Responsabilidade civil; seguro;
intervenção como assistente; caso julgado;
prazo de prescrição
prazo de prescrição
1. O sumário de RP 14/3/2017 (152/16.8T8LSB.P1) é o seguinte:
I – A solução doutrinal que afirmava que a responsabilidade da seguradora se manteria sempre e enquanto se mantivesse a responsabilidade do segurado, independentemente, v. g., da verificação de factos extintivos de possível alegação pela seguradora, por via de uma responsabilidade estritamente contratual baseada no contrato de seguro, expunha as seguradoras fosse a conluios entre o segurado e o respectivo credor, fosse simplesmente ao descurar da defesa por parte do segurado.
II – No seguro de responsabilidade civil, a seguradora responde nos mesmos termos que o segurado, por força do firmado no contrato de seguro, podendo assumir, perante terceiros, uma posição de devedora solidária com o seu segurado muito embora as prestações de ambos sejam tratadas de forma, separada, individual e isolada.
III – Se a Ré interveio, na acção anterior intentada contra o segurado, na qualidade de assistente, a sentença proferida constitui, para a Ré, caso julgado, que ela Ré é obrigada a aceitar, em qualquer causa posterior, designadamente na vertente dos factos e do direito que a decisão judicial tenha estabelecido – artº 341º CPCiv95/96 e 332º NCPCiv.
IV – No conspecto da norma do artº 1044º CCiv, encontramo-nos face à falta de cumprimento ou ao cumprimento defeituoso das obrigações contratuais inerentes ao dever de manter e restituir a coisa locada, a que alude o disposto no artº 1043º CCiv, e, neste sentido, em face de responsabilidade civil contratual do segurado.
V – O prazo curto de prescrição do artº 498º nº 1 CCiv, por razões sistemáticas e da diferente natureza dos institutos, não é aplicável à responsabilidade civil contratual, para a qual rege o prazo geral de prescrição do artº 309º CCiv.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
E interveio a ora Ré nessa acção, nos termos do despacho judicial transitado, na qualidade de assistente.
Nesse sentido, a sentença constituiu, para a Ré ali assistente, caso julgado, que ela Ré é obrigada a aceitar, em qualquer causa posterior, designadamente na vertente dos factos e do direito que a decisão judicial tenha estabelecido – artº 341º CPCiv95/96 e 332º NCPCiv.
Desta forma, formou-se caso julgado contra a Ré relativamente à declaração dos fundamentos de direito, no processo anterior, relativamente à responsabilidade da segurada da Ré, como tendo por fundamento o disposto no artº 1044º CCiv, nos termos do qual “o locatário responde pela perda ou deteriorações da coisa” (ressalvadas as deteriorações ligadas à prudente utilização) “salvo se resultarem de causa que lhe não seja imputável nem a terceiro a quem tenha permitido a utilização dela”.
Ora, independentemente de se considerar esta responsabilidade do locatário como “uma espécie de responsabilidade objectiva” (consoante Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, Anotado, II, 3ª ed., pg. 405), ou antes uma responsabilidade fundada em culpa (Prof. Pereira Coelho, Arrendamento – Lições, 1984, pg. 160), a verdade é que, no conspecto da norma citada do artº 1044º, nos encontramos face à falta de cumprimento ou ao cumprimento defeituoso das obrigações contratuais inerentes ao dever de manter e restituir a coisa locada, a que alude o disposto no artº 1043º CCiv.
Neste sentido, o caso julgado formado pela acção anterior, que obriga o assistente, caracteriza a responsabilidade do segurado, que define e limita a responsabilidade da seguradora, como responsabilidade civil contratual (veja-se, em abono da conclusão, o Ac.S.T.J. 15/2/01 Col.I/123, relatado pelo Consº Simões Freire).
O Prof. Vaz Serra (Prescrição do Direito de Indemnização, Bol.87/47ss.) ponderou se o fundamento do prazo curto de prescrição de 3 anos, do artº 498º nº1 CCiv, permitiria abranger também as hipóteses de responsabilidade contratual. Escreveu, entre o mais:
“(…) Em certos casos podem realmente verificar-se, na responsabilidade contratual, razões tão aceitáveis para a prescrição de curto prazo como na responsabilidade extra contratual. As circunstâncias podem ser de difícil determinação, como nesta última. E o aplicar-se às obrigações derivadas de contrato (ou, de um modo geral, de relação pré-existente) a prescrição ordinária não leva necessariamente a fazer-se a mesma aplicação às obrigações resultantes do não-cumprimento dele, pois aquelas, constantes do contrato (ou da relação), são geralmente mais difíceis de apreciar.”
