"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



24/07/2017

Jurisprudência (669)


Competência internacional; Reg. 1215/2012;
incompetência absoluta; conhecimento oficioso


1. O sumário de RP 13/3/2017 (13923/16.6T8PRT.P1) é o seguinte;


I - A competência internacional dos tribunais portugueses para conhecer de determinado litígio de natureza laboral só se afere em função do artigo 10.º do CT, desde que não seja aplicável ao caso convenção de direito internacional.
 
II - O Regulamento (EU) n.º 1215/2012, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, aplicável em matéria civil e comercial, independentemente da natureza da jurisdição, regula a “Competência em matéria de contratos individuais de trabalho”, nos artigos 20.º a 23.º.
 
III - Tendo a Ré domicílio social em França e resultando do contrato de trabalho que o local da prestação do trabalho era em França, bem assim que o trabalhador foi contratado em França, deve concluir-se que os Tribunais portugueses não têm competência internacional para conhecer do presente litígio. O facto de o autor ser cidadão português e ter domicílio pessoal em Portugal não é suficiente para determinar a competência dos Tribunais Portugueses.
 
IV - A incompetência absoluta decorrente da violação das regras de competência internacional [art.º 96.º al. a), do CPC] é uma excepção dilatória que o Tribunal aprecia oficiosamente, devendo abster-se de conhecer do pedido e absolver o réu da instância [art.º 278.º 1, al. a), do CPC)].
 
V - Contudo, o mesmo Regulamento contém ainda normas que regulam a extensão de competência e, também, o conhecimento oficioso da competência internacional por parte dos Estados-Membros, em concreto, no que aqui importa, os artigos 26.º da Secção 7 (Extensão de Competência) e 28.º da SECÇÃO 8 (Verificação da competência e da admissibilidade).
 
VI - Da conjugação do artigo 28.º 1 com o art.º 26.º1, retira-se que o conhecimento oficioso em matéria de competência internacional, à luz das regras estabelecidas do Regulamento, nos casos em que o requerido domiciliado num Estado-Membro seja demandado no tribunal de outro Estado-Membro, apenas é permitido quando aquele não compareça em juízo ou quando comparecendo a sua intervenção no processo tenha tido como único objectivo a arguição da incompetência do Tribunal.
 
VII - A Ré foi citada em França, no seu domicílio social, e fez-se representar na audiência de partes por mandatário judicial, o qual apresentou procuração com poderes especiais. Como não se logrou alcançar a resolução do litígio por acordo, a Ré foi imediatamente notificada para contestar a acção sob cominação de se considerarem confessados os factos articulados pelo autor e ser proferida sentença como é de direito.
 
VIII - Não tendo a Ré contestado, para os efeitos do artigo 28.º/1 do Regulamento, compareceu em juízo e, logo, o juiz não podia declarar-se oficiosamente incompetente. Só o poderia fazer caso a Ré tivesse contestado e suscitado essa exceção, coisa que não fez.


2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"A incompetência absoluta decorrente da violação das regras de competência internacional [art.º 96.º al. a), do CPC] é uma excepção dilatória que o Tribunal aprecia oficiosamente, devendo abster-se de conhecer do pedido e absolver o réu da instância [art.º 278.º 1, al. a), do CPC)].

Aqui chegados, parecerá que assiste razão à recorrente. Contudo, assim, não acontece.

Com o efeito, o mesmo Regulamento contém ainda normas que regulam a extensão de competência e, também, o conhecimento oficioso da competência internacional por parte dos Estados-Membros, em concreto, no que aqui importa, os artigos 26.º da Secção 7 (Extensão de Competência) e 28.º da SECÇÃO 8 (Verificação da competência e da admissibilidade). Dispõe-se nos artigos em causa o seguinte:


Artigo 26.º 

1. Para além dos casos em que a competência resulte de outras disposições do presente regulamento, é competente o tribunal de um Estado-Membro no qual o requerido compareça. Esta regra não é aplicável se a comparência tiver como único objetivo arguir a incompetência ou se existir outro tribunal com competência exclusiva por força do artigo 24.º. (..).


Artigo 28.º 
1. Caso o requerido domiciliado num Estado-Membro seja demandado no tribunal de outro Estado-Membro e não compareça em juízo, o juiz deve declarar-se oficiosamente incompetente, salvo se a sua competência resultar do disposto no presente regulamento.

2. O tribunal suspende a instância enquanto não se verificar que foi dada ao requerido a oportunidade de receber o documento que iniciou a instância, ou documento equivalente, em tempo útil para providenciar pela sua defesa, ou enquanto não se verificar que foram efetuadas todas as diligências necessárias para o efeito.

