"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



10/07/2017

Jurisprudência (659)



No dia da realização da Sessão de Homenagem, o Blog publica o seguinte acórdão relatado pelo Senhor Cons. Lopes do Rego:


Factos essenciais; temas da prova; definição; efeitos;
cláusulas contratuais gerais; dever de informação;
contrato de swap


1. O sumário de STJ 4/5/2017 (1961/13.5TVLSB.L1.S1) é o seguinte: 

I. Tendo o autor alegado, na petição inicial, matéria factual que permitia qualificar determinado contrato como sendo um contrato de adesão, a circunstância de essa matéria factual não ter sido incluída nos temas da prova - não tendo consequentemente sido objecto de diligências probatórias destinadas a apurar da referida pré determinação de todas ou algumas das cláusulas inseridas no documento que titulava a relação contratual controvertida – não implica que, na sentença, seja legítimo concluir, sem mais, que não foram alegados factos relevantes para a configuração de certas cláusulas como sendo cláusulas contratuais gerais.

II. Na verdade - e como está perfeitamente sedimentado - a omissão de factos essenciais, oportunamente alegados pelas partes, nos despachos proferidos na fase de saneamento e condensação do processo (elaborando-se o questionário, a base instrutória e, na fisionomia actual do CPC , os temas da prova) não tem eficácia preclusiva, não apagando a relevância processual de tais factos essenciais, oportunamente alegados, apenas impondo, quando verificada, o alargamento da base factual do litígio, de modo a permitir a aquisição processual de tal matéria factual essencial e determinante para a sorte do litígio.

III. A Relação – no exercício legítimo dos seus poderes de valoração dos elementos documentais constantes dos autos e de extrair presunções naturais ou judiciais da matéria de facto atomisticamente tida por provada - pode suprir tal omissão, imputável ao modo como se definiram, na fase da audiência prévia, os temas da prova, decidindo fundamentadamente quais as cláusulas inseridas nos contratos em litígio que revestiam a natureza de cláusulas contratuais gerais – e entendendo, em termos que não merecem censura , por traduzirem interpretação e desenvolvimento perfeitamente adequado e plausível do quadro factual apurado e reportado a factos essenciais que o A. tinha oportunamente alegado na p.i. – que determinadas cláusulas, de conteúdo manifestamente padronizado e predeterminado, se configuram, afinal, como cláusulas contratuais gerais.

IV. Atenta a natureza jurídica dos negócios em causa, situados no cerne da actividade bancária e de intermediação financeira, exercida pelo Banco/R., o âmbito do dever de informação do proponente de cláusulas contratuais gerais não pode deixar de ter-se por moldado em função do que está previsto no CVM, na versão em vigor à data da celebração do negócio.

V. Não pode ter-se por cumprido tal dever de informação e esclarecimento da contraparte, vigente no campo das cláusulas contratuais gerais, quando constam, de modo categórico, do elenco dos factos não provados, factos e circunstâncias que retratam de forma perfeitamente clara e inquestionável o insucesso probatório da tese factual sustentada na contestação- num caso em que o Banco/ proponente de tais cláusulas – onerado com a prova dos factos que mostrassem ter sido adequadamente cumprido o dever de informação, vigente no domínio das cláusulas contratuais gerais – não logrou demonstrar que :

- a A. soubesse, por virtude do que lhe foi explicado, que teria um custo de oportunidade no caso de descida da Euribor, o qual seria tanto maior quanto mais acentuada fosse essa descida;

- que na contratação do
swap o banco tivesse prestado à A. todas as informações e esclarecimentos por ela solicitados;

- que o Banco tivesse informado a A. que, no caso de a evolução das condições de mercado não serem favoráveis podia registar perdas financeiras com a operação.

VI. A inserção no documento de confirmação do contrato de permuta de taxa de juro, antes da respectiva assinatura, de uma cláusula de feição manifestamente pré determinada e padronizada, segundo a qual o aderente declara estar plenamente conhecedor do conteúdo e do risco da operação, confessando terem sido prestados pelo banco todas as informações e esclarecimentos solicitados para tomada consciente da decisão de contratar, nomeadamente o facto de o aderente , no caso de evolução desfavorável das condições de mercado, poder registar uma perda financeira líquida com a operação não pode ter o efeito de desvincular o Banco do ónus de demonstrar o cumprimento adequado do dever de informação, cominado imperativamente pela norma do nº 3 do art. 5º do DL446/85 – valendo apenas (nos casos em que tal cláusula não é absolutamente proscrita, por se estar no domínio das relações com consumidores) como elemento sujeito a livre apreciação das instâncias.

