"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



31/12/2018

 

2019

 
O Blog do IPPC deseja a todos os seus Leitores e Subscritores um Feliz Ano Novo.


Informação (239)


Custas processuais


Os art. 182.º e 183.º L 71/2018, de 31/12 (Orçamento do Estado para 2019) dispõem o seguinte:

Artigo 182.º
Valor das custas processuais

Em 2019, mantém-se a suspensão da atualização automática da unidade de conta processual (UC) prevista no n.º 2 do artigo 5.º do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, continuando em vigor o valor das custas vigente em 2018.

Artigo 183.º
Custas de parte de entidades e serviços públicos

As quantias arrecadadas pelas entidades e serviços públicos ao abrigo da alínea d) do n.º 2 e do n.º 3 do artigo 25.º, e da alínea c) do n.º 3 do artigo 26.º do Regulamento das Custas Processuais, que sejam devidas pela respetiva representação em juízo por licenciado em direito ou em solicitadoria com funções de apoio jurídico, constituem receita própria para os efeitos previstos nos respetivos diplomas orgânicos.


29/12/2018

Bibliografia (757)


-- van Rhee, C. H., Case Management in Europe: a Modern Approach to Civil Litigation, IJPL 8 (2018), 65

 

28/12/2018

Legislação (144)


-- DL 121/2018, de 28/12: Altera o Regime Jurídico da Urbanização e Edificação


Comentário ao Acórdão da Relação de Lisboa de 11 de setembro de 2018




[Para aceder ao texto clicar em Salvador da Costa]


Bibliografia (Índices de revistas) (119)

Jurisprudência 2018 (144)


Insolvência; Reg. 1346/2000;
efeitos; acções declarativas


1. O sumário de STJ 12/7/2018 (2153/08.0TVLSB.L1.S1) é o seguinte:

I - O Regulamento (CE) n.º 1346/2000, relativo aos processos de insolvência, que entrou em vigor em 31-05-2002 (art. 47.º), foi sujeito a um processo de revisão, em resultado do qual foi aprovado o Regulamento (UE) n.º 848/2015, de 20-05-2015. Porém, tendo este último entrado em vigor em 26-06-2017 (art. 92.º) e sendo apenas aplicável aos processos de insolvência abertos depois desta data (art. 84.º, n.os 1 e 2), aos processos de insolvência abertos em data anterior continua a ser aplicável o Regulamento (CE) n.º 1346/2000.

II - Os Regulamentos Comunitários referidos em I contêm, essencialmente, normas de Direito Internacional Privado, pelo que, não regulando os mesmos o processo de insolvência, os tribunais de cada Estado-membro continuam a aplicar o direito processual interno às insolvências internacionais.

III - Em regra, a lei aplicável ao processo de insolvência e aos seus efeitos sobre as acções individuais executivas é a lei do Estado-membro em cujo território é aberto o processo –
lex fori concursus –, contudo, o Regulamento (CE) n.º 1346/2000 prevê excepções a essa regra geral (arts. 4.º e 5.º a 15.º); uma dessas excepções é a relativa aos efeitos do processo de insolvência nas acções declarativas pendentes relativas a um bem ou um direito de cuja administração ou disposição o devedor esteja inibido, os quais se regem exclusivamente pela lei do Estado-membro em que a referida acção se encontra pendente – lex fori processus (arts. 4.º, n.º 2, al. f), e 15.º).

IV - Em conformidade com o decidido pelo TJUE, em sede de reenvio prejudicial, suscitado no presente processo, “
O artigo 15.º do Regulamento (CE) n.º 1346/2000 do Conselho, de 29 de Maio de 2000, relativo aos processos de insolvência, deve ser interpretado no sentido de que se aplica a uma ação pendente num órgão jurisdicional de um Estado-Membro que tenha por objeto a condenação de um devedor no pagamento de uma quantia pecuniária, devida por força de um contrato de prestação de serviços, e de uma indemnização pecuniária por incumprimento da mesma obrigação contratual, no caso de este devedor ter sido declarado insolvente num processo de insolvência aberto noutro Estado-Membro e de esta declaração de insolvência abranger todo o património do referido devedor.”

V - De acordo com o entendimento do TJUE apenas os processos de execução estão excluídos do âmbito de aplicação do citado art. 15.º, estando por ele abrangidas as acções declarativas que tenham por objecto o reconhecimento de um direito de crédito, sem implicarem a sua cobrança coerciva, posto que estas não são susceptíveis de pôr em causa o princípio da igualdade do tratamento dos credores, nem a resolução colectiva do processo.

VI - Estando em causa os efeitos da declaração de insolvência, decretada pelo Tribunal de um Estado-Membro estrangeiro (no caso, do Luxemburgo), sobre a presente acção, pendente aquando da declaração da insolvência, que tem por objecto o reconhecimento de um direito de crédito, é aplicável o direito português.

VII - Não tendo ficado provado que o regime jurídico luxemburguês da insolvência careça de garantias quanto à possibilidade de reclamação e à tutela do crédito do autor, valem aqui as razões justificativas do AUJ n.º 1/2014, pelo que, a declaração de insolvência da ré pelo Tribunal do Comércio do Luxemburgo tem como consequência a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, da acção que se encontrava pendente.

VIII - Em consequência de VII, a orientação do STJ expressa no AUJ n.º 1/2014 – quando aplicável quer a insolvência tenha sido decretada por um tribunal português, quer por um tribunal estrangeiro – não viola o princípio da igualdade, nem o do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva, não padecendo, como tal, de inconstitucionalidade.

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"6.2. [...] a redacção do artigo 15º do Regulamento nº 1346/2000, ao referir-se a "acção pendente relativa a um bem ou um direito de cuja administração ou disposição o devedor está inibido", suscitou a dúvida de saber se no seu âmbito se inclui acção pendente, como a dos autos, num tribunal de um Estado-Membro para reconhecimento de obrigação de pagamento de quantia pecuniária devida por contrato de prestação de serviços e para condenação ao pagamento de indemnização pecuniária por incumprimento da mesma obrigação. [...] 

