"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



06/07/2017

Jurisprudência (657)


Venda executiva; 
venda por negociação particular; controlo do tribunal



I. O sumário de RE 9/3/2017 (32/14.1TBAVS.E1) é o seguinte.

1 - A negociação particular é uma forma específica de venda, que não está sujeita aos mesmos requisitos e condicionalismos da venda através de propostas em carta fechada e pressupõe a consulta directa do mercado, mediante a procura de propostas, que possam corresponder a uma correcta intercepção do binómio económico da lei da oferta e da procura, sem a necessária aquiescência do executado.
 
2 - Neste tipo de situações, em caso de divergência quanto aos termos da venda, ao Tribunal está deferida uma apreciação final fiscalizadora do processado e essa avaliação comporta uma componente de estrito controlo da legalidade e outra que visa a emissão de um juízo equitativo de ponderação sobre o equilíbrio das prestações concorrentes.
 
II. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
 
"A venda por negociação particular é uma das modalidades de venda prevista no processo executivo visando a satisfação do interesse do credor (artigo 811º, nº 1, al. d), do Código de Processo Civil) [...].
 
O disposto no artigo 818º, no nº 2 do artigo 827º e no artigo 828º para a venda mediante propostas em carta fechada aplica-se, com as necessárias adaptações, às restantes modalidades de venda e o disposto nos artigos 819º e 823º aplica-se a todas as modalidades de venda, exceptuada a venda directa [...].
 
Esta modalidade de venda é adoptada, designadamente, quando se frustre a venda por propostas em carta fechada, por falta de proponentes, não aceitação das propostas ou falta de depósito do preço pelo proponente aceite (artigo 832º, al. d), do Código de Processo Civil) [...].
 
Em todas as modalidades de venda processualmente admitidas a verba fixada como valor base da transacção serve de referência para a conclusão do negócio intraprocessual executivo.
 
Se existir acordo de todos os interessados é possível realizar a venda por preço inferior ao valor base sem intervenção do juiz, desde que cumpridas determinadas formalidades relacionadas com as notificações aos sujeitos processuais. Se esse consenso entre as partes não ocorrer a venda por negociação particular só pode ser concretizada mediante autorização judicial [Marco Gonçalves Carvalho, Lições de Processo Executivo, Almedina, Coimbra 2016, pág. 380-381] [Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo, A Acção Executiva Anotada e Comentada, 2ª edição, Almedina, Coimbra 2016, pág. 509-510].

É assim ac
eite uniformemente que, em sede de negociação particular na sequência da frustração da venda por propostas em carta fechada, se o valor base não for atingido, a proposta apresentada não deve ser rejeitada liminarmente, antes ponderada a sua aceitação casuisticamente, tendo em conta designadamente, o período de tempo já decorrido com a realização da venda, a evolução da conjuntura económica, as potencialidades de venda do bem e o interesse manifestado pelo mercado [...].
 
Esta solução apoia-se na lição de Lebre de Freitas e de Ribeiro Mendes que defendem que «se o valor base não for atingido, só por acordo de todos os interessados ou autorização judicial será possível a venda por preço inferior. Embora a lei nada diga, releva do poder jurisdicional a decisão de dispor do bem penhorado, pertença do executado e garantia dos credores, mediante a obtenção de um preço inferior àquele que, de acordo com o resultado das diligências efectuadas pelo agente de execução corresponde ao valor do mercado do bem; nem faria sentido que, quando o agente da execução é encarregado da venda (…) lhe cabesse baixar o valor base dos bens, com fundamento na dificuldade em o atingir. O juiz conserva, pois, o poder (…) de autorizar a venda por preço inferior ao valor base» [Código de Processo Civil Anotado, vol. III, Coimbra Editora, Coimbra 2003, págs. 601-602] [No mesmo sentido, consultar: Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, pág. 270].

Na situação vertente, o valor da venda teve em consideração o disposto no artigo
812º, nº 3, al. a), do Código de Processo Civil, ao ter em conta o valor patrimonial tributário, nos termos de avaliação efectuada há menos de seis anos. Porém, em momento posterior, por iniciativa do tribunal foi realizada uma avaliação que incidiu sobre o valor de mercado, o qual por ser mais elevado não pode ser desconsiderado nesta sede, sendo que, como resulta da letra da lei, o valor base dos bens a vender deve corresponder ao maior daqueles que se encontram em concurso.
 
Na realidade, na venda executiva por negociação particular é possível fixar o valor mínimo da venda abaixo do valor de referência legal, pois se fosse imperativo a manutenção de um limite não sobejaria qualquer benefício para a resolução da execução com a alteração da modalidade de venda, dado que assim se perpetuava a inflexibilidade da venda judicial mediante propostas em carta fechada [A defender a possibilidade da venda por valor inferior a 70% da avaliação podem consultar-se os seguintes acórdãos: Tribunal da Relação de Évora de 26/02/2015, Tribunal da Relação de Lisboa de 25/09/2014 e do Tribunal da Relação do Porto de 29/04/2008, todos in www.dgsi.pt. No sentido de que pode ser autorizada a venda por valor inferior a 85% sujeita a condições pode ser consultado o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 15/01/2015, também em www.dgsi.pt].

A negociação particular pressupõe a consulta directa do mercado, mediante a procura de propostas, que possam corresponder a uma correcta intercepção do binómio económico da lei da oferta e d
a procura, viabilizando, deste modo, uma decisão adequada a garantir a reparação do direito de crédito em questão no processo executivo, sem a necessária aquiescência do executado.
 
Porém, neste tipo de situações, ao Tribunal está deferida uma apreciação final fiscalizadora do processado e essa avaliação comporta uma componente de estrito controlo da legalidade e outra que demanda a concretização do princípio da necessidade de contradição e a subsequente emissão de um juízo equitativo de ponderação sobre o equilíbrio das prestações concorrentes, sempre que exista uma discordância fundada apresentada por uma das partes quanto ao interesse na concretização do negócio executivo. 
 
Existindo o risco de ocorrer uma depreciação decorrente do passar do tempo ou do eventual desinteresse que possa vir a ser manifestado pela sociedade actualmente interessada, aquilo que transpira dos autos é que, ao não validar a primeira proposta apresentada em sede de negociação particular, a diligência da Mmª Juíza Titular do processo foi essencial para promover um aumento dos valores em discussão [de € 28.000,00 para € 45.000,00]. 
 
Em adição, a casa situa-se numa zona com procura de habitação para fins de vilegiatura, o mercado imobiliário encontra-se novamente nova fase de expansão e o tempo decorrido entre a apresentação da primeira proposta (12/12/2015) e a prolação do despacho recorrido (08/09/2016) não é excessivo, justificando-se assim que o Sr. Agente de Execução proceda às diligencias necessárias para, tendo em atenção o valor de mercado do imóvel, tentar encontrar melhor oferta para a sua venda.
 
Efectivamente, nesta apreciação casuística que está cometida ao julgador [...], a Mmª Juíza do Tribunal «a quo» ao, não ter aceite uma proposta que se situa abaixo dos 70% do valor base (ainda assim de valor inferior a 50% do valor real de mercado de imóvel, montante esse que porventura poderia corresponder à realização da justiça do caso concreto), agiu com ponderação, sensatez e recorreu a critérios hermenêuticos baseados num ideal de justiça comutativa, visando o equilíbrio dos interesses em disputa e não se poderá dizer que a decisão recorrida faz coincidir os pressupostos da venda mediante propostas em carta fechada e a venda por negociação particular."
 
 [MTS]