Recurso; recurso imediato;
recurso autónomo
1. O sumário de RP 2/3/2017 (364/12.3TUGDM.P1) é o seguinte:
I - Tendo o Tribunal a quo julgado improcedente, no despacho saneador, a excepção da caducidade do direito de acção, a Ré deveria logo ter impugnado essa decisão em recurso imediato e autónomo.
II - Como assim não procedeu, só vindo agora impugná-la no recurso da sentença final, aquela decisão é insucesptível de recurso e, logo, transitou em julgado, nos termos do art.º 628.º do Código de Processo Civil.
III - Na Lei 100/97 - e do mesmo modo na actual Lei n.º 98/2009 de 04/9, aqui aplicável – não se exige que o acidente in itinere seja consequência de particular perigo de percurso normal ou de outras circunstâncias que agravem o risco do mesmo percurso.
IV - O evento que consistiu no facto da autora, quando se prestava a entrar no Centro Comercial onde exercia a sua actividade laboral ao serviço da entidade empregadora, ter sido agarrada pelas costas por um indivíduo com o propósito de lhe subtrair a carteira, que depois a empurrou provocando a sua queda no solo, em consequência da qual sofreu as lesões descritas nos autos, é qualificável como acidente de trabalho in itinere, nos termos do art.º 9.º n.º 1 al. a) e n.º 2, al. b), da lei 98/2009, de 04 de Setembro, assistindo-lhe o direito à reparação nos termos previstos nessa mesma Lei (art.º 2.º).
2. Na fundamentação do acórdão diz-se o seguinte:
"Nas conclusões 1 a 9 vem a recorrente sustentar a caducidade do direito de acção da autora, dizendo que faz essa alegação expressa em “seu benefício”.
Não se encontra nas conclusões, nem tão pouco nas alegações, qualquer referência ao facto de o tribunal ter apreciado e decidido essa questão logo no despacho saneador.
Com efeito, no despacho saneador o Tribunal a quo equaciona a questão, dizendo “[I]nvoca a ré C… Seguros, S.A. na sua contestação a caducidade do direito de ação da autora, dizendo que esta teve alta no dia 04/04/2013 e a tentativa de conciliação foi realizada em 23/10/2013, tendo a petição inicial dado entrada apenas em 17/10/2014, data em que já havia decorrido o prazo de um ano previsto no art.º 32.º, n.º 1 da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, contado a partir da primeira daquelas datas”, para depois proceder à sua apreciação, concluindo pela decisão seguinte:
- “julgo totalmente improcedente a exceção de caducidade invocada pela ré C… Seguros, S.A. na sua contestação”.
Coloca-se, pois, a questão de saber se aquela decisão pode ser impugnada no presente recurso da sentença que pôs termo à causa ou, pelo contrário, se deveria ter sido imediatamente impugnada, em recurso autónomo.
Se bem atentarmos no artigo 79.º A, do CPC, dele resulta uma clara distinção entre dois tipos de decisões: as sujeitas a impugnação imediata, previstas no n.º 1 e nas diversas alíneas do n.º2; e aquelas cuja impugnação é relegada para momento ulterior, mais precisamente, as restantes decisões, conforme refere o n.º 3, do mesmo artigo.
Como elucida o senhor Conselheiro Abrantes Geraldes, com as alterações introduzidas ao regime recursivo em processo civil pelo Decreto-Lei n.º303/07, de 24 de Agosto, a lei passou a admitir dois regimes diversos: as decisões que ponham termo ao processo e as decisões tipificadas no n.º 2 do art.º 79.º A do CPT são passíveis de recurso imediato, de tal modo que se este não for interposto dentro do prazo legal (20 ou 10 dias, nos termos do art.º 80.º n.ºs 1 e 2) formarão caso julgado material ou formal; as restantes decisões que sejam impugnáveis podem sê-lo juntamente com o recurso da decisão final (art.º 79.º n.º 3 do CPT) [Recursos no Processo do Trabalho, Almedina, Coimbra, 2010, pág. 33].
Não suscita qualquer dúvida que a decisão em causa não pôs termo ao processo.
Portanto, para que a decisão fosse imediatamente recorrível terá que enquadrar-se nas decisões tipificadas nas alíneas do n.º2, do art.º 79.º A. do CPT. E, se assim se concluir, não tendo a Ré recorrido imediatamente, tal significará que a mesma transitou em julgado, não sendo já recorrível.
Em suma, é essa a questão que se coloca.
O artigo 79.º A do CPT, foi introduzido com as alterações operadas ao Código de Processo do Trabalho através do Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13 de Outubro, as quais, como elucida o respectivo preâmbulo, visaram adequar a lei adjectiva às alterações introduzidas com a revisão do Código do Trabalho, pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, “e pela conformação de várias normas de processo do trabalho aos princípios orientadores da reforma processual civil, nomeadamente em matéria de recursos (..)”.
Em poucas palavras, o art.º 79.ºA visou harmonizar o regime de recursos laboral com a reforma dos recursos processuais civis efectuada pelo Decreto-lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto.
