Excepção dilatória; sanação;
prescrição; interrupção ficta*
I Tendo a acção como causa de pedir factualidade consubstanciadora do enriquecimento sem causa, o prazo prescricional para o exercício do direito é de três anos a contar da data em que o credor teve conhecimento do seu direito, artigo 482º do CCivil,
II Dispõe o artigo 323º, nº1 do CCivil que a prescrição se interrompe «[p]ela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.».
III Só que, em qualquer caso, vale o regime da «citação ficta consagrado no nº2 de tal normativo, de onde, se a citação não tiver lugar nos cinco dias subsequentes a ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida decorridos que estejam esses cinco dias (o requerimento com vista à citação do réu carece actualmente de sentido e alcance prático, face ao estabelecimento pela lei de processo de um regime de oficiosidade da citação, na generalidade dos casos cometida directamente à secretaria, situação esta que não afasta a aplicabilidade daquele normativo, o qual terá de ser compaginado, mutatis mutandis, com o preceituado no artigo 234º do CPCivil).
IV O efeito interruptivo a que aí se refere tem como pressupostos as seguintes circunstâncias: i) que o prazo prescricional ainda esteja a decorrer e assim se mantenha nos 5 dias posteriores à propositura da acção; ii) que a citação não tenha sido realizada nesse prazo de 5 dias; iii) que o retardamento na efectivação desse acto não seja imputável ao autor (entendendo-se aqui que o requerente em nada tenha contribuído, em termos adjectivos, para que haja um atraso no acto).
V O que se mostra relevante para a (des)aplicação do apontado regime legal é que tenha havido por banda do requerente uma manifesta e objectiva infracção das regras processuais aplicáveis, tendo a acção dado entrada em 16 de Março de 2006, dez dias antes de terminar o prazo de três anos para a respectiva propositura, o que ocorreria em 26 de Março de 2006.
VI Tratando-se de uma acção em que é obrigatória a constituição de advogado, seria mister a junção pelas Autoras da pertinente procuração a favor daquele, subscritor da Petição Inisial, nos termos do artigo 40º, nº1, alínea a) do CPCivil, aliás, sendo a cominação legal para a falta de junção no prazo consignado pelo Tribunal a absolvição do réu da instância, nos termos do artigo 41º do mesmo diploma.
VII Tratando-se de uma imposição legal sujeita a cominatório preclusivo do prosseguimento do procedimento instaurado, não se poderá argumentar como faz a Recorrente, que a citação poderia ter ocorrido sem que se mostrassem juntas aos autos as procurações das Autoras, as quais deveriam ter acompanhado o articulado inicial, de onde a respectiva falta ser da exclusiva responsabilidade daquelas, por infracção das regras procedimentais aplicáveis, supra indicadas.
VIII Diversa seria a situação se o patrocínio judiciário tivesse sido exercido a titulo de gestão de negócios, nos termos do artigo 49º, nº1 do CPCivil, por se tratar de um caso de urgência, o qual dependeria sempre da ratificação pela parte, mas podendo-se discutir aqui a operância efectiva da confissão ficta referida no nº2 do artigo 323º do CCivil, caso a mesma não se tivesse realizado nos cinco dias subsequentes a ter sido requerida, mesmo com uma regularização ulterior do processado: tal, contudo não ocorreu, tendo a acção sido proposta em termos normais, com a subscrição da Petição Inicial por um Advogado, sem que fosse junta a pertinente procuração.
2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
"A presente acção tem como causa de pedir factualidade consubstanciadora do enriquecimento sem causa, sendo certo que como decorre do normativo inserto no artigo 482º do CCivil, o prazo prescricional para o exercício do direito de acção é de três anos a contar da data em que o credor teve conhecimento do seu direito.
A Autora, aqui Recorrente, como deflui inequivocamente da alínea Q) da matéria assente, teve conhecimento em 26 de Março de 2003 de que não iria ser beneficiada com novo contrato de concessão, não obstante o contrato que se encontrava em curso só viesse a ter o seu terminus em 30 de Setembro de 2003, cfr alíneas J), L) e M) da matéria assente, conforme comunicação efectuada pela primeira à segunda Autora, aqui Recorrente, cfr documento de fls 121 a 176, por ter sido resolvido por aquela com o pre-aviso de doze meses, como imposto pela cláusula 19, o que ocorreu em 25 de Setembro de 2002.