Tendo em conta que: (i) a resolução desta dúvida interpretativa se apresenta como essencial para o conhecimento do presente recurso; (ii) que os escassos elementos disponíveis (tanto doutrinais como jurisprudenciais, como ainda relativos ao processo de elaboração do Regulamento nº 1346/2000 e do Regulamento nº 848/2015) não permitem resolvê-la; (iii) e que as diversas versões em diferentes línguas do Regulamento nº 1346/2000 mais acentuam essa dúvida, após notificação das partes, decidiu-se, por despacho da relatora de fls. 4732: 

a) “Suscitar perante o Tribunal de Justiça da União Europeia, nos termos do artigo 267º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, a seguinte questão prejudicial:

Deve a regra do artigo 15º do Regulamento (CE) nº 1346/2000, de 29 de Maio, ser interpretada no sentido de incluir na sua previsão uma acção pendente num tribunal de um Estado-Membro para condenação de devedor na obrigação de pagamento de quantia pecuniária, devida por contrato de prestação de serviços, e condenação ao pagamento de indemnização pecuniária por incumprimento da mesma obrigação, tendo em conta que: (i) o devedor foi declarado insolvente em processo aberto num tribunal de outro Estado-Membro; e (ii) a declaração de insolvência abrange todo o património do devedor? 

b) Declarar a suspensão da instância, nos termos do artigo 269º, nº 1, alínea c), e do artigo 272º, ambos do Código de Processo Civil, até à resolução da questão prejudicial enunciada.” 

6.3. Em resposta a esta questão prejudicial, o Tribunal de Justiça da União Europeia proferiu acórdão, em 06/06/2018 (no processo C-250/17), com a seguinte decisão: 

“O artigo 15.° do Regulamento (CE) n.° 1346/2000 do Conselho, de 29 de maio de 2000, relativo aos processos de insolvência, deve ser interpretado no sentido de que se aplica a uma ação pendente num órgão jurisdicional de um Estado-Membro que tenha por objeto a condenação de um devedor no pagamento de uma quantia pecuniária, devida por força de um contrato de prestação de serviços, e de uma indemnização pecuniária por incumprimento da mesma obrigação contratual, no caso de este devedor ter sido declarado insolvente num processo de insolvência aberto noutro Estado-Membro e de esta declaração de insolvência abranger todo o património do referido devedor.” 

Para além da decisão, há que ter presente a advertência feita no ponto 34 da fundamentação do Acórdão do Tribunal de Justiça (para cuja compreensão importa transcrever também os pontos 28 a 33 da mesma): 

“28    Resulta das considerações precedentes que o âmbito de aplicação do artigo 15.° do Regulamento n.° 1346/2000 não pode ser circunscrito apenas às ações pendentes que tenham por objeto um bem ou um direito determinado de cuja administração ou disposição o devedor esteja inibido.

29      No entanto, importa precisar que este artigo não pode ser indistintamente aplicado a todas as ações pendentes que tenham por objeto um bem ou um direito que integra a massa insolvente.

30     Como já foi salientado pelo Tribunal de Justiça, seria contraditório interpretar o artigo 15.° do Regulamento n.° 1346/2000 no sentido de que abrange igualmente os processos de execução, com a consequência de que os efeitos da abertura de um processo de insolvência ficariam sob a alçada da lei do Estado‑Membro em que esse processo de execução está pendente, ao passo que, em paralelo, o artigo 20.°, n.° 1, deste regulamento, ao impor expressamente a restituição ao síndico daquilo que tiver sido obtido «com caráter executório», retiraria, assim, ao artigo 15.° o seu efeito útil (Acórdão de 9 de novembro de 2016, ENEFI, C‑212/15, EU:C:2016:841, n.° 34).

31     Além disso, o Regulamento n.° 1346/2000 assenta no princípio segundo o qual a exigência de igualdade de tratamento dos credores, que está subjacente, mutatis mutandis, a qualquer processo de insolvência, se opõe, regra geral, às ações singulares através de processos de execução, desencadeados e tramitados na pendência de um processo de insolvência contra o devedor (Acórdão de 9 de novembro de 2016, ENEFI, C‑212/15, EU:C:2016:841, n.° 33).

32      Consequentemente, há que considerar que os processos de execução não estão abrangidos pelo âmbito de aplicação do artigo 15.° do Regulamento n.° 1346/2000 (Acórdão de 9 de novembro de 2016, ENEFI, C‑212/15, EU:C:2016:841, n.° 35).

33       No entanto, as ações declarativas de obrigações pecuniárias que se limitem a determinar os direitos e as obrigações do devedor, sem implicar a sua realização, e que, por conseguinte, contrariamente às ações individuais de execução, não são suscetíveis de pôr em causa o princípio da igualdade de tratamento dos credores nem a resolução coletiva do processo de insolvência, estão abrangidas pelo âmbito de aplicação do referido artigo 15.º

34       Assim, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, antes de aplicar o artigo 15.° do Regulamento n.° 1346/2000, se a ação de AA é uma ação sobre o mérito que tem precisamente por objeto um pedido de pagamento de um crédito e se a mesma se distingue, enquanto tal, do processo que visa a cobrança coerciva deste crédito.” 

Dando cumprimento a esta advertência, confirma-se que, tendo a presente acção natureza declarativa, nela não está em causa a cobrança coerciva do crédito invocado pelo A., mas apenas a pretensão de reconhecimento deste direito do A. (pedido a)), com a consequente pretensão de condenação da R. devedora no pagamento de indemnização pelo não cumprimento da obrigação a que se encontra adstrita (pedidos b) e c)).

Deste modo, conclui-se ser aplicável ao caso dos autos o regime do artigo 15º do Regulamento nº 1346/2000, que determina que os efeitos da declaração de insolvência da R. devedora se regem pelo direito do Estado-Membro em que a referida acção se encontra pendente, isto é, pelo direito português.