Em conformidade com o estabelecido no n.º2, al. i), do art.º 79.º A, cabe recurso de apelação imediato nos casos previstos nas alíneas ai indicadas do n.º2, do art.º 691.º do pretérito CPC, entre eles contando-se os previstos na alínea h), nomeadamente, do “Despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa”.
À luz desta norma entendia-se que o despacho saneador incide sobre o “mérito da causa”, entre outras situações, quando apreciasse “no sentido da procedência ou da improcedência, qualquer excepção peremptória, como a caducidade, a prescrição, a compensação, a nulidade ou a anulabilidade”, estando sujeito a recurso imediato [Abrantes Geraldes, op. cit., p. 42].
Mas como se sabe, o pretérito Código de Processo Civil foi revogado com a entrada em vigor do novo CPC, aprovado pela Lei 41/2013, de 26 de Junho, a qual ocorreu a 1 de Setembro de 2013 (art.º 8.º/Lei 41/2013).
E, como a presente acção foi instaurada após essa data, é este novo Código Processo Civil a lei adjectiva subsidiária aplicável aos casos omissos no Código do Processo do Trabalho, nos termos estabelecidos no art.º 1.º n.º2 deste diploma.
Ao artigo 691.º do pretérito CPC, para o qual remete o art.º 79.º A, do CPT, corresponde no novo CPC o artigo 644.º, com a epígrafe “Apelações Autónomas”, continuando a prever-se a possibilidade de recurso mediato do despacho saneador que “sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa “ [n.º 1 al. b)].
Mas acontece que o legislador não cuidou de alterar o artigo 79.º A, do CPT, de modo a assegurar que a remissão para o art.º 691.º do anterior CPC, passasse a ser feita expressamente para o art.º 644.º do actual CPC, o que suscita a questão de saber se a remissão feita para o art.º 691.º do CPC, deve ser entendida como dirigida ao correspondente artigo 644.º do actual CPC.
A situação não é inédita. As alterações ao regime recursivo introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto ao pretérito CPC, suscitaram igualmente dúvidas na sua aplicação subsidiária, posto que o legislador não procedeu à revogação expressa das normas do CPT que regulavam o regime de recursos, nem introduziu qualquer modificação expressa no regime dos recursos laborais. Referindo essa situação, observava Abrantes Geraldes que “(..) atenta a autonomia substancial e formal do processo do trabalho, na falta de clara indicação do legislador em sentido diverso, importava concluir, antes da revisão do processo do trabalho, que o regime dos recursos cíveis instituído pelo Dec. Lei n.º 303/07 não prejudicava a regulamentação que especificamente constava do CPT, a que prioritariamente deveria recorrer-se, revertendo para o CPC apenas em situação de lacuna legis” [Op. Cit., p. 12].
Como se deixou dito, ao introduzir o art.º 79.º A no CPT, com a revisão operada pelo DL 295/2009, o legislador pretendeu, para além do mais, harmonizar o regime de recursos laboral com o regime dos recursos processuais civis introduzidos pelo DL 303/2007. Foi esse propósito que levou à remissão feita na al. i), do n.º2, do artigo 79.ºA, para as diversas alíneas do artigo 691.º do CPC ali mencionadas, isto é, para todos esses casos previstos no CPC, pretendeu o legislador que também no domínio dos recursos em processo laboral, aquelas decisões fossem recorríveis de imediato.
É com base nesta ordem de considerações, particularmente nesta última, que vem sendo defendido que a remissão do art.º 79.º A, al. i), do CPT, para as alíneas que se especificam do n.º 2 do artigo 691.º, do CPC, deverá ter-se por efectuada agora, para as correspondentes alíneas do n.º 2 do actual artigo 644.º, que continuam a admitir o recurso autónomo deste tipo de decisões.
Entende-se, assim, que a norma deve ser interpretada numa perspectiva actualista que não a esvazie de conteúdo, significando isso, portanto, que a questão de saber se o recurso é admissível deve ser apreciada à luz do disposto no art.º 644º do CPC, designadamente, no que ao caso importa, atendendo ao disposto na al. b), do n.º1.
Debruçando-se sobre essa norma, António Abrantes Geraldes, na consideração de que o conceito de decisão que incida sobre o “mérito da causa”, embora actualmente não esteja delimitado na lei, se encontra definitivamente estabilizado sem necessidade de expressa consagração legal, defende que “pode asseverar-se que o despacho saneador incide sobre o mérito da causa (…) outrossim quando independentemente da solução dada ou da posterior evolução processual, nela se apreciem excepções peremptórias, como a caducidade (…)”, estando a decisão sujeita a recurso imediato [Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, p. 152].
Subscrevemos este entendimento, significado isso que tendo o Tribunal a quo julgado improcedente, no despacho saneador, a excepção da caducidade do direito de acção, a Ré deveria logo ter impugnado essa decisão em recurso imediato e autónomo.
Como assim não procedeu, só vindo agora impugná-la no recurso da sentença final, aquela decisão é insucesptível de recurso e, logo, transitou em julgado, nos termos do art.º 628.ºdo Código de Processo Civil.
Assim, quanto a esta questão rejeita-se a apreciação."
[MTS]