"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



13/07/2017

Jurisprudência (662)


Alimentos a maiores;
competência material


1. O sumário de RE 9/3/2017 (26/12.1TBPTG-D.E1) é o seguinte:
 
I - No domínio da anterior redacção do artigo 1905.º do Código Civil, a jurisprudência dominante perfilava o entendimento de que atingida a maioridade caducava a pensão de alimentos, pelo que, quando fixada durante a menoridade do alimentado tal pensão, para que a fixação da obrigação de alimentos, nos quadros do artigo 1880.º do Código Civil pudesse operar, tinha o filho, agora maior de idade, que requerer, em processo próprio, a fixação de alimentos através do processo previsto no artigo 1412.º do Código Civil.
 
II - Atenta a redacção introduzida pela Lei n.º 122/2015, de 1 de Setembro, que acrescentou o n.º 2 no artigo 1905.º do CC, considerando a referida divergência de entendimentos, e o teor do segmento inicial da alteração introduzida, sublinhando o legislador que, para efeitos do disposto no artigo 1880.º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, deve concluir-se que estamos perante lei que é interpretativa do artigo 1880.º do CC, quanto à extensão da obrigação de alimentos a cargo dos progenitores durante a menoridade, e até que o filho complete 25 anos. 
 
III - Assim, a regra actualmente estabelecida no artigo 1880.º do CC, é a de que a pensão fixada em benefício do filho menor mantém-se até que este complete os 25 anos, cabendo deste modo ao progenitor obrigado aos alimentos fixados durante a menoridade o ónus de cessar essa obrigação demonstrando que ocorre uma das três situações elencadas pelo legislador no segundo segmento do preceito em questão: que o filho completou o respectivo processo de educação ou formação profissional; que o interrompeu livremente; que a exigência de alimentos seja irrazoável.
 
IV - Acresce que, de modo inovador, com a alteração efectuada ao regime substantivo, a referida Lei n.º 122/2015 procedeu à correspondente alteração no âmbito processual, mormente no n.º 3 do artigo 989.º do CPC, conferindo agora legitimidade ao progenitor que suporta o encargo de pagar as despesas dos filhos, para exigir a contribuição do obrigado a alimentos.
 
V - A aplicação do disposto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 272/2001, tem de ser concatenada com as disposições do Código de Processo Civil e do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, requerendo um esforço de interpretação do sistema e não apenas deste diploma, porquanto, em face da multiplicidade de situações da vida que podem ocorrer, o legislador estabeleceu um leque de meios processuais a que o impetrante que invoca a necessidade de alimentos pode recorrer, consoante a situação em presença.
 
VI - Assim, não podendo o legislador desconhecer a existência do referido Decreto-Lei n.º 272/2001, e considerando que a LOSJ expressamente cometeu aos tribunais, nos termos expostos, a competência para a decisão dos processos em que estejam em causa alimentos a filhos maiores ou emancipados, com fundamento no artigo 1880.º do CC, perante um processo desta natureza não pode o juiz, sem mais, rejeitar de imediato a respectiva competência, devendo antes analisar os fundamentos em que a parte que formula o pedido assenta a respectiva pretensão.
 
VII - Da interpretação do artigo 983.º, n.º 2, do CPC, efectuada de acordo com o disposto no artigo 9.º do CC, decorre que: a) - se estiver a correr o processo de regulação das responsabilidades parentais e ainda não tiverem sido fixados os alimentos devidos ao filho, a maioridade ou emancipação que entretanto ocorram não impedem que tal processo se conclua, podendo consequentemente tal fixação ocorrer já após a maioridade; b) - se durante a menoridade do filho tiver havido decisão a fixar alimentos a suportar por um ou ambos os progenitores no âmbito do processo de regulação das responsabilidades parentais, a maioridade ou emancipação que ocorram posteriormente a tal fixação não impedem que os incidentes posteriores quer de alteração quer de cessação dos alimentos corram por apenso àquele processo de regulação.
 
VIII - Assim, enquanto o meio processual de concretização do direito a alimentos do filho maior a que alude o artigo 1880.º do CC, que não foram fixados durante a respectiva menoridade, é o recurso à Conservatória do Registo Civil ou ao processo de jurisdição voluntária previsto no artigo 989.º do CPC, caso não exista ou não seja viável a obtenção de acordo; nos demais casos em que esteja em causa peticionar alimentos devidos por ascendente a filho maior, sem escopo educativo e sem limitação temporal, seguir-se-á a forma processual comum actualmente regulada nos artigos 552.º e seguintes do CPC.
 
