"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



06/04/2017

Jurisprudência (592)


Suspeição do juiz;
má-fé da parte; recorribilidade da decisão


1. O sumário de STJ 7/12/2016 (4751/04.2TVLSB.L1-B.S1) é o seguinte:

I - A decisão do incidente de suspeição de juiz, suscitado na Relação, não é passível de recurso.

II - Tal não ofende qualquer princípio de ordem constitucional.

III - Também não viola os arts. 6.º e 13.º da CEDH, quanto ao direito a um processo equitativo e recurso efetivo.

IV - Inexistindo decisão com a natureza de acórdão, não é possível o recurso da decisão do presidente da Relação, que, decidindo o incidente de suspeição, condenou o requerente como litigante de má fé.

2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"[...] importa [...] ponderar, em conferência, se procedem as razões invocadas, nomeadamente quanto à questão da decisão (singular) do presidente da Relação que, no âmbito do incidente de suspeição, condenou em multa, por litigância de má fé, ser sempre passível de recurso.

O incidente de suspeição de juiz, suscitado designadamente na Relação, é decidido pelo seu presidente, não sendo essa decisão passível de recurso, conforme decorre, de forma expressa, do disposto no art. 123.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC).

Por outro lado, em tal decisão, no caso de improcedência, apreciar-se-á também se o requerente do incidente de suspeição “procedeu de má fé”, nos termos constantes da parte final do n.º 3 do art. 123.º do CPC.

Os termos da responsabilidade por má fé encontram-se, genericamente, plasmados no art. 542.º, n.º s 1 e 2, do CPC.

A decisão do presidente da Relação sobre o incidente de suspeição de juiz, incluindo o segmento da condenação por má fé, não admite recurso, por disposição especial da lei, nomeadamente do n.º 3 do art. 123.º do CPC.

Esta norma legal, com efeito, estipula, textualmente, que o “presidente decide sem recurso”. Trata-se, com efeito, de uma exceção ao regime geral estabelecido no art. 629.º do CPC (J. LEBRE DE FREITAS, Código de Processo Civil Anotado, 1.º, 1999, pág. 235).

Podendo a decisão, em caso de improcedência do incidente de suspeição, contemplar ainda a condenação em má fé, é evidente que também se lhe estende a impossibilidade legal de recurso, não podendo retirar-se da redação do n.º 3 do art. 123.º do CPC um sentido contrário, quando interpretado, como é exigível, nos termos das regras consagradas no art. 9.º do Código Civil.

De resto, não serve invocar o disposto no art. 542.º, n.º 3, do CPC, segundo o qual “independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admitido recurso, em um grau, da decisão que condene por litigância de má fé”.

Esta regra geral, permitindo sempre o recurso, em um grau, quanto à condenação por má fé, introduzida no Código de Processo Civil pelo DL n.º 180/96, de 25 de setembro, porém, não se aplica ao incidente de suspeição, por efeito da prevalência da lei especial consagrada no n.º 3 do art. 123.º do CPC. Na verdade, a lei especial sobrepõe-se à lei geral, aplicando-se a primeira em detrimento da segunda."

3. O art. 123.º, n.º 3, CPC estabelece, a propósito do julgamento da suspeição pelo presidente da Relação, o seguinte: "Concluídas as diligências que se mostrem necessárias, o presidente decide sem recurso; quando julgar improcedente a suspeição, apreciará se o recusante procedeu de má-fé".

São duas, pois, as decisões que o presidente da Relação pode vir a tomar:

-- Uma delas, que, como é evidente, nunca pode faltar, é a apreciação do fundamento da suspeição levantada pela parte recusante quanto a um juiz;

-- A outra decisão é eventual: esta só ocorre se a suspeição for julgada improcedente; verificada esta condição, cabe então ao presidente da Relação apreciar se a parte recusante procedeu de má-fé.

A estrutura sintáctica do art. 123.º, n.º 3, CPC mostra que a decisão do presidente da Relação que não admite recurso é apenas a primeira, ou seja, aquela em que esse presidente aceita ou recusa a suspeição do juiz levantada pela parte. A decisão (eventual) sobre a má-fé da parte recusante não está abrangida por essa irrecorribilidade legal.

Aliás, sob um ponto de vista da interpretação sistemática, o que se imporia seria uma interpretação do disposto no art. 123.º, n.º 3, CPC em coerência com a recorribilidade estabelecida no art. 542.º, n.º 3, CPC, não uma interpretação incompatível com essa recorribilidade. Acresce que, sendo possível harmonizar as duas disposições de uma forma coerente, não se justifica qualificar a regra que decorre do disposto no art. 123.º, n.º 3, CPC como especial perante aquela que se retira do estabelecido no art. 542.º, n.º 3, CPC.

Por este motivo discorda-se (respeitosamente, como é claro) da orientação defendida pelo STJ.

MTS