7. Tendo-se concluído pela aplicação do direito português, importa conhecer da questão subsidiária de saber se, à luz deste direito, a declaração de insolvência da R. deve produzir o efeito da inutilidade superveniente da presente lide, tendo em conta que a mesma foi decretada por Tribunal do Luxemburgo. 

O acórdão da Relação apreciou a questão nos seguintes termos desenvolvidos, que se subscrevem: 

Vejamos, agora, a questão da inutilidade superveniente da lide. 

A remissão para a lei portuguesa implica a aplicação do regime da insolvência inserto no CIRE, nos artigos 275.º a 296.º.

Destacando-se, desde logo, o artigo 275.º, donde resulta a prevalência do Regulamento sobre as normas internas, prescrevendo expressamente o artigo 285.º do CIRE quanto às ações pendentes de modo idêntico ao artigo 15.º do Regulamento (“Os efeitos da declaração de insolvência sobre as acção pendente relativa a um bem ou um direito integrante da massa insolvente regem-se exclusivamente pela lei do Estado em que a referida acção corra os seus termos.”).

O CIRE estabelece nos artigos 85.º a 89.º os efeitos processuais da declaração de insolvência.

O artigo 85.º regula os efeitos da declaração de insolvência sobre as ações pendentes, mas apenas na perspetiva da sua apensação ao processo de insolvência (em que situações ocorre a apensação e como se despoleta a ordem de apensação), prescrevendo, ainda, que quer as ações sejam apensadas ou não ao processo de insolvência, nas mesmas, o insolvente é substituído pelo administrador da insolvência (n.º 3 do preceito).

O que significa que o preceito não regula diretamente o destino das ações pendentes que não sejam apensadas ao processo de insolvência, por não se encontrarem preenchidos os pressupostos da apensação.

Quanto tal situação se verificar (tenha a insolvência sido decretada por um tribunal português ou por um tribunal de algum dos Estados-Membros), coloca-se efetivamente a questão da inutilidade superveniente da lide relativamente a essas ações.

Esta questão foi motivo de controvérsia jurisprudencial e foi objeto de uniformização de jurisprudência através do acórdão uniformizador n.º 1/2014, lavrado em 08/05/2013, aplicado na decisão recorrida, nos seguintes termos: “Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art. 287.º do C.P.C.” 

Os fundamentos subjacentes a tal uniformização reconduzem-se, no essencial, à aplicação do regime que emerge dos artigos 1.º, 46.º, n.º1, 47.º, n.º 1, 90.º, 128.º, n.ºs 1 e 3, 129.º, 130.º,n.º 1 e 139.º, todos do CIRE, do qual resulta o princípio que rege esta matéria – o da plenitude da instância falimentar.

Assim, declarada a insolvência, todos os titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração, são considerados credores da insolvência, aí exercendo os seus direitos em conformidade com as referidas normas falimentares, carecendo de ali reclamarem os seus créditos independentemente dos mesmos estarem reconhecidos judicialmente noutro processo, razão pela qual os processos onde se discutem questões relativas a dívidas do insolvente, perdem a sua utilidade.

A obtenção de uma decisão condenatória no processo declarativo, com consequente obtenção de título executivo, só forma caso julgado material quanto às partes da ação declarativa, donde resulta que, não obstante tenha havido reconhecimento judicial do crédito, sempre carece de ser reclamado no processo de insolvência se nele o credor quiser obter pagamento (artigo 128.º, n.º 3, do CIRE), podendo sempre ser impugnado por qualquer interessado, conforme decorre do artigo 130.º do CIRE.

A jurisprudência uniformizadora reporta-se apenas às ações destinadas a obter o reconhecimento de créditos, isto é, aquelas em que se discutem direitos de natureza patrimonial sobre o insolvente.

A natureza da insolvência como processo universal, o princípio da universalidade (todos os créditos são reclamados na insolvência por todos os credores), o princípio par conditio creditorium, como emanação do princípio da igualdade, em conexão com o princípio do contraditório vigente no processo insolvencial, visto na perspetiva de processo-liquidação, determinam a solução acolhida, conduzindo à inutilidade superveniente da lide dos processos declarativos pendentes à data da declaração de insolvência.

A inutilidade superveniente da lide, conforme tem sido assinalado pela doutrina, verifica-se quando circunstâncias acidentais/anormais determinem o desinteresse na solução do litígio pendente, ou seja, “[q]uando em virtude de novos factos ocorridos na pendência do processo, a decisão a proferir já não possa ter qualquer efeito útil, ou porque não é possível dar satisfação à pretensão que o demandante quer fazer valer no processo, ou porque o escopo visado com a acção foi atingido por outro meio.”" 

[MTS]



27/12/2018

Jurisprudência 2018 (143)


Prova documental; junção de documentos;
taxa sancionatória excepcional


1. O sumário de RL 25/9/2018 (744/11.1TBFUN-D.L1-1) é o seguinte:

I. O art.º 423º do CPC regula tão só e apenas o direito que assiste às partes de fazerem juntar ao processo documentos, independentemente da sua pertinência, da sua relevância e da apreciação do seu valor probatório;

II. Ele não invalida que a junção dos mesmos documentos possa ser ordenada pelo juiz ao abrigo dos poderes inquisitoriais previsto no art.º 411º do CPC;

III. É, aliás, essa possibilidade que afasta eventuais objecções de inconstitucionalidade, por violação da garantia do processo equitativo (fair trial), da norma do nº 3 do art.º 423º do CPC;

IV. As circunstâncias que tornam admissível a apresentação de documentos depois dos 20 dias que antecedem a audiência final têm de ser alegadas e provadas pela parte que pretende a junção do documento;

V. A impossibilidade da prévia apresentação haverá de ser apreciada segundo critérios objectivos e de acordo com padrões de normal diligência;

VI. A necessidade de apresentação deve surgir de uma circunstância posterior, ou seja, de uma circunstância que ocorra depois do vigésimo dia anterior à audiência final;

VII. O grau dessa necessidade não tem de ser significativo, bastando que a apresentação do documento se revele útil como meio de prova;

VIII. A ocorrência posterior deve ser relacionada com a dinâmica do desenvolvimento do próprio processo, designadamente tendo em vista a dialéctica que se desenvolve durante o processo de produção de prova no julgamento da causa, e consistirá, na generalidade dos casos, na revelação de factos instrumentais, complementares ou concretizadores;

IX. É passível de taxa sancionatória excepcional a conduta do recorrente que imputa à mesma decisão impugnada de forma manifestamente infundada plúrimos vícios – nulidade, falta de fundamentação, inconstitucionalidade – dando azo a um desnecessário acréscimo de complexidade do recurso com o consequente desperdício dos meios alocados ao tribunal.