Assim, não obstante a Autora estivesse ainda em cumprimento contratual com a Ré S o que iria perdurar até ao final de Setembro de 2003, já sabia desde Março de mesmo ano que o contrato de concessão não iria ter continuação e, por isso, neste momento, começou a contar o prazo prescricional, porquanto teve consciência do seu eventual direito e da(s) pessoa(s) a responsabilizar pelos prejuízos actuais e futuros.
Tendo a acção sido proposta em 16 de Março de 2006, verifica-se que as Rés foram apenas citadas em 4 e 8 de Maio de 2006, cfr fls 333 e 334, uma vez que a acção deu entrada em Tribunal sem que as Autoras tivessem feito juntar procuração a favor do Ilustre Mandatário subscritor da PI, não obstante a tivessem protestado juntar, tendo havido necessidade de as notificar para procederem a tal junção, através do despacho proferido a fls 320, datado de 3 de Abril de 2006, tendo as mesmas sido juntas em 10 de Abril de 2006, cfr fls 324 a 328 e o mandato considerado regularizado pelo despacho de fls 329, tendo sido efectuadas as citações na sua decorrência.
Tendo em atenção o valor atribuído à presente acção – 31.279914,00 € - a mesma só poderia ser proposta através da constituição de advogado, nos termos do artigo 40º, nº1, alínea a) do CPCivil, sendo que, não obstante a Petição Inicial estivesse subscrita por um causídico, não foi junta a pertinente procuração, o que se traduziu numa irregularidade, suprível embora, mas que não poderia determinar o prosseguimento da acção, máxime com a citação das Rés, sem que a mesma estivesse ultrapassada, com a pertinente junção e a eventual ratificação do processado se fosse caso disso.
Veja-se que o Tribunal de primeira instância, quinze dias após a instauração da acção produziu um despacho a ordenar a notificação do Ilustre Mandatário subscritor do articulado convidando-o a suprir a omissão e a ratificar o processado, com a advertência de que se o não fizesse ficar sem efeito o que por si fora praticado.
A questão que a Autora/Requerente coloca em sede recursiva é a de a instauração da acção, mesmo sem a junção das procurações, não inviabilizar as démarches tendentes à citação das Rés e por isso se ter a prescrição por interrompida nos cinco dias subsequentes àquela propositura, momento em que a citação foi requerida, mesmo que este acto não tenha sido realizado.
Sem razão, porém.
Dispõe o artigo 323º, nº1 do CCivil que a prescrição se interrompe «[p]ela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.».
Só que, em qualquer caso, vale o regime da «citação ficta consagrado no nº2 de tal normativo, de onde, se a citação não tiver lugar nos cinco dias subsequentes a ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida decorridos que estejam esses cinco dias (o requerimento com vista à citação do réu carece actualmente de sentido e alcance prático, face ao estabelecimento pela lei de processo de um regime de oficiosidade da citação, na generalidade dos casos cometida directamente à secretaria, situação esta que não afasta a aplicabilidade daquele normativo, o qual terá de ser compaginado, mutatis mutandis, com o preceituado no artigo 234º do CPCivil).
O efeito interruptivo a que aí se refere tem como pressupostos as seguintes circunstâncias: i) que o prazo prescricional ainda esteja a decorrer e assim se mantenha nos 5 dias posteriores à propositura da acção; ii) que a citação não tenha sido realizada nesse prazo de 5 dias; iii) que o retardamento na efectivação desse acto não seja imputável ao autor (entendendo-se aqui que o requerente em nada tenha contribuído, em termos adjectivos, para que haja um atraso no acto, cfr Ac STJ de 14 de Maio de 2002 (Relator Faria Antunes); 3 de Outubro de 2010 (Relator Sousa Grandão); 20 de Junho de 2012 (Relator Sampaio Gomes), in www.dgsi.pt; Júlio Gomes, in Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica, 772/773.