VII. Tendo em consideração a amplitude e extensão das cláusulas contratuais gerais não informadas inseridas nos contratos – integrando a totalidade do contrato quadro para realização de operações bancárias e a maior parte das inseridas no contrato de permuta da taxa de juro, deixando, na prática, apenas fora do seu âmbito a cláusula em que as partes acordaram na taxa fixa a pagar pelo cliente– deve funcionar o regime de nulidade total, previsto no art. 9º, nº 2, desse diploma, por o afastamento ou exclusão da quase totalidade das cláusulas que integravam a disciplina contratual gerar uma indeterminação insuprível dos termos e conteúdo essencial do negócio ou originar um desequilíbrio das prestações gravemente lesivo da boa fé.

VIII. Na verdade, o objecto de tal dever de informação, legalmente imposto com base no respeito pelo princípio da boa fé, não é propriamente cada uma das cláusulas inseridas no negócio concreto, atomisticamente considerada, pressupondo antes uma explicação consistente acerca da funcionalidade do negócio, como um todo, e o devido esclarecimento da contraparte acerca dos riscos financeiros em que incorre, perante uma alteração significativa do quadro económico, desfazendo o eventual equívoco do outro contraente acerca da real natureza do negócio, face à globalidade do conteúdo respectivo.
2. Na fundamentação do acórdão escreveu o Senhor Cons. Lopes do Rego o seguinte:

"5. Perante a multiplicidade e dispersão das questões suscitadas na presente revista, impõe-se começar por definir a metodologia adequada para a sua apreciação: e, nesta perspectiva, é evidente que têm precedência lógico-jurídica as questões atinentes à invocada invalidade da relação contratual que está na base do litígio, as quais carecem naturalmente de ser valoradas antes de passar à apreciação das questões referentes à eficácia dessa mesma relação contratual, conexionadas com a pretensão de alteração ou resolução do contrato com base em invocada e relevante alteração das circunstâncias que constituíam a base do negócio.

Do mesmo modo que cobram óbvia precedência as questões que, se forem procedentes, implicam a nulidade do negócio, o que naturalmente implica que fiquem relegadas para segundo plano as questões suscitadas como fundamento de uma possível anulação do negócio jurídico: tal metodologia implica, assim, que cumpra apreciar, em primeiro lugar, as questões referentes à nulidade do negócio celebrado entre as partes com fundamento num insuficiente cumprimento por parte do Banco /R. de um dever de comunicação e informação da contraparte relativamente à disciplina, funcionalidade e alcance efectivo da relação estabelecida, no plano económico financeiro, entre os contraentes.

Ora, como é evidente, a abordagem deste primeiro tema implica, como questão fulcral e decisiva, a qualificação da relação contratual litigiosa como sendo ou não um contrato de adesão – de modo a que – sendo afirmativa a resposta a esta primeira e decisiva questão – se possa concluir pela aplicabilidade do regime das cláusulas contratuais gerais e das normas que, nesta sede, regem sobre o reforçado e qualificado cumprimento por parte da entidade que delas se socorre dos referidos deveres de comunicação e informação acerca das cláusulas contratuais gerais inseridas na concreta relação estabelecida entre as partes.

Sucede que – sobre esta matéria de fulcral relevo – divergiram as instâncias.

Na verdade – e como resulta expressamente da sentença proferida em 1ª instância – entendeu-se que, não tendo sido alegados quaisquer factos com base nos quais se pudesse afirmar que a relação negocial controvertida incluía cláusulas contratuais gerais, pré elaboradas de modo genérico por uma das partes e apresentadas rigidamente à outra, sem possibilidade de efectiva negociação, não estavam provados quaisquer factos com base nos quais se pudesse afirmar estarmos perante cláusulas contratuais gerais – o que naturalmente determinou que se não tivesse por aplicável o regime constante da LCCG e as nulidades nele fundadas.

Porém, tal conclusão, no que se refere à falta de alegação pelo A. de factos caracterizadores da existência, no negócio celebrado, de cláusulas de tal natureza é inexacta, já que, percorrendo a petição inicial, nos confrontamos com factos e circunstâncias que manifestamente se referem às notas fundamentais de tal tipo de cláusulas: veja-se o art. 27º da p.i. em que expressamente se alegou que o documento que titulava o contrato se encontrava inteiramente preenchido, com parte em letras minúsculas, ininteligível, e a intervenção da A. e do avalista se limitava à aposição da assinatura, nos locais indicados para o efeito, sem qualquer possibilidade de modificação do que quer que fosse .

