"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



30/04/2019

A execução do aval. Algumas notas com ilustração jurisprudencial.



[Para aceder ao texto clicar em Rui Pinto]


Nota: em 2/5/2019 foi publicada uma nova versão do texto.



Bibliografia (804)

 
-- Schütt, Jan-Sebastian, Europäische Marktmissbrauchsverordnung und Individualschutz (Duncker & Humblot: Berlin 2019)
 
 

Jurisprudência 2019 (11)


Ineptidão da petição inicial;
aperfeiçoamento da petição inicial


1. O sumário de RL 24/1/2019 (573/18.1T8SXL.L1-6) é o seguinte: 

I – O princípio da cooperação deve ser conjugado com os princípios do dispositivo e da auto-responsabilidade das partes, que não comporta o suprimento, por iniciativa do juiz, da omissão de indicação do pedido ou de alegação de factos estruturantes da causa de pedir. 

II - O convite ao aperfeiçoamento de articulados previsto no artigo 590.º, n.ºs 2, alínea b), 3 e 4, do CPC, não compreende o suprimento da falta de indicação do pedido ou de omissões de alegação de um núcleo de factos essenciais e estruturantes da causa de pedir.

III - Tal convite, destina-se somente a suprir irregularidades dos articulados, designadamente quando careça de requisitos legais, imperfeições ou imprecisões na exposição da matéria de facto alegada.

IV - As deficiências passíveis de suprimento através do convite têm de ser estritamente formais ou de natureza secundária, sob pena de se reabrir a possibilidade de reformulação substancial da própria pretensão ou da impugnação e dos termos em que assentam (artigos 590.º, n.º 6 e 265.º, do CPC).
 

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"3.1 Como é sabido, independentemente do cumprimento das respectivas prestações, as relações obrigacionais extinguem-se por via da resolução, da revogação e da denúncia. A resolução e a denúncia conduzem à cessação do vínculo obrigacional por declaração unilateral de uma das partes dirigida à contraparte. Por sua vez, a revogação pressupõe a existência de um consenso das partes com vista à cessação do vínculo contratual. A estas três causas, supervenientes [...], de cessação do contrato, acresce a caducidade que determina a extinção do vínculo em virtude de facto superveniente. [...]

O incumprimento definitivo do contrato-promessa, pode verificar-se em consequência de uma, ou mais, das seguintes situações:

1ª - inobservância de prazo fixo essencial para a prestação;

2ª - ocorrência de um comportamento do devedor que exprima inequivocamente a vontade de não querer cumprir o contrato;

3ª - ter o credor, em consequência da mora, perdido o interesse que tinha na prestação;

4ª - encontrando-se o devedor em mora, não realizar a sua prestação dentro do prazo que razoavelmente lhe for fixado pelo credor.

As duas últimas situações enunciadas correspondem a outros tantos casos que a lei expressamente equipara ao não cumprimento definitivo em consequência da mora – art.º 808º, n.º 1, do Código Civil.

A perda do interesse do credor é apreciada objectivamente, o que significa que o valor da prestação deve ser aferido pelo Tribunal em função das utilidades que a prestação teria para o credor, tendo em conta, a justificá-lo, «um critério de razoabilidade própria do comum das pessoas» e a sua correspondência à «realidade das coisas» - art.º 808º-2 (cfr. Pessoa Jorge, “Ensaio sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil”, pp. 20, nota 3; Galvão Telles, “Obrigações”, 4ª ed., 235; Ac. STJ, 21/5/98, BMJ 477º-468).

Quando tal não ocorra, deve entender-se que o contrato continua a ter interesse para as partes - o interesse do credor mantém-se -, apesar da mora, e esta só pode converter-se em incumprimento definitivo se a prestação não vier a ser realizada em «prazo que razoavelmente for fixado pelo credor», sob a cominação estabelecida no preceito legal – interpelação admonitória (cfr. A. Varela, “Das Obrigações em Geral”, I, 9ª ed., 532 e ss.). De notar que uma tal interpretação pressupõe ainda a manutenção do interesse no cumprimento.

Às restantes situações aludidas não se refere expressamente a lei.

Apesar desse vazio legal, ninguém põe em dúvida a equiparação da segunda situação à inexecução da prestação dentro de prazo razoável, sendo que essa causa “tem de ser expressa por uma declaração absoluta e inequívoca de repudiar o contrato. Impõe-se que o renitente emita uma declaração séria, categórica e que não deixe que subsistam quaisquer dúvidas sobre a sua vontade (e propósito) de não outorgar o contrato prometido”, tanto mais que, perante um tal posicionamento do devedor, qualquer interpelação cominatória seria um acto inútil e destituído de justificação (Galvão Telles, ob. cit., 189; Antunes Varela, cit., I, 6ª ed., 91; Brandão Proença, ob. cit. 90; Acórdãos STJ, 26/01/99, CJ VII- Tomo I, p. 61 e de 06/02/07, proc. 07A749).

