Escritura pública:
incapacidade do outorgante
1. O sumário de RL 12/1/2017 (1852/08.1TBSCR.L1-8) é o seguinte:
- Numa escritura pública de compra e venda, estando o outorgante vendedor incapacitado de assinar por motivo de ter as mãos a tremer, fruto de lesão craniana sofrida em acidente, deve apor a sua impressão digital, sendo perfeitamente lícito que o notário segure a mão desse outorgante e prima o seu dedo no local indicado da folha para aí apor a impressão digital.
- A impossibilidade a que alude o nº 3 do art. 51º do Código do Notariado é a de apor a própria impressão digital (não ter mãos ou dedos, ter os dedos queimados não podendo deixar impressão digital, etc.) e não a de ter de ser auxiliado para poder colocar o dedo na folha correspondente da escritura e aí apor a sua impressão digital.
2. Na fundamentação do acórdão pode ler-se o seguinte:
"[...] a Mª juiz a quo, veio a declarar a ineficácia da escritura com base no entendimento que a aposição da impressão digital pelo outorgante vendedor não resultou de um acto próprio e voluntário.
Provou-se que M... não conseguia assinar a escritura pelo seu punho dado ter as mãos sempre a tremer. Daí que o notário tenha optado pela aposição do dedo com o fim de marcar a sua impressão digital.
Contudo, dadas as aludidas dificuldades que levavam o M... a colocar por si próprio o dedo no local exigido, foi o notário que lhe segurou a mão e e colocou o seu dedo sobre a escritura em causa.
Na escritura, in fine, [...] o notário refere:
“Li e expliquei o conteúdo desta escritura aos outorgantes, fora das horas regulamentares, não assinando o primeiro outorgante por impossibilidade física”.
Vendo-se no lado direito a impressão digital do outorgante vendedor M....
Estamos perante uma falsidade da escritura, como se pretende na sentença recorrida?
Há que dizer, antes do mais, que na escritura não se refere que M... tenha aposto a impressão digital por si próprio, sem auxílio. Afirma-se apenas que não assinou devido a impossibilidade física.
Será que o facto de o notário lhe ter pegado na mão e colocado o dedo na página correspondente da escritura determina que tal acto não tenha sido nem próprio nem voluntário?
Claro que determina que não tenha se tenha tratado de um movimento próprio, no sentido de que o M... não deslocou a mão para a escritura e nela colocou o dedo através dos seus próprios meios. Já vimos que isso não lhe era possível.
Mas o facto de ter sido o notário a pegar na mão e a colocar o dedo na escritura, não torna de modo algum tal acto involuntário. Sê-lo-ia se fosse praticado contra a vontade do outorgante ou sem que este tivesse consciência do acto negocial. O que não foi dado como provado.
Provou-se, por exemplo, que no Lar, eram as funcionárias que davam de comer ao M..., já que este não o conseguia fazer por si próprio. Mas isso não significa que sempre que tomava as suas refeições, este o fizesse involuntariamente.
Há uma grande diferença entre ter a vontade de praticar um acto e praticá-lo através dos seus próprios meios, ou ter tal vontade mas, por impossibilidade física, ter de o praticar com o auxílio de terceira pessoa.
O art. 51º nº 1 do Código do Notariado dispõe que:
“Os outorgantes que não saibam ou não possam assinar devem apor, à margem do instrumento (...) a impressão digital do indicador da mão direita”.
No nº 2 do mesmo preceito determina-se que, quando não for possível ao outorgante apor a impressão do indicador da mão direita, por motivo de doença ou de defeito físico, deve apor a do dedo que o notário determinar, fazendo-se menção na escritura do dedo a que corresponde a impressão digital.
Finalmente o nº 3 estabelece que:
“Quando algum outorgante não puder apor nenhuma impressão digital, deve referir-se no instrumento a existência e a causa da impossibilidade”.
Da leitura deste normativo, afigura-se-nos que a impossibilidade de apor a impressão digital, seja do indicador da mão direita seja de que dedo for, tem a ver com uma situação diferente da dos autos, ou seja, reporta-se aos casos em que, por exemplo, a pessoa não tenha mão, ou não tenha o dedo indicador, ou não tenha nenhum dedo, ou os dedos não estejam aptos a deixar a respectiva impressão por estarem queimados etc. A impossibilidade não é a de deslocar a mão e o dedo para o premir sobre a escritura, mas sim a impossibilidade de apor a própria impressão digital.
Na situação dos autos não existia qualquer impossibilidade de M... apor a sua impressão digital, o que de resto fez. Precisava era de auxílio para que o dedo fosse colocado sobre o lugar apropriado da escritura.
Note-se que a faculdade de substituir a aposição da impressão digital, recorrendo em substituição a duas testemunhas, não é apenas prevista para a situação do nº 3 do artigo 51º, mas sim para todas as situações de aposição de impressão digital, do nº 1 ao nº 3 desse art. 51º, como resulta claramente do nº 4 deste preceito. E trata-se de uma faculdade, não da imposição de uma alternativa para uma impossibilidade, o que de resto nem faria sentido no caso do nº 1 do art. 51º.
Assim e contrariamente à sentença recorrida não entendemos que exista qualquer falsidade ou até irregularidade na escritura.
Diga-se ainda que o favto de ter sido dado como provado que o M... não recebeu qualquer quantia da contra e venda constante da escritura, nada tem a ver com a fidelidade desta. Na escritura, o notário atesta aquilo que os outorgantes referem, assegura-se da qualidade em que o fazem e eventualmente inclui outros factos por ele percepcionados no decurso da escritura.