3. É aplicável o artigo 19.º do Regulamento (CE) n.º 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de novembro de 2007, relativo à citação e à notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados-Membros (citação e notificação de atos) (15), em vez do n.º 2 do presente artigo, se o documento que iniciou a instância, ou documento equivalente, tiver sido transmitido por um Estado-Membro a outro por força daquele regulamento.

4. Caso não seja aplicável o Regulamento (CE) n.º 1393/2007, aplica-se o artigo 15.º da Convenção da Haia, de 15 de novembro de 1965, relativa à citação e à notificação no estrangeiro dos atos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial, se o documento que iniciou a instância, ou documento equivalente, tiver sido transmitido ao estrangeiro por força daquela convenção.

Têm aqui inteira aplicação o artigo 28.º, nomeadamente o seu n.º1, conjugado com o art.º 26.º n.º1, pelas razões que se referem no acórdão da Relação de Évora de 4-05-2006, [proc.º n.º 66/06-3, desembargador Bernardo Domingos, disponível em www.dgsi.pt], que embora reportando-se aos artigos 26.º/1 e 24.º/1 do Regulamento CE n.º 44/2001, são absolutamente transponíveis para o caso concreto. Melhor concretizando, aquele regulamento era igualmente relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial e, embora tenha sido revogado pelo Regulamento (UE) n.º 1215/2012, de 12 de Dezembro, a que nos vimos referindo, neste os artigos 28.º/1 e 26.º/1, têm inteira correspondência com aquelas normas a que se refere o aresto.

Avançando, escreve-se naquele acórdão o seguinte:

- « (..) O teor do art.º 26 é bem elucidativo quanto à necessidade de apreciação oficiosa por parte do tribunal dos diferentes critérios de conexão adoptados pelo Regulamento em matéria de competência internacional. Porém resulta absolutamente claro desse normativo que o conhecimento oficioso apenas é permitido nos casos em que o requerido/demandado não compareça (seja revel) ou quando comparecendo, a sua intervenção no processo tenha tido como único objectivo a arguição da incompetência do Tribunal – art.º 24º do Reg. E, no dizer de Dário Moura Vicente, estudo citado, pág. 371, «percebe-se que essa apreciação apenas seja oficiosa nos casos em que o requerido/demandado não compareça, porquanto o art.º 24 do Regulamento admite uma prorrogação ou extensão tácita da competência jurisdicional que o Direito português não prevê (cfr., e Conselheiro Neves Ribeiro, in (in "Processo Civil da União Europeia", pág. 94), preceituando que "para além dos casos em que a competência resulte de outras disposições do presente regulamento, é competente o tribunal de um Estado-Membro perante o qual o requerido compareça. Esta regra não é aplicável se a comparência tiver como único objectivo arguir a incompetência ou se existir outro tribunal com competência exclusiva por força do artigo 22.º".

Subscrevemos esta posição. Em suma, transpondo-a para o caso, da conjugação do artigo 28.º 1 com o art.º 26.º 1, retira-se que o conhecimento oficioso em matéria de competência internacional, à luz das regras estabelecidas do Regulamento, nos casos em que o requerido domiciliado num Estado-Membro seja demandado no tribunal de outro Estado-Membro, apenas é permitido quando aquele não compareça em juízo ou quando comparecendo a sua intervenção no processo tenha tido como único objectivo a arguição da incompetência do Tribunal.

Ora, no caso vertente a Ré foi citada em França, no seu domicílio social, e fez-se representar na audiência de partes por mandatário judicial, o qual apresentou procuração com poderes especiais “para confessar, desistir ou transigir em processo judicial e os de representação pessoal da Empresa em qualquer tentativa de conciliação ou audiência de partes em Tribunal do Trabalho”. Como não se logrou alcançar a resolução do litígio por acordo, a Ré foi imediatamente notificada para, “nos termos da al. a) do artigo 56º do Código do Processo de Trabalho, no prazo de dez dias, contestar, querendo a acção de que em devido tempo lhe foi remetido o respectivo duplicado da petição inicial, sob pena de, não o fazendo, se considerarem confessados os factos articulados pelo autor e ser proferida sentença como é de direito”.

No prazo legal a Ré não contestou, só vindo posteriormente insurgir-se contra a sentença através do presente recurso.

Por conseguinte, para os efeitos do artigo 28.º/1 do regulamento, a Ré compareceu em juízo e, logo, o juiz não podia declarar-se oficiosamente incompetente. Só o poderia fazer caso a Ré tivesse contestado e suscitado essa exceção, coisa que não fez."


[MTS]