Quanto à primeira, há-de estar-se perante as chamadas obrigações de prazo fixo essencial absoluto – “negócios fixos absolutos” ou de “prazo fatal” – em que o decurso do prazo sem o devido cumprimento pode determinar, sem mais, a sua extinção, por oposição às de prazo fixo relativo, simples ou usual em que o decurso do prazo poderá fundamentar o direito à resolução quando concorram os requisitos gerais (artigos 808º, 801 e 802º do CC).

Ora, resulta de quanto ficou dito e do alegado na petição inicial, por um lado que a própria Autora está em mora no cumprimento das obrigações a que ficou adstrita e, por outro, que a petição inicial também é inepta por falta de indicação de causa de pedir no que concerne ao pedido de resolução do CPCV, fundado em incumprimento do Réu, que sempre teria de ser absoluto e definitivo e obviamente suportado em factos alegados e provados idóneos a suportar tal pretensão.

3.2. Face a esta omissão [falta de indicação de causa de pedir], nem sequer é possível a invocação da salvaguarda prevista no n.º 3 do artigo 186.º do CPC, porquanto, apesar da contestação, seria absurdo concluir que o Réu interpretou correctamente uma Petição Inicial na qual nem sequer foi materializado qualquer pedido contra si.

Neste caso, existe um “vazio” que não foi preenchido pela Autora como era seu ónus.

À sanação ou suprimento do vício de ineptidão da petição inicial, por falta de indicação da causa de pedir opõem-se, desde logo, os princípios estruturantes do processo civil do dispositivo e da auto-responsabilidade das partes.

O vício de ineptidão que afecta a Petição Inicial, por falta de indicação de causa de pedir - quanto ao pedido de resolução do CPCV -, também não é susceptível de suprimento, através de convite ao aperfeiçoamento, nos termos do disposto no artigo 590.º, n.ºs 2, alíneas a) e b), 3 e 4, do CPC, na medida em que não se pode corrigir ou aperfeiçoar o que não existe.

Neste caso, o vício é tão grave, que já não há remédio [cfr. Acórdão do TRP, de 08-10-2015, proc. 855/12.6TBLSLV.E1, disponível em www.dgsi.pt.].

O princípio da cooperação deve ser conjugado com os princípios do dispositivo e da auto-responsabilidade das partes, que não comporta o suprimento por iniciativa do juiz da omissão de indicação do pedido ou de alegação de factos estruturantes da causa de pedir. 

O convite ao aperfeiçoamento de articulados previsto no artigo 590.º, n.ºs 2, alínea b), 3 e 4, do CPC, não compreende o suprimento da falta de indicação do pedido ou de omissões de alegação de um núcleo de factos essências e estruturantes da causa de pedir.

Tal convite, destina-se somente a suprir irregularidades dos articulados, designadamente quando careça de requisitos legais, imperfeições ou imprecisões na exposição da matéria de facto alegada.

As deficiências passíveis de suprimento através do convite têm de ser estritamente formais ou de natureza secundária, sob pena de se reabrir a possibilidade de reformulação substancial da própria pretensão ou da impugnação e dos termos em que assentam (artigos 590.º, n.º 6 e 265.º, do CPC).

De outra forma, afrontar-se-ia o princípio da estabilidade da instância, previsto no art.º 260.º do CPC, nos termos do qual, após a citação do réu, a instância estabiliza-se quanto ao objecto e às partes, sendo legalmente limitada qualquer possibilidade de alteração objectiva ou subjectiva."

[MTS]


29/04/2019

Bibliografia (803)



-- Cabral, A., New trends and perspectives on case management: Proposals on contract procedure and case assignment management, Peking U. L. J. 6 (2018-I), 5

-- Marinoni, L. G., A convenção processual sobre a prova diante dos fins do processo civil, RePro 288 (2019), 127



Jurisprudência 2019 (10)


Excepção dilatória; sanação;
prescrição; interrupção ficta*

1. O sumário de STJ 2/4/2019 (1772/06.4TVLSB.L2.S1) é o seguinte:

I Tendo a acção como causa de pedir factualidade consubstanciadora do enriquecimento sem causa, o prazo prescricional para o exercício do direito é de três anos a contar da data em que o credor teve conhecimento do seu direito, artigo 482º do CCivil,

II Dispõe o artigo 323º, nº1 do CCivil que a prescrição se interrompe «[p]ela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.».