É certo que esta matéria factual não foi incluída nos temas da prova, elaborados a fls. 761 e segs., não tendo consequentemente sido objecto de diligências probatórias destinadas a apurar da referida pré determinação de todas ou algumas das cláusulas inseridas no documento que titulava a relação contratual controvertida: porém, e como está perfeitamente sedimentado, a omissão de factos essenciais, oportunamente alegados pelas partes, nos despachos proferidos na fase de saneamento e condensação do processo (ao elaborar-se o questionário, a base instrutória e, na fisionomia actual do CPC, os temas da prova) não tem eficácia preclusiva, não apagando a relevância processual de tais factos essenciais, oportunamente alegados pela parte interessada, apenas impondo, quando verificada, o alargamento da base factual do litígio, de modo a permitir uma efectiva aquisição processual de tal matéria factual, essencial e determinante para a sorte do litígio, devidamente alegada na fase dos articulados.

Sucede, porém, que, no caso dos autos, a Relação – no exercício legítimo dos seus poderes próprios de valoração dos elementos documentais constantes dos autos e de extrair presunções naturais ou judiciais da matéria de facto atomisticamente tida por provada - acabou por suprir tal omissão, imputável ao modo como se definiram , na fase da audiência prévia, os temas da prova, decidindo fundamentadamente quais as cláusulas inseridas nos contratos que revestiam a natureza de cláusulas contratuais gerais – e entendendo, em termos que não nos merecem qualquer censura , por traduzirem interpretação e desenvolvimento perfeitamente adequado e plausível do quadro factual apurado e reportado a factos essenciais que o A. tinha oportunamente alegado na p.i., – que :

- o contrato quadro para operações financeiras, cuja minuta foi elaborada pelo Banco e entregue para apreciação da A., tendo-se esta limitado a assinar o mesmo documento, consubstancia um contrato de adesão, subordinado ao regime das cláusulas contratuais gerais;

- o contrato de permuta de taxa de juro contém, em parte, cláusulas contratuais gerais, não concretamente negociadas entre as partes, apenas não revestindo essa natureza as que se reportam aos termos e condições particulares do contrato.

Saliente-se ainda que, face ao disposto no nº 3 do art. 1º do DL446/85, o ónus da prova de que uma cláusula contratual resultou de negociação prévia entre as partes recai sobre quem pretenda prevalecer-se do seu conteúdo: ora, no caso dos autos, verificada pela Relação , no legítimo exercício dos seus poderes de valoração, interpretação e desenvolvimento do quadro factual, a natureza pré determinada, relativamente às cláusulas que constavam de um contrato quadro para operações financeiras, bem como a cláusulas gerais, de feição manifestamente padronizada, incluídas no contrato de permuta da taxa de juro, não basta ao R. alegar a possibilidade abstracta de sobre tal matéria poder ter incidido efectiva negociação dos contraentes, sendo indispensável que demonstrasse que sobre essas cláusulas específicas incidiu efectiva negociação – prova que, no caso dos autos, manifestamente não foi feita.

Conclui-se, deste modo, que – em consonância com o decidido nesta sede pela Relação - os contratos em litígio têm de considerar-se como contratos de adesão, sujeitos ao regime legal do DL 446/85 – e, desde logo, aos deveres de comunicação e informação aí previstos.

Na verdade – e no que se refere ao contrato quadro para operações financeiras – estamos confrontados com um típico contrato de adesão na sua forma pura, integrado em exclusivo por cláusulas contratuais gerais : o “contrato de adesão” na sua forma pura poderá definir-se como sendo “aquele em que uma das partes, normalmente uma empresa de apreciável dimensão, formula unilateralmente as cláusulas negociadas e a outra parte aceita essas condições mediante a adesão ao modelo ou impresso que lhes é apresentado, não sendo possível modificar o ordenamento negocial apresentado” (Ac. de17/2/11, proferido pelo STJ no P. 1458/056.7TBVFR-A.P.S1).

Por sua vez, no respeitante ao contrato de permuta da taxa de juro, atento o decidido no acórdão recorrido, trata-se ( para utilizar a terminologia usada no aresto atrás citado), de um contrato de adesão individualizado: na verdade, entre o contrato de adesão e o contrato consensual não existe todavia uma dicotomia absoluta, havendo ainda a considerar uma figura híbrida, o “contrato de adesão individualizado”, onde a par de cláusulas que se mantêm inalteráveis de contrato para contrato, se verifica a inserção de disposições específicas moldadas no interesse das partes e em particular do aderente; estes contratos têm uma regulamentação diversificada, de harmonia com a índole das normas que deles constam."


[MTS]