Na escritura nunca se refere que, nesse acto, os outorgantes compradores entregaram o montante do preço ao outorgante comprador. Como o próprio notário M... referiu no seu depoimento testemunhal, não sabe se o preço foi pago ou não, já que isso extravasa das suas funções e se reporta a um momento posterior ao da celebração da escritura.
A testemunha R... adiantou que o prédio estava em nome do M... apesar de pertencer a todos os irmãos, mas essa é matéria que vai para lá da questão em causa nos presentes autos."
[MTS]
Provou-se que M... não conseguia assinar a escritura pelo seu punho dado ter as mãos sempre a tremer. Daí que o notário tenha optado pela aposição do dedo com o fim de marcar a sua impressão digital.
Contudo, dadas as aludidas dificuldades que levavam o M... a colocar por si próprio o dedo no local exigido, foi o notário que lhe segurou a mão e e colocou o seu dedo sobre a escritura em causa.
Na escritura, in fine, [...] o notário refere:
“Li e expliquei o conteúdo desta escritura aos outorgantes, fora das horas regulamentares, não assinando o primeiro outorgante por impossibilidade física”.
Vendo-se no lado direito a impressão digital do outorgante vendedor M....
Estamos perante uma falsidade da escritura, como se pretende na sentença recorrida?
Há que dizer, antes do mais, que na escritura não se refere que M... tenha aposto a impressão digital por si próprio, sem auxílio. Afirma-se apenas que não assinou devido a impossibilidade física.
Será que o facto de o notário lhe ter pegado na mão e colocado o dedo na página correspondente da escritura determina que tal acto não tenha sido nem próprio nem voluntário?
Claro que determina que não tenha se tenha tratado de um movimento próprio, no sentido de que o M... não deslocou a mão para a escritura e nela colocou o dedo através dos seus próprios meios. Já vimos que isso não lhe era possível.
Mas o facto de ter sido o notário a pegar na mão e a colocar o dedo na escritura, não torna de modo algum tal acto involuntário. Sê-lo-ia se fosse praticado contra a vontade do outorgante ou sem que este tivesse consciência do acto negocial. O que não foi dado como provado.
Provou-se, por exemplo, que no Lar, eram as funcionárias que davam de comer ao M..., já que este não o conseguia fazer por si próprio. Mas isso não significa que sempre que tomava as suas refeições, este o fizesse involuntariamente.
Há uma grande diferença entre ter a vontade de praticar um acto e praticá-lo através dos seus próprios meios, ou ter tal vontade mas, por impossibilidade física, ter de o praticar com o auxílio de terceira pessoa.
O art. 51º nº 1 do Código do Notariado dispõe que:
“Os outorgantes que não saibam ou não possam assinar devem apor, à margem do instrumento (...) a impressão digital do indicador da mão direita”.
No nº 2 do mesmo preceito determina-se que, quando não for possível ao outorgante apor a impressão do indicador da mão direita, por motivo de doença ou de defeito físico, deve apor a do dedo que o notário determinar, fazendo-se menção na escritura do dedo a que corresponde a impressão digital.
Finalmente o nº 3 estabelece que:
“Quando algum outorgante não puder apor nenhuma impressão digital, deve referir-se no instrumento a existência e a causa da impossibilidade”.
Da leitura deste normativo, afigura-se-nos que a impossibilidade de apor a impressão digital, seja do indicador da mão direita seja de que dedo for, tem a ver com uma situação diferente da dos autos, ou seja, reporta-se aos casos em que, por exemplo, a pessoa não tenha mão, ou não tenha o dedo indicador, ou não tenha nenhum dedo, ou os dedos não estejam aptos a deixar a respectiva impressão por estarem queimados etc. A impossibilidade não é a de deslocar a mão e o dedo para o premir sobre a escritura, mas sim a impossibilidade de apor a própria impressão digital.
Na situação dos autos não existia qualquer impossibilidade de M... apor a sua impressão digital, o que de resto fez. Precisava era de auxílio para que o dedo fosse colocado sobre o lugar apropriado da escritura.
Note-se que a faculdade de substituir a aposição da impressão digital, recorrendo em substituição a duas testemunhas, não é apenas prevista para a situação do nº 3 do artigo 51º, mas sim para todas as situações de aposição de impressão digital, do nº 1 ao nº 3 desse art. 51º, como resulta claramente do nº 4 deste preceito. E trata-se de uma faculdade, não da imposição de uma alternativa para uma impossibilidade, o que de resto nem faria sentido no caso do nº 1 do art. 51º.
Assim e contrariamente à sentença recorrida não entendemos que exista qualquer falsidade ou até irregularidade na escritura.
Diga-se ainda que o favto de ter sido dado como provado que o M... não recebeu qualquer quantia da contra e venda constante da escritura, nada tem a ver com a fidelidade desta. Na escritura, o notário atesta aquilo que os outorgantes referem, assegura-se da qualidade em que o fazem e eventualmente inclui outros factos por ele percepcionados no decurso da escritura.
Na escritura nunca se refere que, nesse acto, os outorgantes compradores entregaram o montante do preço ao outorgante comprador. Como o próprio notário M... referiu no seu depoimento testemunhal, não sabe se o preço foi pago ou não, já que isso extravasa das suas funções e se reporta a um momento posterior ao da celebração da escritura.
A testemunha R... adiantou que o prédio estava em nome do M... apesar de pertencer a todos os irmãos, mas essa é matéria que vai para lá da questão em causa nos presentes autos."
[MTS]