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"O actual regime da prova através de documentos mantém a maioria dos seus traços essenciais que já vinham do anterior CPC. Assim, os documentos devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes (art.º 523º, nº 1, do CPC; art.º 423º, nº 1, do NCPC), na prestação de depoimento de parte esta pode socorrer-se de documentos para responder às perguntas (art.º 561º, nº 2, do CPC; art.º 461º, nº 2, do NCPC); igualmente as testemunhas podem apresentar documentos destinados a corroborar o seu depoimento, só sendo recebidos e juntos aos processo os documentos que a parte respectiva não pudesse ter oferecido (art.º 638º, nºs 6 e 7 do CPC; art.º 516º, nºs 6 e 7 do NCPC).

Onde os dois diplomas divergem é nas consequências da não apresentação do documento com o articulado em que são alegados os factos correspondentes.

No anterior CPC permitia-se que os documentos fossem incondicionalmente apresentados até ao encerramento da discussão em 1ª instância, embora a parte fosse sujeita a multa não provando que não tinha podido oferecer o documento com o articulado (art.º 523º, nº 2).

No NCPC os documentos só podem ser incondicionalmente apresentados até 20 dias da data da audiência final, embora o apresentante fique sujeito a multa se não provar que os não pode oferecer com o articulado; depois daquele limite temporal (20 dias antes da audiência) só são admissíveis os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento e aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior (art.º 423º, nºs 2 e 3).

Este regime mais restritivo de admissão de documentos a partir do vigésimo dia anterior à audiência final constitui, em nosso modo de ver, uma alteração legislativa contraproducente, quer porque não é apta a alcançar o resultado pretendido quer porque, fundamentalmente, contende com princípios estruturantes do processo judicial.

Visou-se com tal alteração legislativa, segundo o expresso na correspondente exposição de motivos, disciplinar a produção de prova, assegurando-se o oportuno contraditório e obviando a intuitos exclusivamente dilatórios. Ou seja, pretendia-se eliminar a possibilidade de retardar o encerramento da discussão da causa mediante a apresentação de documentos em plena audiência de julgamento, levando à necessidade de conceder prazo à parte contrária para se pronunciar sobre o documento.

Mas ao eliminar essa possibilidade (que o legislador não demonstrou que fosse um expediente dilatório de uso relevante, e que a nossa experiência não identifica como tal) o legislador veio criar maiores dificuldades e constrangimentos processuais do que aqueles que pretendeu afastar.

Em vez da sumária alegação, prova e decisão sobre a verificação do fundamento para a não aplicação da multa, tem agora o tribunal de se confrontar com as questões da contagem do prazo de ‘20 dias antes da data em que se realize a audiência final’ (da data inicialmente marcada, da data em que efectivamente se realizou, da data da 1ª sessão ou de diversas sessões se a elas houver lugar?) e com a dedução de incidentes de alegação e demonstração de que a apresentação não foi possível em momento anterior ou de que a apresentação se tornou necessária em virtude de ocorrência posterior (e como definir essa necessidade e a sua causa), e a consequente dedução do correspondente procedimento incidental [...], bem como a proliferação de recursos quanto à aplicação desse regime [...].

Por outro lado a inadmissibilidade de apresentação de prova documental depois dos 20 dias que antecedem a data da audiência final contende com a garantia do processo equitativo decorrente do art.º 20º, nº 4, da Constituição da República e 6º, nº 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

Segundo a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem a garantia de processo equitativo (‘fair trial’) coloca o tribunal sob o dever de levar a cabo um exame aprofundado dos pedidos, fundamentos e provas aduzidos pelas partes; e se se reconhece uma larga margem de apreciação aos legisladores e tribunais nacionais para estabelecerem as regras de admissibilidade e apreciação das provas, não se deixa de afirmar que as restrições à apresentação de provas não podem ser arbitrárias ou desproporcionadas, antes têm de ser consistentes com a exigência de julgamento equitativo e que sempre se deve exigir que o procedimento na sua globalidade, incluindo os aspectos relativos à admissibilidade das provas, seja equitativo [...]. E nesse sentido haverá de interpretar-se, também, o disposto no art. 20º, nº 4, da Constituição da República por força do disposto no art.º 16º, nº 2, do mesmo diploma.

A regra da não admissão de prova documental após o vigésimo dia anterior à audiência final, baseada apenas nesse limite temporal, pode, assim, levantar questões de conformidade com o princípio do processo equitativo (em particular quando o documento cuja junção se pretende seja relevante para o apuramento dos factos).

Se as primeiras apontadas situações se situam no campo das opções legislativas que, ainda que contraproducentes ou incorrectas, devem os tribunais respeitar, já o mesmo não acontece no caso da última referida situação, por estarem em causa direitos fundamentais, devendo os tribunais interpretar os normativos em causa em conformidade com os direitos fundamentais ou, mesmo, recusar a aplicação dos mesmos.

Segundo o n.º 3 do art.º 423º do CPC, após o vigésimo dia anterior à audiência final a parte só é admitida a apresentar documento cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento ou se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.