IX - Já nos casos em que foi fixada uma prestação de alimentos em processo que correu termos durante a menoridade do filho, e após a entrada em vigor da Lei n.º 122/2015, de 1 de Setembro, podemos surpreender três possibilidades adjectivas de concretização do direito a alimentos do filho maior, com fundamento no disposto no artigo 1880.º do CC: a) - o progenitor obrigado a alimentos deixou de pagar voluntariamente e o filho pretende que lhe seja satisfeito tal montante: o meio próprio é o recurso à execução por alimentos, servindo a decisão homologatória de acordo abrangente de pensão de alimentos para o então menor, como título executivo relativamente aos alimentos para o filho maior vencidos após a entrada em vigor da referida lei; b) – o filho maior pretende ver alterado o montante da prestação de alimentos anteriormente fixada: para o efeito deduz incidente de alteração por apenso ao processo de regulação das responsabilidades parentais; c) – o progenitor que assume a título principal o encargo de pagar as despesas do filho maior, e que pretende ver alterado o montante da prestação de alimentos anteriormente fixada: deduz incidente de alteração por apenso ao processo de regulação das responsabilidades parentais.
 
X - No caso dos autos, visando a progenitora exigir do pai da sua filha, agora maior, o pagamento de uma contribuição para o sustento e educação desta, em valor superior àquele que o progenitor se encontrava obrigado a pagar por via de anterior processo de regulação das responsabilidades parentais, nos termos inovatórios actualmente consentidos pelo n.º 3 do artigo 989.º, o meio processual próprio para o fazer, por força do n.º 2 do mesmo artigo, é deduzir incidente de alteração do montante dos alimentos fixados no processo, por apenso àqueles autos de regulação das responsabilidades parentais.
 
II. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
 
"[...] no caso vertente [...] estamos em presença de uma acção de alimentos a filho maior com fundamento no artigo 1880.º do CC, posto que, de acordo com a factualidade que alegou na petição inicial, a autora visa continuar a obter uma prestação de alimentos pelo requerido com vista a que a filha maior de ambos possa completar a respectiva formação. 

Acresce que, durante a menoridade da filha foi fixada no âmbito do processo de regulação das responsabilidades parentais uma prestação de alimentos a pagar pelo pai da menor.

Assim, visando a mãe da menor exigir do pai o pagamento de uma contribuição para o sustento e educação da filha, nos termos previstos no n.º 3 do referido artigo 989.º, em valor superior àquele que o progenitor se encontra a pagar, o meio processual próprio para o fazer, por força do n.º 2 do mesmo artigo, é deduzir tal incidente de alteração do montante dos alimentos fixados no processo, por apenso aos autos de regulação das responsabilidades parentais.

Se dúvidas houvesse que é este o meio processual próprio para o efeito, bastaria atentar na redacção do n.º 4 do mesmo preceito, onde claramente se afirma que o juiz pode decidir, ou os pais acordarem, que essa contribuição é entregue, no todo ou em parte, aos filhos maiores ou emancipados.

Claro está que a conclusão a que chegámos não surge evidente da mera leitura do disposto no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 272/2001, requerendo um esforço de interpretação do sistema e não apenas deste diploma.

Aliás, em anotação ao artigo 1.º do mesmo, já em 2004 Lopes do Rego [
In Comentários ao Código de Processo Civil, vol. II, 2.ª edição, Almedina 2004, pág. 539] alertava precisamente para «a pouca cautela posta pelo legislador na articulação deste novo regime, quer com as normas do Código de Processo Civil atinentes à jurisdição voluntária, quer com os próprios preceitos da Lei n.º 3/99 (de algum modo afectados, no que se refere ao elenco das competências dos Tribunais de Família) e da Organização Tutelar de Menores é susceptível de criar numerosas dúvidas e dificuldades na sua aplicação prática». Ora, basta atentar na inúmera jurisprudência produzida a este respeito para concluirmos que a previsão do Ilustre autor se concretizou e, mais, que na actual Lei de Organização do Sistema Judiciário a competência se mantém nestes casos deferida aos tribunais.

Vejamos.

