Prescrição;
litigância de má fé;
1. O sumário de RL 20/12/2016 (1220/14.6TVLSB.L1-7) é o seguinte:
I. O Artigo 819º do Código de Processo Civil (correspondente aos atuais artigos 858º e 866º do Código de Processo Civil) consagra uma responsabilidade civil por comportamento processual ilícito e culposo do exequente que atuou sem a prudência normal, o que ocorre quando o exequente instaura execução apesar de conhecer, ou não poder desconhecer, a insusceptibilidade de exercício da pretensão exequenda.
II. Para efeitos de aferição da existência de litigância de má fé, a negligência grave deve ser entendida como «imprudência grosseira, sem aquele mínimo de diligência que lhe teria permitido facilmente dar-se conta da desrazão do seu comportamento, que é manifesta aos olhos de qualquer um».
III. A parte deduz pretensão, cuja falta de fundamento não devia ignorar, quando negligencia o dever de indagação quanto à existência de fundamento suficiente para a pretensão que deduz, atuando com desleixo. Para este efeito, basta a demonstração de que era exigível à parte a consciencialização da falta de fundamento da pretensão, não sendo necessário demonstrar que a parte sabia, efetivamente, da falta de fundamento, sob pena de se inviabilizar o funcionamento da regra prevista no Artigo 542º, nº 2, alínea a), do Código de Processo Civil.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
Na fundamentação de tal condenação, afirmou o tribunal a quo:
«Ora, face ao que já se deixou dito, conclui-se que os AA. deduziram pretensão cuja falta de fundamento não podiam nem deviam ignorar. Com efeito, os AA. vieram pedir condenação dos RR. pela prática de factos alegadamente ilícitos, socorrendo-se da figura da responsabilidade contratual que sabiam infundada, para contornar a exceção alegada pelos RR.
Por outro lado, a instauração da presente ação configura um uso dos meios processuais manifestamente reprovável.
Com a instauração da presente ação os Autores, pretendem obter mais uma possibilidade de se oporem à execução, quando o deveriam ter feito em tempo naquela execução, bem como de obter segunda decisão sobre o processo de arresto, quando, sabem que a oposição deduzida foi julgada improcedente e, apesar de terem interposto recurso, o mesmo foi julgado deserto por falta de alegações, cf. fls. 234.
Instaurar a ação agora, volvidos mais de 10 anos após os factos e após passados todos os prazos legais que ao Autores tinham ao seu dispor para se opor à execução e ao arresto, é uma tentativa de obter o exercício de um direito que a lei não lhes confere, facto que não poderá ser ignorado pelos Autores.»
Sustentam os apelantes que deve ser revogada a sua condenação como litigantes de má fé, designadamente porque:
a) Os Autores limitaram-se a demandar os Réus no pressuposto do exercício legítimo do direito e invocaram factos verdadeiros;
b) A multa aplica é excessiva, não tendo o tribunal averiguado a situação económica dos recorrentes para tal efeito;
c) A decisão violou o princípio da igualdade das partes pois utilizou critério distinto para apreciação da litigância de má fé das Rés.
Apreciando.
Os comportamentos que a lei tipifica como integrando má fé são:
a) dedução de pretensão ou oposição cuja fatal de fundamento, de facto ou de direito, a parte não devia ignorar, ou seja, a parte deve ponderar a razoabilidade da pretensão, evitando-a se não houver fundamento sério para a mesma;
b) alteração da verdade dos factos ou omissão de factos relevantes para a decisão da causa, v.g., mentira da parte, negação de factos pessoais que se provam, apresentação de versão de acidente que a parte sabia ser falsa;
c) omissão grave do dever de cooperação;
d) instrumentalização manifestamente reprovável do processo ou dos meios processuais com vista a impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão (Artigo 542º, nº2 do Código de Processo Civil).
É a violação do dever de boa-fé processual, de forma dolosa ou gravemente negligente, que configura a litigância de má-fé nos termos do Artigo 542º. O dever de boa-fé processual surge consagrado como reflexo e corolário do princípio da cooperação, sancionando-se como litigante de má-fé a parte que, não apenas com dolo, mas com negligência grave, deduza pretensão ou oposição manifestamente infundadas, altere, por ação ou omissão, a verdade dos factos relevantes, pratique omissão indesculpável do dever de cooperação ou faça uso reprovável dos instrumentos adjetivos. Em suma, é a violação do dever geral de probidade, consagrado no Artigo 8º do Código de Processo Civil, enquanto conduta ilícita, praticada de forma dolosa (lide dolosa) ou gravemente negligente (lide temerária), que configura a litigância de má-fé.
