"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



20/07/2017

Jurisprudência (667)


Matéria de facto; recurso; poderes da Relação;
trânsito em julgado; momento


I. O sumário de STJ 22/2/2017 (659/12.6TTMTS.P2-A.S1) é o seguinte:

1 – Nos termos do estabelecido no art. 662º, nº 1 do CPC, a Relação deve alterar a decisão que considerou provado um determinado facto por documento, se o teor deste for diverso do que se consignou como facto provado.

2 - O trânsito da sentença só ocorre depois de esgotados todos os meios de reação legalmente previstos ou o decurso do respetivo prazo, designadamente, a interposição de recurso nos termos gerais ou excecionais, mesmo que não admissível, a reclamação do despacho de não admissão do recurso, o pedido de reforma ou a arguição de nulidades.

3 – Tendo a parte interposto recurso de revista do acórdão da Relação que confirmou a sentença da 1ª instância e apresentado reclamação do despacho que não o admitiu, para o Supremo Tribunal de Justiça, que a desatendeu, o trânsito em julgado ocorre no décimo dia posterior ao da notificação desta decisão, caso não seja apresentada reclamação para a conferência, nos termos dos arts. 643º, nº 4 e 652º, nº 3 do CPC.

4 – O pagamento das retribuições intercalares previstas no art. 390º, nº 1 do Código do Trabalho, inclui a retribuição do período de férias e os subsídios de férias e de Natal respetivos.

5 - No caso previsto na alínea b) do mesmo preceito, da ação não ter sido proposta nos 30 dias subsequentes ao despedimento, o subsídio de desemprego a deduzir, nos termos do art. 390º, nº 2, al. c) do Código do Trabalho é unicamente o atribuído ao trabalhador no período em que a entidade empregadora está obrigada a pagar as retribuições intercalares e não o que foi atribuído desde o despedimento.


6 – A interpretação dos arts. 390º do Código do Trabalho e 628º do Código de Processo Civil, nos termos anteriormente consignados, não viola o princípio da segurança jurídica, nem os princípios constitucionais da igualdade e do acesso ao direito ínsitos nos arts. 13º, 20º e 59º das Constituição da República Portuguesa.

II. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"Como se vê pelas alegações que produziu na apelação, a A. ali recorrente discordou da decisão da 1ª instância que consignara como provado, por reporte ao documento de fls. 691, que “entre 20/06/2012 – 30 dias anteriores à propositura da acção – e 01/09/2013 – data do fim da concessão do subsídio- a Autora auferiu a quantia de € 13.148,10, conforme informação prestada a fls. 691, pelo Instituto de Segurança Social”, por não corresponder à informação prestada pela Segurança Social e constante daquele documento, pedindo, em consequência, a modificação da decisão de facto.

Nos termos do art. 662º, nº 1 do CPC, “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.

Assim, tendo a prova daquele facto sido documental e sendo o teor do documento diverso do consignado nos factos provados, poderia e deveria a Relação proceder à atinente alteração.

Refira-se ainda que, tratando-se de documento junto aos autos, face ao disposto nos arts. 663º, nº 2 e 607º, nº 4 do CPC, o mesmo teria que ser considerado no acórdão, ainda que não tivesse sido pedida a alteração da decisão sobre a matéria de facto ou consignado o respetivo teor nos factos provados.

A Relação, na alteração introduzida, limitou-se a transcrever o que consta do documento.

Não se compreende, por isso, o alcance da seguinte afirmação produzida pela recorrente na pág. 17 das suas alegações: “desde logo se diga que esteve mal a Relação do … a conceder a alteração da matéria de facto, já que a Recorrida quando foi notificada do documento de fls. 691 dos autos, se dele não concordava, deveria ter feito uso do previsto no art.º 448 do C.P.C. aplicável ao caso em apreço por remissão, e ter impugnado o teor do mesmo, o que não o fez, e por conseguinte a Meritíssima Juiz da 1ª Instância mais não restou do que dar como provado o seu conteúdo, como resulta do art.º 372 e segs. do Cód. Civil a contrario sensu. Ademais, sempre se diga que a Recorrida ao não fazer uso do previsto no art.º 448 do C.P.C., tal significa que a Relação do … ao alterar a matéria de facto com base em tal documento de fls. 691 é um acto de tudo extemporâneo, e não deve ser atendido, face aos supra citados preceitos legais”.

Importa ainda referir que os poderes do Supremo Tribunal de Justiça são limitados «à apreciação da observância das regras de direito probatório material (denominada prova vinculada), ficando fora do seu âmbito de competência a reapreciação da matéria de facto fixada pela Relação no domínio da faculdade prevista no art.º 662.º do CPC, suportada em prova de livre apreciação e posta em crise apenas no âmbito da perceção e formulação do respetivo juízo de facto» ([Ac. do STJ (4ª secção) de 10.12.2015 (Melo Lima), proc. 2367/12.9TTLSB.L1.S1. No mesmo sentido cfr. também o acórdão deste mesmo tribunal e secção de 22.04.2015 (Melo Lima), proc. 822/08.4TTSNT.L1.S1]).

Como refere Teixeira de Sousa ([Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 1997, pág. 422.]) «O tribunal de revista está vinculado aos factos fixados pelo tribunal recorrido… Como consequência desta vinculação à matéria de facto apurada nas instâncias, o Supremo está adstrito a uma obrigação negativa: a de não poder alterar, salvo em casos excepcionais, essa matéria de facto… Estas vinculações implicam que o Supremo não pode controlar a apreciação da prova, porque uma vinculação à matéria de facto averiguada nas instâncias e uma proibição de a alterar conduzem necessariamente à impossibilidade (e também à desnecessidade) de controlar a sua apreciação. Em especial, o Supremo não pode controlar a prudente convicção das instâncias sobre a prova produzida pelas partes… A impossibilidade de conhecimento de matéria de facto pelo Supremo envolve igualmente a inadmissibilidade de controlo por este tribunal dos poderes inquisitórios ou instrutórios atribuídos às instâncias».

Dispõe, efetivamente, o art. 674º, nº 3 do CPC que “o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”.

Ora, não consta dos autos, nem tal é invocado pela recorrente, que na alteração da decisão da matéria de facto, a Relação tenha ofendido qualquer disposição legal que exija certa espécie de prova ou que fixe a força probatória de qualquer documento existente nos autos.

O documento em causa é uma informação prestada pela Segurança Social, sem valor de certidão, sendo certo que, como referimos, a alteração introduzida pela Relação foi no sentido da reprodução do conteúdo do documento.

Estamos no âmbito da prova de livre apreciação, matéria que escapa aos poderes sindicantes deste Supremo Tribunal, motivo pelo qual a revista improcede nesta parte."
 
[MTS]