Conforme é sabido, os tribunais judiciais têm a sua competência regulada desde logo na Constituição da República Portuguesa, cujos artigos 202.º, n.º 1; 209.º; 210.º, e 211.º a 214.º, regem sobre a respectiva categoria e instâncias, podendo estas ser especializadas por matérias, encontrando-se a concretização da previsão genérica da lei fundamental actualmente consagrada na Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto [...], e, no que tange à concreta jurisdição de família e menores, também pelo Código de Processo Civil actualmente vigente, que - à semelhança do que já sucedia anteriormente -, nos artigos 64.º a 95.º faz a concretização da repartição da competência pelos tribunais judiciais, em razão da matéria, do valor, da hierarquia e do território, atribuindo às leis de organização judiciária a determinação das causas que, em razão da matéria, são da competência dos tribunais e das secções dotados de competência especializada – cfr. artigo 65.º do CPC.

Assim, no que respeita à competência em razão da matéria, os tribunais podem ser de competência especializada, mista e genérica, desdobrando-se em instâncias centrais e locais, sendo que, em face do disposto no artigo 80.º da LOSJ, em regra, se uma determinada causa não couber na competência de uma instância central de competência especializada ou mista, caberá na competência residual da instância local de competência genérica [Cfr. neste sentido, J.F. Salazar Casanova, in Lei de Organização do Sistema Judiciário, Revista da Ordem dos Advogados, ano 73, II/III – Lisboa, Abr-Set. 2013, pág. 468].

Cabe, pois, primeiramente atentar no que nos diz a actual LOSJ sobre a competência das instâncias centrais de família e menores, verificando-se, desde logo que a respectiva competência se concentra nas questões respeitantes: i) ao estado civil das pessoas e família (122.º), ii) a menores e filhos maiores (123.º); iii) e à matéria tutelar educativa e protecção (124.º). 

Estando em causa um pedido de alimentos de um filho ao seu progenitor, atento o preceituado no artigo 123.º, n.º 1, alínea e), da LOSJ, a competência daquelas instâncias centrais abrange apenas a fixação dos alimentos devidos a menores e aos filhos maiores ou emancipados a que se refere o artigo 1880.º do Código Civil, e a preparação e julgamento das execuções por alimentos, ressalvando o n.º 3 os casos em que a lei reserve a competência referida nos números anteriores a outras entidades, situação em que a competência das secções de família e menores respeita à reapreciação das decisões dessas entidades. 

Conforme decorre do próprio elemento literal do preceito em análise, a competência só se mostra deferida às instâncias de competência especializada quando está em causa a obrigação prevista no artigo 1880.º do CC, pelo que, as acções em que se pretenda a fixação de alimentos a filho maior que ali não sejam enquadradas [...], serão da competência da secção cível da instância central ou da secção de competência genérica da instância local, em função do valor do processo, nos termos previstos nos artigos 117.º, n.º 1, alínea a), e 130.º, n.º 1, alínea a) da LOSJ. 

Acresce ainda na situação vertente que a LOSJ veio a ser regulamentada pelo DL n.º 49/2014, de 27 de Março, que estabeleceu o Regime Aplicável à Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, ressaltando quanto ao Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre o desdobramento constante do artigo 92.º, do qual resulta que nesta Comarca não foi criada a especialização na área de Família e Menores, pelo que, mesmo a competência para a tramitação das acções referidas no artigo 123.º da LOSJ, cabe à instância central cível prevista na alínea a) ou à instância local, secção de competência genérica, desdobrada em matéria cível e criminal, com sede em Portalegre, prevista na alínea d), consoante o valor da causa, aplicando-se evidentemente também neste caso, a ressalva a que alude o citado n.º 3 do artigo 123.º da LOSJ.

Tudo para dizer que não podendo o legislador desconhecer a existência do referido Decreto-Lei n.º 272/2001, - em cujo artigo 5.º regulou um conjunto de procedimentos relativamente aos quais deferiu a competência para a fase liminar, no dizer da lei, tendente à formação de acordo das partes, ao Conservador do Registo Civil -, tendo presente que em termos de hierarquia entre os diplomas, a lei e o decreto‑lei têm o mesmo valor na ordem jurídica portuguesa, aplicando-se, em caso de conflito, o diploma que for mais recente ou aquele que contiver a regra que se adeqúe melhor ao caso concreto; e considerando que a LOSJ expressamente cometeu aos tribunais, nos termos expostos, a competência para a decisão dos processos em que estejam em causa alimentos a filhos maiores ou emancipados, com fundamento no artigo 1880.º do CC, perante um processo desta natureza não pode o juiz, sem mais, rejeitar de imediato a respectiva competência, devendo antes analisar os fundamentos em que a parte que formula o pedido assenta a respectiva pretensão.

