"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



05/07/2017

Jurisprudência (656)


Prova testemunhal; poderes do juiz; esclarecimentos;
depoimento de parte; assentada; falta
 
 
I. O sumário de RE 9/3/2017 (234/11.2TBVNO.E1) é o seguinte:

1. O art. 516.º, n.º 4, do Código de Processo Civil não restringe apenas ao momento posterior às instâncias dos mandatários das partes, o exercício pelo juiz do poder de solicitar os esclarecimentos e realizar as perguntas que considere convenientes para o apuramento da verdade.
 
2. A falta de redução a escrito do depoimento de parte confessório só constituiria nulidade caso tivesse influência no exame e na decisão da causa, o que não sucede quando este é integralmente gravado.
 
3. A falta de assentada constitui mera irregularidade processual ou, quando muito, nulidade secundária, e só pode ser invocada pelo interessado na observância da formalidade e no prazo assinalado no art. 199.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
 
[4. A falta de assentada constitui mera irregularidade processual ou, quando muito, nulidade secundária, e só pode ser invocada pelo interessado na observância da formalidade e no prazo assinalado no art. 199.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

5. Sobre as partes recai agora o ónus de controlarem e sindicarem a existência e qualidade da gravação, devendo arguir perante a primeira instância qualquer deficiência da mesma, no prazo de 10 dias subsequente ao de 2 dias a contar do respectivo acto, sob pena do vício se considerar sanado.

6. A omissão ou deficiência da gravação passou a ser um problema a ser sanado ao nível da primeira instância (que assim tem a possibilidade de, em tempo útil, adoptar os procedimentos adequados à reparação da deficiência, se necessário repetindo os actos afectados).

7. A posse precária ou em nome alheio, perdure por muito ou por pouco tempo (
etiam per mille anos), mantém essa natureza enquanto não ocorrer inversão do título da posse, nos termos prescritos pelo art. 1265.º do Código Civil, só começando a correr a partir desse momento o prazo necessário à aquisição por usucapião.]
 
II. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
 
"Ambos os RR. prestaram depoimento de parte na audiência de julgamento, a requerimento dos AA., sendo esse acto integralmente gravado. Dado que na acta não foi efectuada qualquer redução a escrito de tais depoimentos, os RR. argumentam – mas apenas nas alegações do recurso interposto da sentença – ter sido praticada nulidade com influência na decisão da causa.

O art. 463.º, n.º 1, do Código de Processo Civil continua a impor a redução a escrito (assentada) do depoimento de parte na sua vertente confessória, tal como já resultava do art. 563.º, n.º 1, do anterior Código. Porém, estando consagrada no art. 155.º, n.º 1, do Código de Processo Civil a regra da gravação da audiência final, pode considerar-se a assentada do depoimento de parte como uma actuação prolixa e redundante, para além de complexizar e atrasar a tramitação processual [Neste sentido, vide os Acórdãos da Relação de Coimbra de 10.11.2009, proferido no Proc. 126/07.0TBPNH.C1, e da Relação de Guimarães de 15.09.2014, proferido no Proc. 1190/12.5TBGMR.G1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.].

Na verdade, a gravação do depoimento de parte é seguramente mais eficaz e fidedigna que a assentada para revelar o alcance probatório do depoimento e permitir a sua sindicância pelo tribunal de recurso. Sendo a assentada uma redução a escrito do depoimento, nunca terá a pureza do depoimento original e devidamente gravado, pois sempre se perderá algum pormenor no processo de mediação entre o depoimento oral e a sua redacção escrita. Mesmo que a redacção escrita do depoimento seja uma reprodução exacta, palavra por palavra, do discurso oral, jamais conseguirá reproduzir as entoações, as hesitações e todos os demais pormenores que enriquecem esta forma de expressão.

De todo o modo, a lei apenas exige a redução a escrito do depoimento de parte, nas precisas circunstâncias previstas no art. 463.º, n.º 1, do Código de Processo Civil: quando houver confissão do depoente ou quando este narrar factos ou circunstâncias que impliquem indivisibilidade da declaração confessória. Logo, por exclusão de partes, não se procederá à redução a escrito dos depoimentos de parte não confessórios, sendo assim este livremente apreciado pelo tribunal.

Acresce que a falta de redução a escrito do depoimento de parte confessório, constituindo a omissão de acto prescrito por lei, só constituiria nulidade caso tivesse influência no exame e na decisão da causa – art. 195.º, n.º 1, do Código de Processo Civil. No caso, estando integralmente gravados os depoimentos de parte prestados pelos RR., não se vislumbra que tenha ocorrido prejuízo no exame e na decisão da causa – nem estes se dão ao cuidado de explicar, de forma consistente, em que medida tal prejuízo teria ocorrido.

Finalmente, estando em causa mera irregularidade processual ou, quando muito, uma nulidade secundária [...], só poderia ser invocada pelo interessado na observância da formalidade, devendo a sua arguição ser realizada perante o tribunal recorrido e no prazo assinalado no art. 199.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Ora, este meio de prova foi requerido pelos AA. – cfr. o seu requerimento de prova de 28.10.2015 – pelo que, caso tivesse ocorrido confissão no decurso do depoimento de parte dos RR., apenas aos primeiros assistia o direito de arguir a nulidade por omissão da assentada – art. 197.º, n.º 1, do Código de Processo Civil – e, uma vez que ambos os mandatários se encontravam presentes na audiência onde esse meio de prova foi prestado, tal arguição deveria ser efectuada no próprio acto e enquanto este não terminasse.

Concluindo-se, pois, que a omissão na redução a escrito dos depoimentos de parte dos RR., constituindo mera irregularidade, não teve influência no exame e decisão da causa, e que apenas podia ser arguida perante o tribunal recorrido pela parte interessada na observância dessa formalidade (neste caso, apenas pelos AA.), e apenas no decurso da audiência de julgamento onde os mesmos foram prestados, não assiste legitimidade aos RR. para invocar, em sede de alegações de recurso, a nulidade do julgamento por omissão dessa formalidade.

Utilizando o brocardo “das nulidades reclama-se, dos despachos recorre-se”, jamais seriam as alegações do recurso interposto da sentença final o local apropriado para a arguição da falta de assentada, pelo que, mesmo que os RR. tivessem legitimidade para o efeito – e não a têm – sempre estariam a destempo, pelo que também por aqui improcede a sua linha de argumentação."
 
[MTS]