"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



14/07/2017

Jurisprudência (663)


Coligação; taxa de justiça


1. O sumário de RE 9/3/2017 (6311/13.8TBSTB-B.E1) é o seguinte:

I - A coligação subsequente do lado activo da demanda, ocorrida em virtude de incidente de intervenção deduzido por um dos réus, é em tudo semelhante à que poderia ocorrer por via de apensação de acções conexas, nos termos do artigo 267.º, n.º 1, do CPC, caso estivéssemos perante acções separadamente instauradas.

II - Em caso de coligação subsequente, a atribuição à causa do valor correspondente à soma de cada um dos pedidos formulados, por despacho transitado, não impede que na taxa de justiça devida por cada uma das partes, se atenda ao valor individual de cada pedido, e não à sua soma.

III - Consequentemente, pagando a ora Recorrente a taxa de justiça correspondente ao valor do pedido que formulou, não tem que efectuar o pagamento de qualquer complemento à mesma, motivado pelo aumento do valor da causa decorrente da referida coligação subsequente.
 

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"Dos autos decorre cristalinamente que o referido aumento do valor processual da causa não se deveu a qualquer actividade processual desenvolvida pela ora recorrente A... , cujo pedido se mantém exactamente o mesmo que havia formulado na petição inicial, relevando ainda salientar que tais pedidos não foram direccionados contra a autora por via de reconvenção em que tenha sido deduzido um pedido distinto, nos termos do artigo 530.º, n.º 2, do CPC, nem por qualquer forma a posição processual da mesma será atingida pela dedução dos pedidos formulados pelos intervenientes.

Efectivamente, a única conexão existente no caso que nos ocupa é o facto de todos os pedidos formulados terem a sua origem, ou causa de pedir, no mesmo evento da vida real: o acidente de viação que vitimou o segurado da ora Recorrente mediante contrato de seguro do ramo “acidentes de trabalho”. Porém, quer a autora quer cada um dos intervenientes pretendem fazer valer em juízo uma pretensão distinta e diferenciada relativamente à qual, apenas cada um deles e pela respectiva qualidade, tem legitimidade activa.

Assim, o ensinamento de Alberto dos Reis mantém plena actualidade no caso que nos ocupa. De facto, na situação vertente, apesar de a autora e os identificados intervenientes se encontrarem do lado activo da demanda não estão nessa posição «(..) para fazerem valer a mesma pretensão ou para formularem um pedido único, mas para fazerem valer, cada um deles, uma pretensão distinta e diferenciada», ocorrendo consequentemente uma «multiplicidade de pedidos e colectividade de litigantes» [In Comentário ao Código de Processo Civil, vol. III, Coimbra Editora, 1946, pág. 146]. Aproveitamos ainda as palavras do mesmo Ilustre Autor quando afirmou que «a coligação traduz-se praticamente na acumulação de acções conexas» [In Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 3.ª edição, reimpressão, Coimbra Editora, 1982, pág. 99], para nos reportarmos à razão pela qual afirmámos que concordávamos com a Recorrente quando refere que estamos perante um caso análogo à coligação.

Conforme ressalta do disposto nos artigos 36.º, n.º 1 e 37.º, n.ºs 1 e 4, do CPC, a coligação de autores talqualmente se mostra definida na lei é uma faculdade que estes podem usar no momento em que instauram a acção – daí termos referido, análoga à coligação inicial -, só sendo permitida quando se mostrem verificados os requisitos legais e, mesmo quando estes se encontrem preenchidos, pode o tribunal entender que há inconveniente grave em que as causas sejam discutidas e julgadas conjuntamente. 

Pretende-se assim reforçar a referida ideia de que estamos perante interesses individuais e, portanto, cindíveis. Daí a termos ilustrado com a citada frase do Ilustre Autor que salienta a similitude entre a coligação e a situação das acções conexas, isto porque, no caso vertente não estamos perante uma coligação inicial dos sujeitos processuais que se encontram nesta fase do processo do lado activo da demanda, mas sim de uma coligação subsequente ou sucessiva. Por isso que, esta coligação subsequente é em tudo semelhante à que poderia ocorrer por via de apensação de acções conexas, nos termos do artigo 267.º, n.º 1, do CPC, caso estivéssemos perante acções separadamente instauradas pela ora Recorrente, pelos herdeiros da falecida vítima, e pelo Centro Hospitalar, e cuja apensação fosse determinada.

Ora, nessa situação dúvidas não existiriam de que, tendo cada um dos autores efectuado o pagamento da taxa de justiça devida no momento oportuno, caso fosse determinada a apensação de cada uma das acções, aqueles não seriam notificados para procederem ao pagamento de qualquer taxa de justiça complementar, isto porquanto, «apesar da unificação da tramitação, as acções mantêm a sua autonomia para os demais efeitos, designadamente no que tange à determinação em cada uma do seu valor, a fixar no momento oportuno» [Cfr. o recente Acórdão deste TRE de 30-11-2016, proferido no processo n.º 620/06.0TBABF.E1, disponível em www.dgsi.pt]
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Caso paralelo ao presente podemos encontrar na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que sucessivamente tem vindo a afirmar que «traduzindo-se a coligação voluntária ativa na cumulação de várias ações conexas, que não perdem a respetiva individualidade, para aferição dos requisitos de recorribilidade, há que atender ao valor de cada um dos pedidos e não à sua soma» [Cfr. a título exemplificativo o Ac. STJ de 01-09-2016, processo n.º 2653/13.0TTLSB.L1.S1, no sentido já anteriormente expresso no Ac. STJ de 18-12-2012, processo n.º 352/07.1TBALQ.L1.S1, disponíveis em www.dgsi.pt.].

Aplicando-se as sobreditas considerações ao caso presente, atentos os indicados princípios e preceitos legais, urge concluir que, a actividade processual desencadeada pela ora Recorrente, corresponde apenas ao valor do respectivo pedido, sendo absolutamente desproporcional que seja obrigada a pagar qualquer acréscimo de taxa de justiça, pela actividade processual desencadeada pelos intervenientes no processo, porquanto não só tal actividade não corresponde ao respectivo impulso processual, como contra si não foi deduzido pedido reconvencional. Consequentemente, pagando a ora Recorrente a taxa de justiça correspondente ao valor do pedido que formulou, não tem que efectuar o pagamento de qualquer complemento à mesma, motivado pelo aumento do valor da causa decorrente da referida coligação subsequente.

Tudo para dizer que, em caso de coligação subsequente, a atribuição à causa do valor correspondente à soma de cada um dos pedidos formulados, por despacho transitado, não impede que na taxa de justiça devida por cada uma das partes, se atenda ao valor individual de cada pedido, e não à sua soma."


[MTS]