Desde logo haverá de ter em conta que o referido art.º 423º regula tão só e apenas a possibilidade de apresentação de documentos pelas partes; ou seja, o direito que assiste às partes de fazerem juntar ao processo documentos, independentemente da sua pertinência, da sua relevância e da apreciação do seu valor probatório.

Tratando-se as apontadas circunstâncias de excepções à regra da proibição de apresentação de documentos, sendo por conseguinte constitutivas da possibilidade dessa apresentação, têm as mesmas de ser alegadas e demonstradas pela parte que requer a junção do documento depois de ultrapassado aquele limite temporal.

A impossibilidade da prévia apresentação haverá de ser apreciada segundo critérios objectivos e de acordo com padrões de normal diligência, que será aquela para que aponta o art.º 487º do CCiv – a diligência de um bom de família em face das circunstâncias do caso [...].

Já a junção ter-se tornado necessária em virtude de ocorrência posterior se afigura de mais problemática definição, designadamente por ser susceptível de abranger plúrimas e diversificadas situações.

De qualquer forma essa circunstância é integrada por um elemento factual bem definido: a necessidade de apresentação deve surgir de uma circunstância posterior, ou seja, de uma circunstância que ocorra depois do vigésimo dia anterior à audiência final. O normativo em causa não é susceptível de aplicação se a necessidade de apresentação do documento já se verificava anteriormente àquela data.

Continuando na tentativa de definir o conteúdo do conceito legal em causa – necessidade em virtude de ocorrência posterior – dir-se-á que o grau dessa necessidade não tem de ser significativo, uma vez que da economia do preceito legal não se descortina uma especial intenção de reforçada excepcionalidade; não é necessário que o documento cuja junção se pretende seja o único (ou principal) meio de prova, bastando que a apresentação do documento se revele útil como meio de prova. Nesse sentido afigura-se-nos ocorrer equivalência entre necessidade e utilidade.

A ocorrência posterior deve ser relacionada com a dinâmica do desenvolvimento do próprio processo, designadamente tendo em vista a dialéctica que se desenvolve durante o processo de produção de prova no julgamento da causa (relativamente a alterações factuais exteriores ao processo a forma adequada de as tornar relevantes é a dedução de articulado superveniente, não se levantando aí qualquer problemática quanto à possibilidade de com esse articulado se apresentarem os correspondentes documentos). E nesse conspecto haverá de ter em conta o regime legal relativamente ao apuramento dos factos relevantes.

As partes apenas estão adstritas à alegação dos factos essenciais (artigos 5º, nº 1, 552º, nº 1, al. d), e 572º, al. c), do NCPC); mas o tribunal, para além desses, pode considerar os factos instrumentais e complementares ou concretizadores que resultem da discussão da causa (art.º 5º, nº 2, do NCPC). Ora será aquando da revelação desses factos decorrentes da produção de prova na audiência que poderá surgir a necessidade, no apontado sentido de utilidade, de confirmação desses factos mediante prova documental. E a essa situação se reportará, na generalidade dos casos, o conceito de ocorrência posterior.

Apreciando em concreto as situações em causa nos autos:

Os Réus alegaram, com facto essencial de excepção que invocam, que estavam impedidos de usar o locado porquanto a Autora não havia procedido à instalação de um sistema de extracção de gases. Competiria aos Réus a prova desse facto; mas assiste também à Autora a faculdade de fazer contraprova. No exercício dessa faculdade a Autora afirmou ter mandado proceder a expensas suas à instalação do sistema de extracção de gases. Esse depoimento, que é uma ocorrência posterior, fez surgir a utilidade da sua comprovação por documento, em particular a factura/recibo pela execução desses trabalhos. 

Os Réus alegaram, mais genericamente, que o imóvel arrendado não se encontrava apto para os fins do arrendamento. No exercício da sua faculdade de contraprova a Autora indicou testemunha que no seu depoimento referiu ter sido concedida licença de utilização ao imóvel de que o arrendado constitui fracção autónoma, atribuindo a essa fracção autónoma uma utilização para bar e restauração. A invocação dessa licença de utilização é uma ocorrência posterior que fez surgir a utilidade da sua apresentação.

Do que decorre estarem, no caso, preenchidos os requisitos do art.º 423º, nº 3, do NCPC para a admissibilidade da junção dos apontados documentos, não se descortinando erro de julgamento nas decisões que ordenaram a respectiva junção.

Mas ainda que tal se não verificasse, ainda assim não estava excluída de todo a possibilidade de junção de tais documentos, uma vez que para além do direito/ónus das partes a apresentarem documentos, impende sobre o juiz o poder/dever de, quantos aos factos que lhe é lícito conhecer – factos notórios, essenciais alegados, instrumentais, complementares e concretizadores desses - promover todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio (art.º 411º do NCPC). Não estaria, pois, descartada a possibilidade de ser ordenada a junção desses documentos por o juiz da causa entender que os mesmos se mostravam relevantes para o julgamento da causa (sendo que essa actividade do juiz corresponde, em nosso modo de ver, ao uso legal de um poder discricionário, pelo que das correspondentes decisões não cabe recurso – art.º 630º, nº 1, do CPC).

Vem esta consideração a propósito da questão da constitucionalidade da solução normativa estabelecida no nº 3 do art.º 423º do NCPC, na sequência do que acima foi expendido, e para afirmar que é esse poder inquisitorial do juiz que faz em abstracto (e sem prejuízo de apreciação casuística) de contraponto às eventuais áreas de iniquidade eventualmente originadas pelo nº 3 do art.º 423º do NCPC, afastando as objecções de legitimidade constitucional.

Por seu turno os Recorrente invocam a inconstitucionalidade da interpretação normativa aplicada no caso por violação dos artigos 20º, 204º e 205º da Constituição.

Ocorre, porém, que não específica a violação da lei constitucional que invoca, sendo que lhe competia, até pela gravidade do vício invocado, que explicitasse minimamente como se consubstanciaria a infracção imputada.

Por outro lado o tribunal não vislumbra qualquer vício de constitucionalidade nessa interpretação normativa; até porque, como explicitou, o que lhe poderia suscitar dúvidas de constitucionalidade era a interpretação normativa contrária à que foi seguida."