III Só que, em qualquer caso, vale o regime da «citação ficta consagrado no nº2 de tal normativo, de onde, se a citação não tiver lugar nos cinco dias subsequentes a ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida decorridos que estejam esses cinco dias (o requerimento com vista à citação do réu carece actualmente de sentido e alcance prático, face ao estabelecimento pela lei de processo de um regime de oficiosidade da citação, na generalidade dos casos cometida directamente à secretaria, situação esta que não afasta a aplicabilidade daquele normativo, o qual terá de ser compaginado, mutatis mutandis, com o preceituado no artigo 234º do CPCivil).

IV O efeito interruptivo a que aí se refere tem como pressupostos as seguintes circunstâncias: i) que o prazo prescricional ainda esteja a decorrer e assim se mantenha nos 5 dias posteriores à propositura da acção; ii) que a citação não tenha sido realizada nesse prazo de 5 dias; iii) que o retardamento na efectivação desse acto não seja imputável ao autor (entendendo-se aqui que o requerente em nada tenha contribuído, em termos adjectivos, para que haja um atraso no acto).

V O que se mostra relevante para a (des)aplicação do apontado regime legal é que tenha havido por banda do requerente uma manifesta e objectiva infracção das regras processuais aplicáveis, tendo a acção dado entrada em 16 de Março de 2006, dez dias antes de terminar o prazo de três anos para a respectiva propositura, o que ocorreria em 26 de Março de 2006.

VI Tratando-se de uma acção em que é obrigatória a constituição de advogado, seria mister a junção pelas Autoras da pertinente procuração a favor daquele, subscritor da Petição Inisial, nos termos do artigo 40º, nº1, alínea a) do CPCivil, aliás, sendo a cominação legal para a falta de junção no prazo consignado pelo Tribunal a absolvição do réu da instância, nos termos do artigo 41º do mesmo diploma.

VII Tratando-se de uma imposição legal sujeita a cominatório preclusivo do prosseguimento do procedimento instaurado, não se poderá argumentar como faz a Recorrente, que a citação poderia ter ocorrido sem que se mostrassem juntas aos autos as procurações das Autoras, as quais deveriam ter acompanhado o articulado inicial, de onde a respectiva falta ser da exclusiva responsabilidade daquelas, por infracção das regras procedimentais aplicáveis, supra indicadas.

VIII Diversa seria a situação se o patrocínio judiciário tivesse sido exercido a titulo de gestão de negócios, nos termos do artigo 49º, nº1 do CPCivil, por se tratar de um caso de urgência, o qual dependeria sempre da ratificação pela parte, mas podendo-se discutir aqui a operância efectiva da confissão ficta referida no nº2 do artigo 323º do CCivil, caso a mesma não se tivesse realizado nos cinco dias subsequentes a ter sido requerida, mesmo com uma regularização ulterior do processado: tal, contudo não ocorreu, tendo a acção sido proposta em termos normais, com a subscrição da Petição Inicial por um Advogado, sem que fosse junta a pertinente procuração.

2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"A presente acção tem como causa de pedir factualidade consubstanciadora do enriquecimento sem causa, sendo certo que como decorre do normativo inserto no artigo 482º do CCivil, o prazo prescricional para o exercício do direito de acção é de três anos a contar da data em que o credor teve conhecimento do seu direito.

A Autora, aqui Recorrente, como deflui inequivocamente da alínea Q) da matéria assente, teve conhecimento em 26 de Março de 2003 de que não iria ser beneficiada com novo contrato de concessão, não obstante o contrato que se encontrava em curso só viesse a ter o seu terminus em 30 de Setembro de 2003, cfr alíneas J), L) e M) da matéria assente, conforme comunicação efectuada pela primeira à segunda Autora, aqui Recorrente, cfr documento de fls 121 a 176, por ter sido resolvido por aquela com o pre-aviso de doze meses, como imposto pela cláusula 19, o que ocorreu em 25 de Setembro de 2002.

Assim, não obstante a Autora estivesse ainda em cumprimento contratual com a Ré S o que iria perdurar até ao final de Setembro de 2003, já sabia desde Março de mesmo ano que o contrato de concessão não iria ter continuação e, por isso, neste momento, começou a contar o prazo prescricional, porquanto teve consciência do seu eventual direito e da(s) pessoa(s) a responsabilizar pelos prejuízos actuais e futuros.