A negligência grave deve ser entendida como «imprudência grosseira, sem aquele mínimo de diligência que lhe teria permitido facilmente dar-se conta da desrazão do seu comportamento, que é manifesta aos olhos de qualquer um» - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6.12.2001, Afonso de Melo, 01A3692. [...]
Nos termos do tipo previsto no Artigo 542º, nº 2, alínea a), litiga de má fé que, com dolo ou negligência grave, tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamentação não devia ignorar. A «parte atuará ilicitamente se souber ou se devia saber que a sua pretensão, quer atendendo aos aspetos de facto, integradores da potencial causa de pedir, quer atendendo aos efeitos que deles são retirados, através da formulação de um pedido, não é compatível com aquilo que o sistema dita.» - Paula Costa e Silva, A Litigância de Má Fé, Coimbra Editora, 2008, p. 392. Basta que à parte seja exigível esse conhecimento, cabendo à parte indagar se a sua pretensão era fundamentada, no plano de facto e do direito, no caso concreto: «A parte pratica um ato desconforme e provocador de um dano num bem juridicamente protegido porque, antes de agir, devia ter observado os deveres de indagação que sobre ela impendiam; o desconhecimento quando à falta de fundamentação é-lhe imputável, sendo censurável» (Op. Cit., p. 394), tanto relevando a negligência consciente como a negligência inconsciente. A exigibilidade do conhecimento quanto à falta de fundamentação constitui realidade diversa do conhecimento efetivo, sendo que a exigência deste “equivaleria a inviabilizar praticamente o funcionamento da regra» (Op. Cit., p. 393). Na síntese de Paula Costa e Silva, Op. Cit., p. 395,o parâmetro de aferição do dever de diligência da parte consubstancia-se assim: «A generalidade das pessoas ou todas as pessoas, pertencentes à categoria social e intelectual da parte real, colocadas naquela situação em concreto, ter-se-iam abstido de litigar, uma vez que, cumprindo os seus deveres de indagação, teriam concluído não terem, quer a pretensão, quer a defesa, fundamento. Só um sujeito extraordinariamente desleixado age como agiu a parte.»
A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a densificar a litigância de má fé nestes termos:
- « (… ) a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assente em provas, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psicossociológico. / Por outro lado, a ousadia de uma construção jurídica julgada manifestamente errada não revela, por si só, que o seu autor a apresentou como simples cortina de fumo da inanidade da sua posição processual, de autor ou réu.” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29.5.2003, Quirino Soares, 03B3893);
É a violação do dever de boa-fé processual, de forma dolosa ou gravemente negligente, que configura a litigância de má-fé nos termos do Artigo 542º. O dever de boa-fé processual surge consagrado como reflexo e corolário do princípio da cooperação, sancionando-se como litigante de má-fé a parte que, não apenas com dolo, mas com negligência grave, deduza pretensão ou oposição manifestamente infundadas, altere, por ação ou omissão, a verdade dos factos relevantes, pratique omissão indesculpável do dever de cooperação ou faça uso reprovável dos instrumentos adjetivos. Em suma, é a violação do dever geral de probidade, consagrado no Artigo 8º do Código de Processo Civil, enquanto conduta ilícita, praticada de forma dolosa (lide dolosa) ou gravemente negligente (lide temerária), que configura a litigância de má-fé.
A negligência grave deve ser entendida como «imprudência grosseira, sem aquele mínimo de diligência que lhe teria permitido facilmente dar-se conta da desrazão do seu comportamento, que é manifesta aos olhos de qualquer um» - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6.12.2001, Afonso de Melo, 01A3692. [...]
