"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



26/07/2017

Jurisprudência (671)



Instituição de crédito; revogação de autorização; efeitos;
acórdãos de uniformização de jurisprudência; valor


1. O sumário de RL 9/3/2017 (2284-12.2TVLSB.L1-6) é o seguinte:
 
- A decisão de revogação da autorização de instituição de crédito produz os efeitos da declaração de insolvência ( cfr. art.º 8.º , n.º 2 , do Dec.-Lei n.º 199/2006, de 25.10 ) , obrigando tal decisão a um subsequente processo de liquidação judicial da instituição de crédito visada [daí que, tal como ocorre com o processo de insolvência, é no referido processo que se executa a liquidação do património da instituição de crédito e a repartição do produto obtido pelos credores - cfr art.º 1º do CIRE ].

- Em face do referido, a decisão de revogação da autorização de instituição de crédito justifica outrossim a aplicação - às acções declarativas pendentes contra a instituição de crédito objecto de decisão de revogação - do Ac. Uniformizador de Jurisprudência, de 8/5/2013, nos termos do qual “Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art. 287.º do C.P.C.

- A doutrina uniformizada pelo Supremo, ainda que não vinculativa para quaisquer tribunais, apenas se justifica não ser seguida quando na presença de fortes razões ou outras especiais circunstâncias que porventura ainda não tenham sido suficientemente ponderadas.
 
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
 
"4. - Será que, a sentença recorrida, ao declarar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide, errou na interpretação e aplicação do artigo 277.º, alínea e) do CPC?

4.1.- Importa começar por precisar que, na génese da prolação pelo tribunal a quo da sentença recorrida, e em face da factualidade vertida nos itens 2.1. e 2.2. do presente Ac., está a aplicação in casu do disposto no artº 8º do Dec.-Lei n.° 199/2006 , de 25/10 [ com a redacção anterior à introduzida pelo Dec.-Lei n.º 31-A/2012, de 10/02, em face do disposto no art.º 12.º n.º 1 e n.º 2, 1.ª parte, do Código Civil ] , rezando tal normativo , nos respectivos nºs 1 e 2, que:
 
1 - A liquidação judicial das instituições de crédito fundada na revogação de autorização pelo Banco de Portugal faz-se nos termos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, com as especialidades constantes dos artigos seguintes.
 
2 - A decisão de revogação da autorização pelo Banco de Portugal produz os efeitos da declaração de insolvência.
 
A aplicação do referido diploma à situação sub judice, não sendo questionada pelas “partes”, e não se olvidando o disposto no artº 5º, nº3, do CPC, deve ter-se como pertinente/ajustada, sendo que, em sede de preâmbulo do diploma aludido, explica o legislador que “ Continua a atribuir-se ao Banco de Portugal, enquanto autoridade de supervisão, a competência para a revogação da autorização de exercício da actividade bancária, à semelhança, aliás, do que sucede nos demais países da União Europeia, produzindo a decisão de revogação da autorização os efeitos da declaração de insolvência. A liquidação propriamente dita é cometida ao sistema judicial, opção justificada pela excepcional complexidade e especificidades características do sistema financeiro, bem como pela dimensão dos interesses e valores envolvidos, cabendo ao Banco de Portugal continuar a exercer as suas funções de supervisão, na parte relevante, e, ainda, prestar a necessária colaboração em juízo.”

Em complemento dos nºs 1 e 2, do artº 8º, acima indicados, aduz de imediato o dispositivo legal subsequente ( artº 9º) , no respectivo nº 3, que “são aplicáveis, com as necessárias adaptações, as demais disposições do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas que se mostrem compatíveis com as especialidades constantes do presente decreto-lei, com excepção dos títulos IX e X.”

Em face da articulação/conjugação do Dec.-Lei n.° 199/2006, com o CIRE, forçoso é assim concluir, desde logo, que subsequente a uma decisão de revogação da autorização pelo Banco de Portugal, determinando a mesma a dissolução e liquidação da instituição de crédito atingida [ cfr, artº 22º,nº5, do DL n.º 298/92, de 31 de Dezembro - REGIME GERAL DAS INSTITUIÇÕES DE CRÉDITO E SOCIEDADES FINANCEIRAS] e produzindo os efeitos da declaração de insolvência, importa seguidamente diligenciar pela verificação do passivo da “entidade” dissolvida e pela liquidação do seu património, o que tudo deve processar-se em sede de processo cometido ao sistema judicial.

E, ainda em consequência da necessária articulação/conjugação do Dec.-Lei n.° 199/2006, com o CIRE, ao processo referido que é cometido ao sistema judicial, aplicar-se-ão forçosamente - com as necessárias adaptações - o grosso das normas do CIRE que disciplinam os efeitos da declaração de insolvência [Título IV], bem como as que regulam a verificação de créditos [Título V] e , também , as que regem a liquidação propriamente dita da Massa insolvente [Título VI] , ou seja, as que incidem sobre a tarefa de conversão do património da entidade bancária em quantia pecuniária com vista à respectiva repartição pelos credores [cobrança de créditos e alienação dos bens e direitos].

