"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



07/07/2017

Jurisprudência (658)

Prova documental;
documento superveniente


1. O sumário de RP 6/3/2017 (632/14.0T8VNG.P1) é o seguinte:

I - A possibilidade de apresentação de documento prevista na 2ª parte, do nº 1 do art. 651º do Código de Processo Civil somente poderá ter lugar se a decisão da 1ª instância criar pela primeira vez a necessidade da sua junção, quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação as partes não contavam.
 
II - Na motivação de um recurso, para além da alegação da discordância, é outrossim fundamental a alegação do porquê dessa discordância, isto é, torna-se mister evidenciar a razão pelo qual o recorrente entende existir divergência entre o decidido e o que consta dos meios de prova invocados.
 
III - A atual lei adjetiva (art. 640º, nº 1 al. c) do Cód. Processo Civil) impõe ao recorrente que pretenda impugnar a decisão da matéria de facto o ónus de tomar posição expressa sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação.
 
IV - A inobservância dos ónus referidos em II e III importa a rejeição do recurso na parte referente à impugnação da decisão da matéria de facto, sendo que, dada a expressão perentória da lei (através do emprego do adjetivo imediata), não cabe convite ao aperfeiçoamento no sentido de lograr suprir essa inobservância.
 
V - O fundamento da obrigação de alimentos dos pais em relação aos filhos é não apenas a menoridade mas também a carência económica destes depois de atingirem a maioridade e enquanto prosseguem a sua formação académica ou técnico-profissional.
 
VI - A Lei nº 122/2015, de 1 de setembro, que aditou o nº 2 ao artigo 1905º do Código Civil, é uma lei interpretativa, integrando-se como tal na lei interpretada, sendo, por isso, aplicável retroativamente às relações jurídicas anteriormente constituídas e que subsistam à data da sua entrada em vigor. VII- Com essa alteração legislativa ficou clarificado que a obrigação de pagamento da pensão de alimentos se mantém mesmo após a maioridade do filho e até que este perfaça 25 anos de idade, ressalvadas as situações em que o respetivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou quando não seja razoável impor ao progenitor tal obrigação.
 
2. Na fundamentação do acórdão encontra-se o seguinte trecho:
 
"Com as suas alegações o apelante ofereceu os documentos que se mostram juntos a fls. 235 e 236 dos autos.

Cumpre, assim, apreciar da admissibilidade da junção de tais suportes documentais em sede recursória, sendo certo que nesta fase processual essa junção obedece, compreensivelmente, a regras particularmente restritivas.

Com efeito, como emerge dos arts. 425º e 651º, nº 1, 2ª parte, do Código de Processo Civil [...], com as alegações de recurso as partes só podem juntar documentos, subjetiva ou objetivamente, supervenientes – isto é, “cuja apresentação não tenha sido possível” até ao encerramento da discussão – ou cuja junção se torne necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância.

Do exposto resulta que a possibilidade de junção de documentos não compreende, em hipótese alguma, o caso de a parte pretender oferecer um documento que poderia – e deveria – ter oferecido em 1ª instância [
Cfr., neste sentido, acórdão do STJ de 3.03.89, BMJ nº 385, pág. 545 e JOÃO ESPÍRITO SANTO, O documento superveniente para efeitos de recurso ordinário e extraordinário, págs. 47 e seguintes].

A superveniência pode ser objetiva ou subjetiva: é objetiva quando o documento foi produzido posteriormente ao momento do encerramento da discussão; é subjetiva quando a parte só tiver conhecimento da existência desse documento depois daquele momento.

A parte que pretenda, nas condições apontadas, oferecer o documento deve, portanto, demonstrar a impossibilidade da junção do documento no momento normal, ou seja, alegando e demonstrando o carácter objetiva ou subjetivamente superveniente desse mesmo documento.

No tocante à superveniência subjetiva não basta, porém, invocar que só se teve conhecimento da existência do documento depois do encerramento da discussão em 1ª instância, impondo-se outrossim a demonstração da impossibilidade da sua junção até esse momento e, portanto, que o desconhecimento da existência do documento não deriva de culpa sua.