Nos termos do tipo previsto no Artigo 542º, nº 2, alínea a), litiga de má fé que, com dolo ou negligência grave, tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamentação não devia ignorar. A «parte atuará ilicitamente se souber ou se devia saber que a sua pretensão, quer atendendo aos aspetos de facto, integradores da potencial causa de pedir, quer atendendo aos efeitos que deles são retirados, através da formulação de um pedido, não é compatível com aquilo que o sistema dita.» - Paula Costa e Silva, A Litigância de Má Fé, Coimbra Editora, 2008, p. 392. Basta que à parte seja exigível esse conhecimento, cabendo à parte indagar se a sua pretensão era fundamentada, no plano de facto e do direito, no caso concreto: «A parte pratica um ato desconforme e provocador de um dano num bem juridicamente protegido porque, antes de agir, devia ter observado os deveres de indagação que sobre ela impendiam; o desconhecimento quando à falta de fundamentação é-lhe imputável, sendo censurável» (Op. Cit., p. 394), tanto relevando a negligência consciente como a negligência inconsciente. A exigibilidade do conhecimento quanto à falta de fundamentação constitui realidade diversa do conhecimento efetivo, sendo que a exigência deste “equivaleria a inviabilizar praticamente o funcionamento da regra» (Op. Cit., p. 393). Na síntese de Paula Costa e Silva, Op. Cit., p. 395,o parâmetro de aferição do dever de diligência da parte consubstancia-se assim: «A generalidade das pessoas ou todas as pessoas, pertencentes à categoria social e intelectual da parte real, colocadas naquela situação em concreto, ter-se-iam abstido de litigar, uma vez que, cumprindo os seus deveres de indagação, teriam concluído não terem, quer a pretensão, quer a defesa, fundamento. Só um sujeito extraordinariamente desleixado age como agiu a parte.»
A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a densificar a litigância de má fé nestes termos:
- « (… ) a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assente em provas, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psicossociológico. / Por outro lado, a ousadia de uma construção jurídica julgada manifestamente errada não revela, por si só, que o seu autor a apresentou como simples cortina de fumo da inanidade da sua posição processual, de autor ou réu.” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29.5.2003, Quirino Soares, 03B3893);
- A defesa intransigente e reiterada pelo recorrente de uma construção jurídica julgada manifestamente errada não revela, por si só, que o seu autor a apresentou como simples expediente para protelar a decisão denegadora da razoabilidade da sua posição, pois de contrário, todo aquele que perde pode, só por isso, incorrer em condenação como litigante de má fé (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.4.2005, Araújo Barros, 05B3425);
- A sustentação de posições jurídicas porventura desconformes com a correta interpretação da lei não implica por si só, em regra, a qualificação de litigância de má fé na espécie de lide dolosa ou temerária, porque não há um claro limite, no que concerne à interpretação da lei e à sua aplicação aos factos, entre o que é razoável e o que é absolutamente inverosímil ou desrazoável, inter alia porque, pela própria natureza das coisas, a certeza jurídica é meramente tendencial (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4.12.2003, Salvador da Costa, 03B3909);
- A defesa convicta de uma perspetiva jurídica dos factos, diversa daquela que a decisão judicial acolhe, não implica, por si só, litigância censurável a despoletar a aplicação do art. 542.º, n.ºs 1 e 2, do NCPC. Todavia, se não forem observados, por negligência ou culpa grave, os deveres de probidade, de cooperação e de boa-fé, patenteia-se litigância de má fé (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.1.2015, Fonseca Ramos, 36/12);
- A litigância de má fé não se basta com a dedução de pretensão ou oposição sem fundamento, ou a afirmação de factos não verificados ou verificados de forma distinta. Exige-se, ainda, que a parte tenha atuado com dolo ou com negligência grave, ou seja, sabendo da falta de fundamento da sua pretensão ou oposição, encontrando-se numa situação em que se lhe impunha que tivesse esse conhecimento e um dever de agir em conformidade com ele (Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 18.2.2015, Silva Salazar, 1120/11, de 10.12.2015, Clara Sottomayor, 551/06);
- Para que se consubstancie em litigância de má fé, a conduta processual da parte terá de ser qualificável como grave em termos de censurabilidade, o que reclamará sempre uma objetivação ou tradução em factos que não são uma simples convicção íntima do julgador (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.12.2015, João Trindade, 969/03);