Tendo a acção sido proposta em 16 de Março de 2006, verifica-se que as Rés foram apenas citadas em 4 e 8 de Maio de 2006, cfr fls 333 e 334, uma vez que a acção deu entrada em Tribunal sem que as Autoras tivessem feito juntar procuração a favor do Ilustre Mandatário subscritor da PI, não obstante a tivessem protestado juntar, tendo havido necessidade de as notificar para procederem a tal junção, através do despacho proferido a fls 320, datado de 3 de Abril de 2006, tendo as mesmas sido juntas em 10 de Abril de 2006, cfr fls 324 a 328 e o mandato considerado regularizado pelo despacho de fls 329, tendo sido efectuadas as citações na sua decorrência.

Tendo em atenção o valor atribuído à presente acção – 31.279914,00 € - a mesma só poderia ser proposta através da constituição de advogado, nos termos do artigo 40º, nº1, alínea a) do CPCivil, sendo que, não obstante a Petição Inicial estivesse subscrita por um causídico, não foi junta a pertinente procuração, o que se traduziu numa irregularidade, suprível embora, mas que não poderia determinar o prosseguimento da acção, máxime com a citação das Rés, sem que a mesma estivesse ultrapassada, com a pertinente junção e a eventual ratificação do processado se fosse caso disso.

Veja-se que o Tribunal de primeira instância, quinze dias após a instauração da acção produziu um despacho a ordenar a notificação do Ilustre Mandatário subscritor do articulado convidando-o a suprir a omissão e a ratificar o processado, com a advertência de que se o não fizesse ficar sem efeito o que por si fora praticado.

A questão que a Autora/Requerente coloca em sede recursiva é a de a instauração da acção, mesmo sem a junção das procurações, não inviabilizar as démarches tendentes à citação das Rés e por isso se ter a prescrição por interrompida nos cinco dias subsequentes àquela propositura, momento em que a citação foi requerida, mesmo que este acto não tenha sido realizado.

Sem razão, porém.

Dispõe o artigo 323º, nº1 do CCivil que a prescrição se interrompe «[p]ela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.».

Só que, em qualquer caso, vale o regime da «citação ficta consagrado no nº2 de tal normativo, de onde, se a citação não tiver lugar nos cinco dias subsequentes a ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida decorridos que estejam esses cinco dias (o requerimento com vista à citação do réu carece actualmente de sentido e alcance prático, face ao estabelecimento pela lei de processo de um regime de oficiosidade da citação, na generalidade dos casos cometida directamente à secretaria, situação esta que não afasta a aplicabilidade daquele normativo, o qual terá de ser compaginado, mutatis mutandis, com o preceituado no artigo 234º do CPCivil).

O efeito interruptivo a que aí se refere tem como pressupostos as seguintes circunstâncias: i) que o prazo prescricional ainda esteja a decorrer e assim se mantenha nos 5 dias posteriores à propositura da acção; ii) que a citação não tenha sido realizada nesse prazo de 5 dias; iii) que o retardamento na efectivação desse acto não seja imputável ao autor (entendendo-se aqui que o requerente em nada tenha contribuído, em termos adjectivos, para que haja um atraso no acto, cfr Ac STJ de 14 de Maio de 2002 (Relator Faria Antunes); 3 de Outubro de 2010 (Relator Sousa Grandão); 20 de Junho de 2012 (Relator Sampaio Gomes), in www.dgsi.pt; Júlio Gomes, in Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica, 772/773.

O que se mostra relevante para a (des)aplicação do apontado regime legal é que tenha havido por banda do requerente uma manifesta e objectiva infracção das regras processuais aplicáveis, cfr Ac STJ de 4 de Novembro de 1992 (Relator Dias Simão) e de 5 de Julho de 2018 deste mesmo Colectivo, in www.dgsi.pt.

A presente acção como já referimos supra deu entrada em 16 de Março de 2006, dez dias antes de terminar o prazo de três anos para a respectiva propositura, o que ocorreria em 26 de Março de 2006.

Contudo, tratando-se de uma acção em que é obrigatória a constituição de advogado, seria mister a junção pelas Autoras da pertinente procuração a favor daquele, subscritor da mesma, nos termos do artigo 40º, nº1, alínea a), aliás, porque se a mesma não for junta e não houver a constituição de mandatário no prazo designado para o efeito a cominação legal é a absolvição do réu da instância, nos termos do normativo inserto no artigo 41º do mesmo diploma, daí que o Tribunal, no caso sujeito, oficiosamente, haja aguardado dez dias pela junção das procurações que as Autoras protestaram juntar e decorrido tal prazo, haja produzido despacho a ordenar a sua junção e ratificação do processado, se se afigurasse necessário, com aquela cominação legal, caso as mesmas não fossem juntas aos autos.

