do capital em dívida, não pode conceber-se que tal decisão possa conviver com a manutenção de outro segmento da mesma sentença da 1ª instância que condenou a R. CCA Mútuo a devolver as prestações vencidas e vincendas entretanto descontadas e que representam o pagamento parcial da quantia mutuada.
Como é evidente, esta condenação da R. CCA Mútuo tinha como pressuposto a validade do contrato de seguro (ou, de modo inverso, a improcedência da excepção de anulabilidade que a R. Seguradora suscitou na contestação), constituindo essa condenação o mecanismo apropriado a repor a situação que existiria se acaso a Seguradora, correspondendo à solicitação da A., tivesse adiantado à entidade bancária o capital seguro.
Tendo a Relação invertido tal decisão e tendo declarado a anulabilidade do contrato de seguro, perdeu consistência aquela condenação, sendo a retenção das prestações recebidas pela entidade bancária o reflexo da improcedência da pretensão condenatória deduzida contra a R. Seguradora.
[2].[6]. Não é o facto de o Banco mutuante e a Seguradora pertencerem porventura ao mesmo grupo empresarial que explica esta relação de dependência, sendo relevante, sim, que a conexão encontre fundamentos de ordem objectiva.
Essa circunstância de ordem subjectiva não seria relevante se acaso não houvesse também uma manifesta interconexão entre o interesse do Banco em receber a totalidade do capital mutuado e juros remuneratórios e a validade/anulabilidade do contrato de seguro mediante o qual os mutuários garantiram o pagamento daquele capital e dos juros.
Na presente situação, o interesse patrimonial da R. CCA Mútuo no que respeita às prestações do mútuo (isto é, apurar se são exigíveis da R. Seguradora ou se são exigíveis da A., enquanto mutuária) estava dependente da resolução da questão em torno da validade/anulabilidade do contrato de seguro com fundamento na apresentação de informações insuficientes ou inverídicas sobre o estado de saúde do tomador do seguro.
Pode pois concluir-se que o resultado que foi declarado quanto à R. Seguradora prejudica aquele que foi decretado especificamente quanto à R. CCA Mútuo.
O efeito jurídico-patrimonial que decorre do acórdão da Relação (considerando anulado o contrato de seguro e negando à A. o direito de exigir da R. Seguradora o capital que estava em dívida na data em que faleceu o seu marido) projecta-se igualmente na sentença de 1ª instância, na parte em que a R. CCA Mútuo foi condenada a restituir à A. as prestações vencidas e vincendas desde aquela data e que entretanto tenham sido descontadas (segmentos II, III e IV)."
[MTS]