De facto, tentando sistematizar o regime adjectivo verificamos que em face da multiplicidade de situações da vida que podem ocorrer, o legislador estabeleceu um leque de meios processuais a que o impetrante que invoca a necessidade de alimentos pode recorrer, consoante a situação em presença.

Assim, quando está em causa a obrigação prevista no artigo 1880.º do CC, e não existiu previamente um processo de regulação das responsabilidades parentais nem se pretende cumular a pretensão com outro pedido, estando a competência liminar para a formação de acordo entre as partes, cometida ao conservador do registo civil, o requerimento deve ser apresentado na Conservatória do Registo Civil.

Neste caso, a competência da Conservatória para a tramitação do procedimento afere-se nos termos do artigo 6.º e o procedimento segue a tramitação prevista no artigo 7.º do citado decreto-lei. Frustrando-se este procedimento por ter havido oposição do requerido e ter sido constatada a impossibilidade de acordo em sede de tentativa de conciliação, o processo é remetido ao tribunal competente em razão da matéria no âmbito da circunscrição a que pertence a conservatória (artigos 8.º e 9.º) seguindo-se o procedimento previsto nos artigos do Código de Processo Civil que regulam os processos de jurisdição voluntária.

Se, porém, correu termos um processo de regulação das responsabilidades parentais, no âmbito do qual foi fixada uma prestação de alimentos, em face do n.º 2 do artigo 5.º do DL n.º 272/2001, não se aplica o procedimento tendente à formação de acordo entre as partes, porquanto as pretensões relativas a alimentos constituem um incidente ou dependência da acção principal.

Neste sentido, reportando-se ao então vigente artigo 1412.º, Lopes do Rego [Obra citada, pág. 543] ensina que o procedimento tendente à formação de acordo entre as partes previsto no DL n.º 272/2001, é aplicável aos processos regulados no artigo 1412.º do CPC – actualmente correspondente ao artigo 989.º do CPC -, salvo se forem cumulados com outros pedidos, no âmbito de acção judicial, ou constituírem incidente ou dependência de acção pendente (cfr. n.º 2 do artigo 5.º do referido DL).

«Daqui decorre (…) que tenha de se considerar reduzido o âmbito dos procedimentos regulados nos artigos 1412.º e 1413.º», e ainda que, «o processo regulado no artigo 1412.º continuará a ser aplicável quando ocorra a situação prevista no n.º 2, constituindo o pedido de alimentos ao filho maior incidente do precedente processo de fixação de alimentos ao menor».

Assim, nestes casos em que foi fixada uma prestação de alimentos em processo que correu termos durante a menoridade do filho, após a entrada em vigor da Lei n.º 122/2015, de 1 de Setembro, podemos surpreender três possibilidades adjectivas de concretização do direito a alimentos do filho maior, com fundamento no disposto no artigo 1880.º do CC: a) - o progenitor obrigado a alimentos deixou de pagar voluntariamente e o filho pretende que lhe seja satisfeito tal montante: o meio próprio é o recurso à execução por alimentos, servindo a decisão homologatória de acordo abrangente de pensão de alimentos para o então menor, como título executivo relativamente aos alimentos para o filho maior vencidos após a entrada em vigor da referida lei [Cfr. neste sentido, Ac. TRL de 30-06-2016, proferido no processo n.º 6692/05.7TBSXL-C.L1.-2, disponível em www.dgsi.pt]; b) – o filho maior pretende ver alterado o montante da prestação de alimentos anteriormente fixada: para o efeito deduz incidente de alteração por apenso ao processo de regulação das responsabilidades parentais; c) – o progenitor que assume a título principal o encargo de pagar as despesas do filho maior, e que pretende ver alterado o montante da prestação de alimentos anteriormente fixada: deduz incidente de alteração por apenso ao processo de regulação das responsabilidades parentais.

Em qualquer destes casos, incumbe ao progenitor obrigado aos alimentos fixados durante a menoridade o ónus de cessar essa obrigação demonstrando em sede de oposição à execução ou de contestação, que ocorre uma das três situações elencadas pelo legislador: que o filho completou o respectivo processo de educação ou formação profissional; que o interrompeu livremente; que a exigência de alimentos não é razoável.

Concluindo, pelas razões expendidas, atenta a legitimidade da progenitora e o pedido formulado na presente acção, não restam dúvidas que o tribunal recorrido é competente para conhecer da mesma, impondo-se a revogação do despacho de indeferimento liminar e o subsequente processamento dos autos, como for de direito."
 
[MTS]