O que se mostra relevante para a (des)aplicação do apontado regime legal é que tenha havido por banda do requerente uma manifesta e objectiva infracção das regras processuais aplicáveis, cfr Ac STJ de 4 de Novembro de 1992 (Relator Dias Simão) e de 5 de Julho de 2018 deste mesmo Colectivo, in www.dgsi.pt.
A presente acção como já referimos supra deu entrada em 16 de Março de 2006, dez dias antes de terminar o prazo de três anos para a respectiva propositura, o que ocorreria em 26 de Março de 2006.
Contudo, tratando-se de uma acção em que é obrigatória a constituição de advogado, seria mister a junção pelas Autoras da pertinente procuração a favor daquele, subscritor da mesma, nos termos do artigo 40º, nº1, alínea a), aliás, porque se a mesma não for junta e não houver a constituição de mandatário no prazo designado para o efeito a cominação legal é a absolvição do réu da instância, nos termos do normativo inserto no artigo 41º do mesmo diploma, daí que o Tribunal, no caso sujeito, oficiosamente, haja aguardado dez dias pela junção das procurações que as Autoras protestaram juntar e decorrido tal prazo, haja produzido despacho a ordenar a sua junção e ratificação do processado, se se afigurasse necessário, com aquela cominação legal, caso as mesmas não fossem juntas aos autos.
É óbvio que, tratando-se como se trata de uma imposição legal sujeita a cominatório preclusivo do prosseguimento do procedimento instaurado, não se poderá argumentar como faz a Recorrente, que a citação poderia ter ocorrido sem que se mostrassem juntas aos autos as procurações das Autoras, as quais deveriam ter acompanhado o articulado inicial, de onde a respectiva falta ser da exclusiva responsabilidade daquelas, por infracção das regras procedimentais aplicáveis, supra indicadas, sendo espúrios os argumentos as invocados pela Recorrente no que tange à não apresentação dos documentos com a Petição ou nos prazos estabelecidos no artigo 144º, nºs 1 e 2 e nos artigos 10º, nºs 1, 2, 4 e 5 da Portaria 280/2013 de 26 de Agosto, não constituir motivo impeditivo da realização da citação, porque esta asserção não resulta de tais ínsitos, os quais, apenas, dizem respeito à apresentação de peças processuais e documentos por via electrónica e prazo para o feito, questão diversa do acto de citação, o qual como decorre do artigo 219º, nº1 do CPCivil se destina a dar «[c]onhecimento ao Réus de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender;».
Diversa seria a situação se o patrocínio judiciário tivesse sido exercido a titulo de gestão de negócios, nos termos do artigo 49º, nº1 do CPCivil, por se tratar de um caso de urgência, o qual dependeria sempre da ratificação pela parte, mas podendo-se discutir aqui a operância efectiva da confissão ficta referida no nº2 do artigo 323º do CCivil, caso a mesma não se tivesse realizado nos cinco dias subsequentes a ter sido requerida, mesmo com uma regularização ulterior do processado: tal, contudo não ocorreu, tendo a acção sido proposta em termos normais, com a subscrição da Petição Inicial por um Advogado, sem que fosse junta a pertinente procuração.
Tendo a citação das Rés, aqui Recorridas, sido efectuada em 4 e 8 de Maio de 2006, é óbvio que, nestas datas, já havia ocorrido o prazo prescricional de três anos, aludido no artigo 482º do CCivil."
*3. [Comentário] a) (i) Salvo o devido respeito, discorda-se da solução defendida no acórdão do STJ.
Importa começar por referir que a falta da junção da procuração a mandatário judicial constitui uma excepção dilatória sanável, como decorre do disposto no art. 48.º, n.º 2, CPC (o acórdão integra equivocadamente o vício na falta de patrocínio judiciário regulada no art. 41.º CPC). Uma vez sanada aquela excepção dilatória, essa sanação retroage ao momento da propositura da acção.