No entanto, conforme se vem entendendo [
Cfr., por todos, acórdão da Relação de Coimbra de 20.01.2015 (processo nº 2996/12.0TBFIG.C1), disponível em www.dgsi.pt], só o desconhecimento tempestivo da existência do documento assente numa negligência grave deve obstar à sua alegação como documento subjetivamente superveniente, pelo que, sempre que a parte desconheça sem negligência grave um documento e, por esse motivo, não o tenha oferecido no momento próprio, a sua junção não fica irremediavelmente precludida e aquele documento pode ser invocado como documento subjetivamente superveniente. Em qualquer caso, a parte deve alegar e demonstrar que o desconhecimento do documento não ficou a dever-se a negligência sua, posto que só desse modo o documento pode ter-se por subjetivamente superveniente.

Já no concernente à superveniência objetiva a mesma é facilmente determinável, porquanto o documento foi produzido depois do encerramento da discussão em 1ª instância.

Na espécie é manifesto que os documentos oferecidos pelo apelante não são objetivamente supervenientes, dado que foram produzidos em momento anterior à prolação da decisão recorrida. 

Portanto, em virtude de o apelante não ter alegado nem demonstrado que não os pode juntar anteriormente, a admissibilidade dessa apresentação somente poderá estar adjetivamente legitimada à luz do disposto no art. 651º, nº 1, 2ª parte, ou seja por essa junção “se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância”, segmento normativo que, como é consabido, tem sido alvo de interpretações não inteiramente consonantes.

Assim, segundo alguma doutrina, a junção do documento será admissível sempre que a decisão se baseie numa norma jurídica com cuja aplicação as partes não tivessem contado [
Neste sentido, ANTUNES VARELA, Revista de Legislação e [de] Jurisprudência, ano 115º, pág. 95]. 

Outros [
Assim JOÃO ESPÍRITO SANTO, ob. citada, pág. 50. Este posicionamento tem sido igualmente trilhado por alguma jurisprudência – v.g. acórdãos do STJ de 12.01.94, BMJ nº 433, pág. 467 e de 26.09.12 (processo nº 174/08.2TTVFX.L1.S1), este último acessível em www.dgsi.pt -, afirmando-se que a admissibilidade da junção só se verifica quando a necessidade dela tenha sido criada, pela primeira vez, pela sentença da 1ª instância, necessidade que é criada tanto no caso de aquela sentença se ter baseado num meio de prova não oferecido pelas partes, como no caso de se ter fundado em regra de direito com cuja aplicação as partes, justificadamente, não contavam.] advogam que a admissibilidade da junção dos documentos, pela razão apontada, está ordenada por esta finalidade: contraditar, pelo documento, meios probatórios introduzidos de surpresa no processo, que venham a pesar na decisão, que determinem, embora não necessariamente de forma exclusiva, o seu sentido; em face da liberdade do tribunal no tocante à indagação, interpretação das regras de direito é mais exato - diz-se - assentar em que a junção é admissível sempre que a aplicação da norma jurídica com que as partes justificadamente não contavam seja o reflexo da introdução no processo, pelo juiz, de um meio de prova com que as partes foram, inesperadamente, surpreendidas. Quando isso suceda, a junção será sempre possível; se, pelo contrário, a aplicação, pela sentença, de norma com que as partes não contavam, não resulta da consideração de um novo meio de prova, a apresentação deve ter-se por inadmissível.

Uma terceira posição – mais restritiva -, defende que manifestamente o legislador quis cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objeto da condenação, se tornou necessário fazer a prova de um facto ou factos com cuja relevância a parte não podia, razoavelmente, contar antes do proferimento da decisão [
Neste sentido, ANTUNES VARELA et al., Manual de Processo Civil, pág. 533 e seguinte].

Há, no entanto, um ponto em que todas estas orientações são consonantes: o de que a junção de documentos às alegações de recurso só poderá ter lugar se a decisão da 1ª instância criar pela primeira vez a necessidade de apresentação de determinado documento, quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação as partes não contavam.

Ora, tal circunstancialismo não ocorre no caso vertente, posto que a materialidade que o apelante pretende (alegadamente) demonstrar com a junção de tais suportes documentais nem sequer foi objeto de referência ou consideração na sentença recorrida, não influenciando (positiva ou negativamente) o sentido decisório nela trilhado.

Conclui-se, assim, que, atento o critério plasmado no nº 1 do art. 651º, carece de fundamento legal e não se mostra pertinente a requerida junção de documentos, motivo pelo qual se determina o seu desentranhamento e devolução ao respetivo apresentante (sendo que o incidente gerado está sujeito a tributação nos termos dos arts. 443º, nº 1 e art. 27º, nº 1 do Regulamento das Custas Processuais)."
 
[MTS]