3. [Comentário] a) Salvo o devido respeito, a afirmação de que "a inadmissibilidade de apresentação de prova documental depois dos 20 dias que antecedem a data da audiência final contende com a garantia do processo equitativo decorrente do art.º 20º, nº 4, da Constituição da República e 6º, nº 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem" não encontra nenhuma justificação.

Uma coisa é restringir, de forma inadmissível, a apresentação do documento pela parte, outra completamente diferente é estabelecer que a parte tem o ónus de apresentar um documento de que -- note-se -- tem a posse até 20 dias antes da audiência final. 

Desde logo, isso é algo inerente a um comportamento diligente e de boa fé (art. 8.º CPC) perante o tribunal e a contraparte. A falta de diligência da parte (que não cuida de saber os documentos de que dispõe para prova dos factos que alega) e a produção de qualquer "efeito-surpresa" pela parte (que, depois de ter dado a entender à contraparte que não possuía o documento e de ter conformado a estratégia de defesa dessa parte, vem afinal apresentar o documento) são incompatíveis com os parâmetros actuais do processo civil português. Mais o é ainda quando a apresentação de um documento na audiência final pode levar ao adiamento desta, depois de o juiz e os advogados terem disponibilizado as respectivas agendas e de as testemunhas estarem presentes para depor.

Acresce ainda que considerar que o art. 423.º, n.º 2, CPC, ao consagrar o ónus de a parte apresentar os documentos que tem em seu poder até 20 dias antes da realização da audiência final, é incompatível com o art. 6.º CEDH levaria a concluir que a preclusão de alegação de factos que podiam ter sido invocados nos articulados seria igualmente incompatível com aquele preceito. Se o problema se levanta quanto à preclusão de meios de prova de factos, por maioria de razão haveria de se colocar quanto aos próprios factos. Na verdade, se se entende que o ónus de a parte apresentar os documentos que tem em seu poder até um momento da tramitação da causa contraria os parâmetros do processo equitativo, não se vê como é que a imposição de a parte alegar os factos de que tem conhecimento nos articulados não implica uma idêntica violação desses parâmetros. Se é incompatível com o processo equitativo estabelecer restrições à apresentação ou junção dos meios de prova destinados a provar os factos alegados, então, a fortiori, é incompatível estabelecer quaisquer restrições quanto à alegação dos factos que esses meios de prova se destinam a demonstrar.

Tal como a alegação de factos (incluindo aqueles que fundamentam a contestação e que ficam abrangidos pelo ónus estabelecido no art. 573.º, n.º 1, CPC) está sujeita -- melhor, tem de estar sujeita -- a determinadas regras, também a junção ou o requerimento de provas têm de estar sujeitos a certas regras. Nenhuma destas regras pode ser considerada contrária à garantia do processo equitativo se os ónus que as mesmas impõem não puderem ser qualificados como arbitrários, isto é, se tiverem como justificação uma tramitação ordenada do processo e a exigência de uma condução diligente e de boa fé do processo pelas partes.

b) Em contrapartida, a RL andou bem ao ponderar condenar o recorrente na taxa sancionatória excepcional (cf. art. 531.º CPC). Isto confirma que, como acima se referiu, a diligência da parte é, realmente, um parâmetro de aferição da conduta da parte no actual processo civil português.

MTS


26/12/2018

Jurisprudência 2018 (142)


Citação; prescrição;
interrupção; arresto


1. O sumário de STJ 12/7/2018 (5282/07.4TTLSB.L1.S1) é o seguinte:

I. Para que se interrompa a prescrição não é necessário que a citação ou notificação tenha lugar no processo em que se procura exercer o direito, podendo verificar-se num procedimento cautelar, no qual o titular do direito, objeto da citação ou notificação, exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito.

II. A cláusula geral que consta no art.º 323.º, n.º 2, do Código Civil, «por causa não imputável ao requerente» tem sido densificada em diversos arestos do Supremo Tribunal de Justiça no sentido de que a conduta do requerente só exclui a interrupção da prescrição quando tenha infringido objetivamente a lei em qualquer termo processual e até à verificação da citação, devendo a referida expressão legal ser interpretada em termos de causalidade objetiva.

III. No requerimento de uma providência cautelar como o arresto, em que a lei possibilita que a notificação da decisão apenas tenha lugar após a realização do mesmo, vai implicado o requerimento de notificação da decisão, a efetuar após a realização da providência.

IV. Tendo presente o comando legal quanto à interpretação da lei consagrado no art.º 9.º do Código Civil, a apresentação do requerimento de arresto está abrangida no sentido e alcance que encerra a norma constante do n.º 2 do art.º 323.º do mesmo diploma legal, que visa, nas circunstâncias ali descritas, interromper a prescrição.

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"O art.º 323.º, n.º 1, do Código Civil, estatui que a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.

A doutrina (Fernando Andrade Pires Lima e João de Matos Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, Coimbra Editora, Limitada, pág. 210) considera que «Para que se interrompa a prescrição não é necessário que a citação ou notificação tenha lugar no processo em que se procura exercer o direito. Pode verificar-se num ato preparatório (procedimento cautelar) e basta que o ato do titular do direito, objeto da citação ou notificação, exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito».

O n.º 2 da disposição legal citada refere que «se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias».

Comentando esta disposição os referidos autores referem que «Alterou-se no n.º 2 o regime que o art.º 253.º do Código de Processo Civil estabelecia, antes das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 47 690, de 11 de maio de 1967.

Se a citação ou notificação é feita dentro dos cinco dias seguintes ao requerimento, não há retroatividade quanto à interrupção da prescrição. Atende-se, neste caso, ao momento da citação ou notificação. Se é feita posteriormente, por causa não imputável ao requerente, considera-se interrompida passados os cinco dias. Se a culpa da demora é do requerente, atende-se ao momento da citação ou notificação».