- Com a reforma do CPC de 1995, os pressupostos subjetivos da litigância de má fé alargaram-se, sendo que, quem atuar com negligência grosseira, pode ser condenado como litigante de má fé; não obstante, sempre deverá estar presente uma intenção maliciosa ou uma negligência, de tal modo grave, que justifique um elevado grau de reprovação ou censura e idêntica reação punitiva. Não integra tal previsão a atividade recursiva que, só por si, não revele rebeldia, teimosia, deturpação processual de não acatamento das decisões (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.2.2014, João Trindade, 1986/06);
- Hoje (art. 542.º do NCPC que corresponde ao mencionado art. 456.º do CPC/61), a condenação como litigante de má fé pode ser imposta tanto na lide dolosa como na lide temerária, constituindo lide temerária aquela em que o litigante deduz pretensão ou oposição " cuja falta de fundamento não devia ignorar", ou seja, não é agora necessário, para ser sancionada a parte como litigante de má fé, demonstrar-se que o litigante tinha consciência de não ter razão", pois é suficiente a demonstração de que lhe era exigível essa consciencialização (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20.3.2014, Salazar Casanova, 1063/11);
- A condenação como litigante de má fé exige o dolo ou uma negligência grave, o que não se verifica quando estejamos perante a construção de uma tese errada (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.12.2014, Távora Victor, 728/09);
- Litiga de má fé a parte que, ao longo do processo, usa de argumentação ilógica e contrária à facticidade assente, e faz uma leitura do contrato discutido que não tem o mínimo apoio na expressão formal deste, assim deduzindo oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar, omitindo gravemente o seu dever de cooperação e fazendo do processo e dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o que logrou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.3.2008, Santos Bernardino, 3843/07).
Ora, no caso em apreço, verifica-se que este é o terceiro processo emergente da ocorrência do mesmo conjunto de factos datados de 2000 a 2003 (a livrança foi preenchida e apresentada a pagamento dm 2003 – fls. 36 v.). Na execução instaurada, os ora Autores remeteram-se a uma posição de inércia, não tendo deduzido qualquer oposição quando o poderiam ter feito tanto mais que sustentam que ocorreu rasuração/viciação dos documentos – cf. Artigo 816º do Código de Processo Civil então vigente. No subsequente processo de arresto, a oposição foi julgada improcedente, face ao que os ora Autores recorreram mas depois deixaram o recurso ficar deserto.
O cidadão comum, em que se inserem os Autores, está ciente que as mesmas questões não podem ser repetidamente discutidas em sucessivos processos porquanto existem prazos perentórios para tal discussão, sendo ainda certo que os autores decaíram expressamente na oposição que deduziram ao arresto. Mesmo o instituto da revisão de sentença está sujeito a um prazo de cinco anos sobre o trânsito em julgado da sentença revidenda – cf. Artigo 697º, nº 2, do Código de Processo Civil. Estando os autores devidamente patrocinados por mandatário, esse sentido comum dos autores tinha que ser reforçado e clarificado pela intervenção do respetivo mandatário na medida em que cabe a este explicitar aos Autores as limitações e infundado da sua pretensão. Se tal foi feito, o que desconhecemos, certo é que não demoveu os autores de virem, mais uma vez, a juízo.
Por outro lado, a tese jurídica em que assenta a petição (a da responsabilidade contratual das Rés) é ostensivamente improcedente e impertinente o que decorre, desde logo, do regime especial da responsabilidade civil consagrado no Artigo 819º do Código de Processo Civil que, de forma clara, inculca que a responsabilidade do exequente assenta no regime da responsabilidade civil extracontratual. Tal tese da responsabilidade contratual foi invocada pelos autores como meio de contornar a questão da prescrição ocorrida.
Em suma, do que fica dito (em especial, face ao histórico processual anterior) resulta que era exigível aos autores a consciencialização da sua manifesta falta de razão ao intentar esta ação. Conforme se refere na jurisprudência citada, a desrazão do seu comportamento é manifesta aos olhos de qualquer um."
3. [Comentário] Nada há a objectar ao decidido no acórdão, mas há que referir que o disposto no n.º I do sumário se refere a um obiter dictum sem relevância para a apreciação da causa, dado que os autores da acção nunca deduziram a oposição à execução que constitui requisito da responsabilidade civil do exequente nos termos do art. 858.º CPC. Aliás, por isso mesmo foram condenados como litigantes de má-fé.
MTS