É assim no caso da falta de procuração a mandatário judicial, tal como o é em qualquer outra hipótese de sanação de uma excepção dilatória. Por exemplo: suponha-se que uma acção é proposta com preterição de litisconsórcio necessário e que esta excepção dilatória é sanada através da intervenção da parte que faltava (cf. art. 316.º, n.º 1, CPC); esta intervenção sana a ilegitimidade do autor inicial a partir do momento da propositura da acção; como é claro, esse autor não continua a ser parte ilegítima até à intervenção do seu co-autor e também não é parte legítima apenas depois dessa intervenção.
Sendo assim, constituindo a falta de procuração uma excepção dilatória sanável e retroagindo a sua sanação ao momento da propositura da acção, não se vê motivo para entender que a mesma possa obstar à interrupção da prescrição nos termos do art. 323.º, n.º 2, CC. Uma vez sanada a excepção dilatória, tudo se passa como se o vício nunca tivesse existido no processo.
Contra isto poder-se-ia objectar que a excepção dilatória constitui uma das causas imputáveis ao autor que, segundo o disposto no art. 323.º, n.º 2, CC, impede a interrupção da prescrição logo que decorram cinco dias depois da propositura da acção. A isto pode responder-se que, segundo se julga, nunca se entendeu que uma qualquer excepção dilatória constitui uma manifestação de negligência da parte pela qual a mesma deva ser sancionada (nomeadamente, através da não aplicação do art. 323.º, n.º 2, CC).
Que o regime não pode ser este pode ser demonstrado através de um exemplo muito simples. Suponha-se que um menor está irregularmente representado por um único dos progenitores; o vício é sanável através da citação ou intervenção do outro progenitor (art. 27.º, n.º 1, CPC); seria absolutamente contraditório assegurar que o menor deva estar representado pelos seus representantes legais e ao mesmo tempo concluir que, se o direito do menor estiver sujeito a prescrição, a sanação da irregularidade de representação em nada aproveita ao menor, porque entretanto, não se podendo aplicar o disposto no art. 323.º, n.º 2, CC, se completou a prescrição do seu direito.
Generalizando: a sanação das excepções dilatórias não pode deixar de implicar a possibilidade da aplicação do disposto no art. 323.º, n.º 2, CC, porque seria contraditório permitir essa sanação e, ao mesmo tempo, excluir dessa sanação a aplicação daquele preceito. No caso de direitos sujeitos a prescrição, isso equivaleria a "dar com uma mão e a tirar com a outra".
(ii) Ainda que não se considerem procedentes os argumentos anteriores, o disposto no art. 590.º, n.º 1, CPC, em conjugação com o estabelecido no art. 560.º CPC, demonstra que uma excepção dilatória não pode obstar à aplicação do art. 323.º, n.º 2, CC. Mesmo no caso de indeferimento liminar da petição inicial (por exemplo, por ineptidão da petição inicial), a apresentação de uma outra petição inicial implica que a acção se considera proposta na data em que a primeira petição foi apresentada em juízo. Portanto, nem a apresentação de uma outra petição inicial que corrige uma excepção dilatória não sanável obsta à interrupção da prescrição segundo o estabelecido no art. 323.º, n.º 2, CC.
b) No acórdão afirma-se o seguinte:
"Diversa seria a situação se o patrocínio judiciário tivesse sido
exercido a titulo de gestão de negócios, nos termos do artigo 49º, nº1
do CPCivil, por se tratar de um caso de urgência, o qual dependeria
sempre da ratificação pela parte, mas podendo-se discutir aqui a
operância efectiva da confissão ficta referida no nº2 do artigo 323º do
CCivil, caso a mesma não se tivesse realizado nos cinco dias
subsequentes a ter sido requerida, mesmo com uma regularização ulterior
do processado [...]".
O argumento é, salvo melhor opinião, completamente formalista. Não pode ser pela circunstância de o advogado das autoras referir ou omitir que exerce o patrocínio judiciário a título de gestão de negócios que se deve decidir a prescrição de uma (alegada) dívida de mais de € 30.000.000,00.
c) Uma última observação. Do que acima se refere também resulta quais eram os argumentos que, possivelmente entre outros, as recorrentes poderiam ter utilizado no recurso de revista que interpuseram para o STJ.
MTS