O art.º 323.º, n.º 2, do Código Civil, consagra assim um desvio à regra de que o facto interruptivo do prazo prescricional é o conhecimento pelo devedor, através de uma citação ou notificação, de que o titular do direito o pretende exercer.

A eficácia deste desvio depende da inexistência de causa imputável ao requerente na não efetivação da citação ou notificação.

Esta cláusula geral utilizada pela lei «por causa não imputável ao requerente» tem sido densificada em diversos arestos do Supremo Tribunal de Justiça no sentido de que a conduta do requerente só exclui a interrupção da prescrição quando tenha infringido objetivamente a lei em qualquer termo processual e até à verificação da citação, devendo a referida expressão legal ser interpretada em termos de causalidade objetiva (Acórdão de 20-06-2012, proferido no processo n.º 347/10.8TTVNG.P1.S1- 4.ª Secção; Acórdão de 20-10-2011, proferido no processo n.º 329/08.0TTLRA.C1.S1 - 4.ª Secção e Acórdão de 29-11-2016, proferido no processo n.º 448/11.5TBSSB-A.E1.S1 - 1.ª Secção).

Trata-se de um entendimento referenciado e assumido pela doutrina também de forma pacífica (Cfr. Nota de Júlio Gomes ao art.º 323.º do Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Editora, pág. 772).

No caso, estamos perante uma providência cautelar especificada, um arresto, pelo que, nos termos do art.º 47.º do Código de Processo do Trabalho, é aplicável o regime estabelecido no Código de Processo Civil.

Nos termos art.º 393 n.º 1 do citado diploma legal o arresto é decretado, sem audiência da parte contrária, desde que se mostrem preenchidos os requisitos legais.

Atento o comando do art.º 366.º n.º 6, quando o requerido não for ouvido e a providência vier a ser decretada, só após a sua realização é notificado da decisão que a ordenou, aplicando-se à notificação o preceituado quanto à citação.

Perante estas disposições, ao pedido dos requerentes no sentido da dispensa de citação prévia não pode ser atribuída a relevância pretendida pelos requeridos, pois o mesmo está em conformidade com o regime legal.

Por outro lado, há que ter presente que no requerimento de arresto, segundo o figurino legal, vai implicado o requerimento de notificação da decisão, a efetuar após a realização da providência.

Dúvidas também não existem que a apresentação do requerimento de arresto exprime de forma direta a intenção de exercer o direito.

Assim, tendo presente o comando legal quanto à interpretação da lei consagrado no art.º 9.º do Código Civil, temos de considerar que a apresentação do requerimento de arresto está abrangida no sentido e alcance que encerra a norma constante do n.º 2 do art.º 323.º do mesmo diploma legal, que visa, nas circunstâncias ali descritas, interromper a prescrição.

No caso concreto dos autos, atentas as datas em que cessaram os contratos de trabalho dos recorridos, constantes do ponto A. dos factos provados, temos de concluir que quando deu entrada a providência cautelar, em 18 de janeiro de 2007, o prazo prescricional não tinha decorrido.

Decorridos cinco dias sobre essa data, por força do disposto no art.º 323.º, n.º 2, do Código Civil, ocorreu a interrupção da prescrição. Considerando as datas em que os contratos cessaram e a data em que ocorreu a interrupção da prescrição, temos de concluir que o prazo da mesma ainda não tinha decorrido."

[MTS]


22/12/2018

Paper (396)


-- Didier Jr, F. / Pedrosa Nogueira, P. H., A promessa de recompensa judicial (academia.edu 12.2018)

 

21/12/2018

Legislação (143)


-- DL 116/2018, de 21/12: Altera o Regulamento da Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores


Paper (395)


-- Ruhl, Giesela, Judicial Cooperation in Civil and Commercial Matters After Brexit: Which Way Forward? (SSRN 01.2018)


Bibliografia (756)


-- Ancel, M.-E. / Gaudemet-Tallon, H., Compétence et exécution des jugements en Europe / Règlements 44/2001 et 1215/2012 / Conventions de Bruxelles (1968) et de Lugano (1988 et 2007), 6.ª ed. (LGDJ: Paris 2018)

-- Schack, H., Internationales Zivilverfahrensrecht mit internationalem Insolvenz- und Schiedsverfahrensrecht, 7.ª ed. (C. H. Beck: München 2017)

Jurisprudência 2018 (141)


Título executivo; sentença homologatória;
obrigação; constituição


1. O sumário de STJ 12/7/2018 (309/16.1T8OVR-B.P1.S1) é o seguinte:
 
I - Consistindo o título dado à execução numa sentença homologatória de um acordo de transacção do qual consta a obrigação dos aqui embargantes (ali réus) eliminarem, dentro de certo prazo, certos defeitos em imóvel, discriminados no próprio acordo, e tendo as partes convencionado também que, caso tal obrigação de eliminação dos defeitos não fosse cumprida, seriam os mesmos embargantes obrigados a indemnizar a aqui embargada (ali autora) no valor de € 30 000,00, o que está em causa é o próprio facto constitutivo da obrigação exequenda, isto é, o incumprimento da obrigação de eliminação dos defeitos do imóvel.

II - A ocorrência de tal situação de incumprimento do acordo de transacção não se encontra abrangida pelo âmbito de exequibilidade do título apresentado, tornando-o manifestamente insuficiente para a execução.

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
 
«6. Consideremos, em termos gerais, a questão da exequibilidade como pressuposto da acção executiva, seguindo de perto a síntese de Manuel Tomé Gomes (Da Ação Executiva, apontamentos policopiados, 2018, págs. 92 e segs.):

“O título executivo expressa a exequibilidade extrínseca da obrigação, assumindo a natureza de um pressuposto processual específico da ação executiva.”

Entre os títulos executivos judiciais contam-se as sentenças condenatórias (art. 703º, nº 1, alínea a), do CPC), entendendo-se por “sentença condenatória relevante como título executivo aquela que condena o réu no cumprimento de uma obrigação patrimonial, ou seja, na realização de uma prestação que pode ser de pagamento de quantia em dinheiro, de entrega de uma coisa móvel ou imóvel ou de uma prestação de facto positivo ou negativo.”