“(…) De modo que: ou se amplia à responsabilidade contratual a prescrição de curto prazo, ou se não faz essa ampliação. Destas duas soluções parece preferível a segunda. Embora o lesado por facto ilícito extra contratual, que pode ser muito mais grave que o não cumprimento de uma obrigação, fique sujeito à prescrição de curto prazo, o mesmo não parece deva acontecer com o lesado pelo não cumprimento de obrigações. Não só a lei estabelece vários prazos curtos de prescrição de obrigações negociais, como seria chocante que a obrigação de indemnização prescrevesse em prazos mais curtos que as demais obrigações contratuais. O mesmo se daria com a obrigação de indemnização resultante do não cumprimento de qualquer outra obrigação pré-existente.”
Com a doutrina citada encontra-se a maioria dos Autores: o Prof. Vaz Serra, Revista Decana, 106º/14ss e 110º/87, Profs. Pires de Lima e Antunes Varela, Anotado, I, 3ª ed., pg. 477, Prof. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 2ª ed., pg. 506, e o Prof. Almeida Costa, Dtº das Obrigações, 3ª ed., pg. 363, nota 3.
Na verdade, a prova no aspecto contratual é usualmente feita para durar, com utilização, substancial ou voluntária, da forma escrita; na responsabilidade civil, a explicação fica a maior parte das vezes na memória das pessoas que poderão testemunhar, exigindo maior rapidez no exercício dos direitos.
Como se salientou no Ac. R.C. 15/10/91 Col.IV/109, relatado pelo Desemb. Cunha Gil, sendo as responsabilidades contratual e extracontratual de natureza diferente, a ser aplicável o prazo curto de prescrição da segunda à prescrição da primeira, seria normal e em boa técnica necessário que a lei, no lugar próprio, remetesse para ele – v. g., como nos artºs 227º nº2, 499º ou 799º nº2 CCiv.
Ainda no mesmo sentido, S.T.J. 8/2/94 Col.I/97, relatado pelo Consº Fernando Fabião, citando ainda outras decisões do Supremo Tribunal de Justiça, que, com o devido respeito, aqui nos dispensamos de elencar, S.T.J. 24/11/87 Bol.371/446, relatado pelo Consº Alcides de Almeida, ou Ac.R.L. 25/6/85 Col.III/174, relatado pelo Consº Miguel Montenegro.
Em sentido idêntico, mais recentemente, veja-se o Ac. R.P. 20/11/2014 Col.V/192, relatado pelo Des. Aristides Rodrigues Almeida, bem como o Ac.R.C. 2/10/07, pº 2502/05.3TBCBR.C1, relatado pelo Consº Cardoso de Albuquerque, na base de dados oficial.
Defendendo a opinião contrária, embora de forma sensivelmente isolada, veja-se o artigo do Prof. Pedro de Albuquerque, ROA, 1989, III, pgs. 793 ss.
Pode contestar-se a existência de um prazo de prescrição de 20 anos, como o do artº 309º CCiv – para o Prof. Menezes Cordeiro, Tratado – Parte Geral, IV, 2005, pg.173, trata-se de um prazo muito longo, que retira razão de ser ao instituto, irrealista. Não pode porém deixar de se dizer que a redução do prazo ordinário de prescrição apenas se pode hipotizar de jure condendo.
Sendo assim o prazo de prescrição do direito da Autora de 20 anos, é manifesto que o mesmo prazo não tinha decorrido quando a Ré foi citada nos presentes autos, e sendo certo que tal prazo deve contar-se apenas a partir do trânsito da decisão proferida no processo anterior, no qual a Ré foi demandada pela Autora como responsável pela indemnização e parte principal, pelo lado passivo – apenas a decisão judicial transitada em 9/5/2011 (momento a partir do qual se devem contar os citados 20 anos) declarou a ilegitimidade da ora Ré, naquela outra acção, admitindo a respectiva intervenção nos autos apenas como assistente, tudo nos termos dos artºs 326º nº 1 e 327º nº 1 CPCiv."
[MTS]