"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



18/07/2017

Jurisprudência (665)


Equidade; julgamento;
controlo pelo STJ


1. O sumário de STJ 22/2/2017 (5808/12.1TBALM.L1.S1) é o seguinte:


I. O juízo de equidade das instâncias, essencial à determinação do montante indemnizatório por danos não patrimoniais, assente numa ponderação, prudencial e casuística, das circunstâncias do caso – e não na aplicação de critérios normativos – deve ser mantido sempre que – situando-se o julgador dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida - se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que, numa perspectiva actualística, generalizadamente vêm sendo adoptados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade.

II. Não é desproporcionada à gravidade objectiva e subjectiva das lesões sofridas por lesado em acidente de viação o montante de €25.000,00, atribuído como compensação dos danos não patrimoniais, num caso caracterizado pela existência em lesado jovem, de 27 anos de idade, de fractura de membro inferior, implicando a realização de cirurgia com permanência de material de osteossíntese, incapacidade ao longo de 8 meses e fortes dores.


2. Na fundamentação do acórdão escreve-se o seguinte: 

"3. Como decorre da alegação apresentada pelas recorrente, a sua dissidência incide sobre o montante indemnizatório arbitrado pela Relação no acórdão recorrido, como compensação dos danos não patrimoniais sofridos pelo lesado, pugnando pela redução de tal montante para €4.000,00, invocando, em abono da sua tese, a circunstância de relevantes factos, articulados pela lesada, terem resultado não provados.

Como é evidente, a avaliação e quantificação do dano não patrimonial terá de assentar apenas na factualidade provada - o que implica, nomeadamente, que, no caso dos autos, perante os factos não provados, não possa considerar-se demonstrado o dano biológico, decorrente de invocadas sequelas incapacitantes que – não conduzindo imediatamente a uma diminuição dos rendimentos auferidos – implicassem uma perda de futuras chances profissionais e envolvessem maiores dificuldades e esforços na realização da actividade profissional corrente da lesada.

O que está em causa é, deste modo, apenas a valoração do dano não patrimonial, consubstanciado nos sofrimentos decorrentes da fractura sofrida e da operação a que a lesada foi submetida, com a necessidade continuada de tratamentos médicos e hospitalares, na incapacidade laboral ao longo de vários meses e nas dores fortes sofridas durante esse período, - assente, como é sabido, decisivamente em juízos de equidade.

Ora – como temos entendido reiteradamente (cfr. por ex. o Ac. de 20/5/10, proferido no P. 103/2002.L1.S1) – não poderá deixar de ter-se em consideração que tal «juízo de equidade» das instâncias, alicerçado, não na aplicação de um estrito critério normativo, mas na ponderação das particularidades e especificidades do caso concreto, não integra, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito», pelo que tal juízo prudencial e casuístico das instâncias deverá, em princípio, ser mantido, salvo se o julgador se não tiver contido dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade – muito em particular, se o critério adoptado se afastar, de modo substancial e injustificado, dos critérios ou padrões que generalizadamente se entende deverem ser adoptados, numa jurisprudência evolutiva e actualística, abalando, em consequência, a segurança na aplicação do direito, decorrente da necessidade adopção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados, e, em última análise, o princípio da igualdade.

Deste modo, mais do que discutir e reconstruir a substância do casuístico juízo de equidade que esteve na base da fixação pela Relação do valor indemnizatório arbitrado, em articulação incindível com a especificidade irrepetível do caso concreto, plasmada nas particularidades singulares da matéria de facto fixada, importa essencialmente verificar, num recurso de revista, se os critérios seguidos e que estão na base de tais valores indemnizatórios são passíveis de ser generalizados para todos os casos análogos – muito em particular, se os valores arbitrados se harmonizam com os critérios ou padrões que, numa jurisprudência actualista, devem sendo seguidos em situações análogas ou equiparáveis – em situação em que estamos confrontados com gravosas incapacidades que afectam, de forma sensível e irremediável, o padrão e a qualidade de vida de lesados.

Os traços fundamentais que permitem identificar o caso dos autos traduzem-se no seguinte quadro fundamental:

- existência, em lesado jovem, de 29 anos de idade, de traumatismo com fractura do prato externo da tíbia esquerda , implicando operação cirúrgica, com osteossíntese, ficando a lesada com uma placa e parafusos na perna esquerda e envolvendo internamento e tratamentos médicos continuados;

- incapacidade laboral durante 8 meses;

- sofrimento de fortes dores em consequência de tais lesões.

Ora, ponderadas adequadamente tais circunstâncias do caso e os critérios jurisprudenciais que – numa jurisprudência actualista – devem ser seguidos na concretização do juízo de equidade, não se vê que o critério seguido pela Relação se afaste, de modo significativo, dos padrões que vêm sendo seguidos em casos equiparáveis, ponderadas a gravidade da lesão sofrida por lesada jovem, envolvendo nomeadamente a permanência de materiais de osteossíntese no membro inferior e as fortes dores sofridas, conforme a matéria factual fixada pela Relação: pelo contrário, neste quadro factual, o que seria totalmente desproporcionado e incompatível com tais critérios jurisprudenciais actualmente prevalecentes seria o arbitramento de uma quantia do tipo da proposta pela seguradora /recorrente, arbitrando ao lesado a irrisório montante de €4.000,00.

Deste modo, perante a manifesta insuficiência do valor indemnizatório proposto pela seguradora e seguindo a via metodológica atrás enunciada, considera-se – ponderada também a culpa exclusiva do segurado no acidente - que não merece censura, perante a especificidade do caso concreto, o estabelecimento de indemnização pelos danos não patrimoniais no valor de €25.000, que assim se confirma inteiramente."


[MTS]