“No que concerne às sentenças homologatórias, quando versem sobre transacção, confissão do pedido, partilha de bens ou divisão de coisa comum, elas relevam como título executivo em harmonia com o seu teor dispositivo, tudo dependendo dos efeitos jurídicos homologados. Aliás, a sentença homologatória de transacção e confissão do pedido contém uma condenação explícita em relação ao que foi acordado.”

“Por conseguinte, se as obrigações decorrentes da sentença homologatória forem para pagamento de quantia, para entrega de coisa certa ou para prestação de facto positivo ou negativo, equivalem, nessa medida, às sentenças condenatórias, sem prejuízo da disposição um pouco mais ampla a que estão sujeitas, para efeitos de oponibilidade, nos termos dos art. 729.º, alínea i), e 291.º do CPC.”

“O artigo 713.º do CPC exige que a obrigação exequenda seja certa, exigível e líquida, o que constitui uma trilogia de condições relativas à exequibilidade intrínseca da pretensão executiva.

A este propósito, convém precisar que, embora o título executivo pressuponha um grau de definição da obrigação exequenda, suportado nos requisitos que a lei impõe como condição para atribuir a exequibilidade extrínseca, em termos de acesso directo à via executiva, daí não decorre que a prestação exequenda, tal como se apresenta configurada no título, reúna, desde logo, os necessários requisitos de certeza, exigibilidade e liquidez.

Por isso mesmo é que se prevêem procedimentos preliminares com vista a tornar a obrigação exequenda certa, exigível e líquida, se o não for em face do título, nos termos dos artigos 713.º a 716.º do CPC.”

No que à exigibilidade diz respeito, tais procedimentos têm em vista as seguintes categorias de obrigações (em termos idênticos, ver também Lebre de Freitas, A acção executiva – Depois da reforma da reforma, 5ª ed., Coimbra Editora, 2009, págs. 82 e segs., e págs. 86 e segs.):

- “As obrigações condicionais que dependam da verificação de uma condição suspensiva (facto futuro e incerto), nos termos dos artigos 270.º e segs. do CC”;

- “As obrigações que dependam da prestação de um facto pelo devedor ou por terceiro, (v.g. as obrigações sinalagmáticas – art. 428.º do CC)”;

- “As obrigações puras, quando o respetivo vencimento dependa apenas de interpelação ou de o pagamento ser exigido no domicílio do devedor (art. 777.º, n.º 1, do CC)”;

- “As obrigações a prazo, cujo vencimento depende da verificação do decurso de um lapso de tempo (art. 805.º, n.º 2, al. a, do CC)”;

- “As obrigações dependentes de prazo a fixar pelo tribunal, nos termos previstos no artigo 777.º, n.º 2 e 3, do CC.”

Tendo presente estas considerações gerais, passa-se a apreciar o caso dos autos.

7. Na resolução da questão objecto de recurso, acompanha-se de perto a orientação seguida no supra indicado acórdão deste Supremo Tribunal de 30/04/2015, no qual a 1ª instância fundou a sua decisão.

Tendo presente que o título dado à execução consiste numa sentença homologatória de um acordo de transacção do qual consta a obrigação dos aqui embargantes (ali réus) eliminarem, dentro de certo prazo, certos defeitos em imóvel, discriminados no próprio acordo, tendo as partes convencionado também que, caso tal obrigação de eliminação dos defeitos não fosse cumprida, seriam os mesmos embargantes obrigados a indemnizar a aqui embargada (ali autora) no valor de € 30.000,00, o que está em causa é o próprio facto constitutivo da obrigação exequenda, isto é, o incumprimento da obrigação de eliminação dos defeitos do imóvel. Ora, a ocorrência da situação de incumprimento do acordo de transacção não se encontra abrangida pelo âmbito de exequibilidade do título apresentado, tornando-o manifestamente insuficiente para a execução.

As diligências previstas no art. 715º do CPC, destinadas a tornar exigível a obrigação exequenda, reportam-se a determinadas categorias de obrigações, enunciadas no número anterior do presente acórdão, mas não se destinam à prova de factos constitutivos da própria obrigação exequenda, como está em causa no caso dos autos.

Diga-se também que a prova do incumprimento da obrigação de eliminação dos defeitos, assumida pelos aqui embargantes na transacção homologada, traduz-se em factos ocorridos na fase de execução do acordo homologado, os quais são, portanto, posteriores à própria formação do título pelo que recai sobre a credora, aqui embargada, o ónus de provar tal incumprimento (cfr. art. 342º, nº 1, do CC).

Assim sendo, a alegada situação de incumprimento, fundamento da obrigação de indemnização peticionada, não se encontra abrangida pelo caso julgado da sentença homologatória dada à execução, o que impede que se possa extrair dessa sentença uma condenação implícita dos ali devedores (aqui executados embargantes).

Não estando, pois, certificada a obrigação exequenda no título dado à execução, conclui-se pela sua inexequibilidade, sendo este vício insuprível e determinando a extinção da execução nos termos dos arts. 726º, nº 2, alínea a), e 734º, nº 1, do CPC.»
 
[MTS]
 
 
 

20/12/2018

Jurisprudência estrangeira (32)


Prova; registo de dashcam
admissibilidade


1. O sumário de BGH 15/5/2018 (VI ZR 233/17) é o seguinte:

a) O registo permanente e sem justificação das ocorrências do trânsito não é compatível com as regras sobre a protecção de dados da Lei Federal sobre a Protecção de Dados;

b) Contudo, no processo de responsabilidade pelo acidente, é admissível a valoração dos registos que o participante no acidente realizou, através de uma chamada dashcam, do modo como ocorreu o acidente.

2. Sobre a sentença, cf. Pressemitteilung Nr. 88/18 vom 15.5.2018.


Apoio à investigação (18)


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