Ora, a ancorar a sentença apelada, encontra-se precisamente uma norma do CIRE, mais exactamente e fundamentalmente a do artº 90º [disposição que, sob a epígrafe de “Exercício dos Créditos Sobre a Insolvência“, reza que "Os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do presente Código, durante a pendência do processo de insolvência"], sendo que, conjugada a referida disposição legal com outras do mesmo diploma legal, maxime com a do artº 128º, nºs 1 e 3 [rezando v. g. o nº 3, que "A verificação tem por objecto todos os créditos sobre a insolvência, qualquer que seja a sua natureza e fundamento, e mesmo o credor que tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento"], conduziu a uma concreta interpretação que, sufragada por doutrina conceituada e vasta jurisprudência, é exactamente a que sufraga a Exmª Juiz a quo na fundamentação da sentença apelada.

Ou seja, subscreve a Exmª Juiz a quo, na fundamentação da sentença apelada, o entendimento que v.g. o STJ, em Ac. de 20/9/2011 (9) , veio perfilhar, qual seja, o de que “ transitada em julgado a sentença que declara a insolvência da demandada, a acção que visa o reconhecimento de um direito de crédito sobre a insolvente, deve ser declarada extinta, por inutilidade superveniente da lide, de harmonia com o disposto no art. 287.º, al. e), do CPC “.

É certo que, divergindo de tal entendimento, e outrossim alicerçados em fundamentos e contributos igualmente atendíveis e reputados, muitas outras decisões judiciais - quer da 2ª instância, quer do próprio STJ - vieram sufragar posições diversas, razão porque, e de alguma forma procurando contribuir para o desiderato a que alude o nº 3, in fine, do artº 8º, do CC, veio o STJ a Uniformizar Jurisprudência, fixando em Ac. de 8/5/2013 (Publicado no Diário da República, 1.ª série - N.º 39 , de 25 de Fevereiro de 2014, págs. 1642/1650) o seguinte entendimento: “ Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art. 287.º do C.P.C. “.

A sentença apelada, portanto, encontra apoio reforçado no referido Acórdão Uniformizador de Jurisprudência, quando conclui, como concluiu/decidiu, que no caso sub judice importava declarar a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.

É verdade que, a justificar a não aplicação do referido Ac. Uniformizador aos presentes autos, “alinham” os recorrentes diversos argumentos, maxime o de não ser o mesmo aplicável à presente acção, porque de simples apreciação negativa [além de o artº 90º, do CIRE, não afectar/abranger também as acções declarativas], como o é a presente, e, ademais, não ter a mesma por objecto a reclamação pelos AA do pagamento de um crédito, antes visam os demandantes exercer tão só o direito de compensação.

Importando, consequentemente, tecer breves considerações a propósito dos referidos e invocados “obstáculos“ , pertinente é em primeiro lugar aferir da natureza do Ac. do STJ Uniformizador de Jurisprudência, maxime se tem ele efeitos vinculativos ou , tão só , uma natureza meramente persuasiva , de resto com valor diminuto no caso dos autos .

Ora, debruçando-se sobre tal matéria, esclarece Abrantes Geraldes (In Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2010, 3ª Edição, pág. 495) que, por oposição à doutrina emanada dos anteriores Assentos, é inquestionável e pacífico que os AUJ não são vinculativos para quaisquer tribunais , antes exercem uma força persuasiva, o que tudo decorre , quer da função e objectivos da jurisprudência uniformizada [ o valor da segurança jurídica e a busca de soluções que potenciem o tratamento igualitário ], quer da tendência de estabilização da jurisprudência que pode resultar do julgamento ampliado conseguido através de diversas medidas dispersas pelo CPC [artºs 629º, nº 2,alínea c), 672º,nº1, alínea c), 656º, 679º, e 688º,nº3, todos do actual CPC].

Compreensível é, assim, considera Abrantes Geraldes (ibidem, pág. 498), que a jurisprudência uniformizada - apesar de não vinculativa - deve merecer da parte de todos os juízes uma particular atenção, desde logo em face do respeito que suscita a qualidade e o valor intrínseco da jurisprudência uniformizada do STJ, razão porque apenas razões muito ponderosas e uma fundamentação convincente justificará um desvio de interpretação das normas jurídicas em causa.

Em suma, entende Abrantes Geraldes que, para contrariar a doutrina uniformizada pelo Supremo, devem valer fortes razões ou outras especiais circunstâncias que porventura ainda não tenham sido suficientemente ponderadas, pois que, como é consabido, o artº 629º, nº 2, alínea c), do CPC, permite sempre a interposição de recurso [independentemente do valor da causa e da sucumbência] de decisões proferidas contra jurisprudência uniformizada do STJ.

O referido entendimento, além de sufragado pelo próprio STJ em diversos Acs. (V. g. no Ac. de 14/05/2009, proferido no processo nº 218/09.OYFLSB, sendo Relator o Exmº Juiz Conselheiro SEBASTIÃO PÓVOAS, e de 11-09-2014, Proc. nº 3871/12.4 TBVFR-A.P1.S1 , sendo Relator o Exmº Juiz Conselheiro BETTENCOURT DE FARIA, e in www.dgsi.pt.), é aquele que nos merece - sem reservas - total anuência, quer por ser o que contribui decisivamente para reduzir as polémicas/divergências jurisprudenciais, quer porque satisfaz o comando do artº 8º, nº 3, do CCivil, potenciando a segurança e a certeza na aplicação do direito, quer , finalmente, porque concorre e confere também para uma maior eficácia e celeridade ao sistema judiciário, garantindo em última instância a resolução dos litígios em prazos razoáveis."
 
[MTS]