É óbvio que, tratando-se como se trata de uma imposição legal sujeita a cominatório preclusivo do prosseguimento do procedimento instaurado, não se poderá argumentar como faz a Recorrente, que a citação poderia ter ocorrido sem que se mostrassem juntas aos autos as procurações das Autoras, as quais deveriam ter acompanhado o articulado inicial, de onde a respectiva falta ser da exclusiva responsabilidade daquelas, por infracção das regras procedimentais aplicáveis, supra indicadas, sendo espúrios os argumentos as invocados pela Recorrente no que tange à não apresentação dos documentos com a Petição ou nos prazos estabelecidos no artigo 144º, nºs 1 e 2 e nos artigos 10º, nºs 1, 2, 4 e 5 da Portaria 280/2013 de 26 de Agosto, não constituir motivo impeditivo da realização da citação, porque esta asserção não resulta de tais ínsitos, os quais, apenas, dizem respeito à apresentação de peças processuais e documentos por via electrónica e prazo para o feito, questão diversa do acto de citação, o qual como decorre do artigo 219º, nº1 do CPCivil se destina a dar «[c]onhecimento ao Réus de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender;».

Diversa seria a situação se o patrocínio judiciário tivesse sido exercido a titulo de gestão de negócios, nos termos do artigo 49º, nº1 do CPCivil, por se tratar de um caso de urgência, o qual dependeria sempre da ratificação pela parte, mas podendo-se discutir aqui a operância efectiva da confissão ficta referida no nº2 do artigo 323º do CCivil, caso a mesma não se tivesse realizado nos cinco dias subsequentes a ter sido requerida, mesmo com uma regularização ulterior do processado: tal, contudo não ocorreu, tendo a acção sido proposta em termos normais, com a subscrição da Petição Inicial por um Advogado, sem que fosse junta a pertinente procuração. 

Tendo a citação das Rés, aqui Recorridas, sido efectuada em 4 e 8 de Maio de 2006, é óbvio que, nestas datas, já havia ocorrido o prazo prescricional de três anos, aludido no artigo 482º do CCivil."

*3. [Comentário] a) (i) Salvo o devido respeito, discorda-se da solução defendida no acórdão do STJ.

Importa começar por referir que a falta da junção da procuração a mandatário judicial constitui uma excepção dilatória sanável, como decorre do disposto no art. 48.º, n.º 2, CPC (o acórdão integra equivocadamente o vício na falta de patrocínio judiciário regulada no art. 41.º CPC). Uma vez sanada aquela excepção dilatória, essa sanação retroage ao momento da propositura da acção. 

É assim no caso da falta de procuração a mandatário judicial, tal como o é em qualquer outra hipótese de sanação de uma excepção dilatória. Por exemplo: suponha-se que uma acção é proposta com preterição de litisconsórcio necessário e que esta excepção dilatória é sanada através da intervenção da parte que faltava (cf. art. 316.º, n.º 1, CPC); esta intervenção sana a ilegitimidade do autor inicial a partir do momento da propositura da acção; como é claro, esse autor não continua a ser parte ilegítima até à intervenção do seu co-autor e também não é parte legítima apenas depois dessa intervenção.

Sendo assim, constituindo a falta de procuração uma excepção dilatória sanável e retroagindo a sua sanação ao momento da propositura da acção, não se vê motivo para entender que a mesma possa obstar à interrupção da prescrição nos termos do art. 323.º, n.º 2, CC. Uma vez sanada a excepção dilatória, tudo se passa como se o vício nunca tivesse existido no processo.

Contra isto poder-se-ia objectar que a excepção dilatória constitui uma das causas imputáveis ao autor que, segundo o disposto no art. 323.º, n.º 2, CC, impede a interrupção da prescrição logo que decorram cinco dias depois da propositura da acção. A isto pode responder-se que, segundo se julga, nunca se entendeu que uma qualquer excepção dilatória constitui uma manifestação de negligência da parte pela qual a mesma deva ser sancionada (nomeadamente, através da não aplicação do art. 323.º, n.º 2, CC).

Que o regime não pode ser este pode ser demonstrado através de um exemplo muito simples. Suponha-se que um menor está irregularmente representado por um único dos progenitores; o vício é sanável através da citação ou intervenção do outro progenitor (art. 27.º, n.º 1, CPC); seria absolutamente contraditório assegurar que o menor deva estar representado pelos seus representantes legais e ao mesmo tempo concluir que, se o direito do menor estiver sujeito a prescrição, a sanação da irregularidade de representação em nada aproveita ao menor, porque entretanto, não se podendo aplicar o disposto no art. 323.º, n.º 2, CC, se completou a prescrição do seu direito.

Generalizando: a sanação das excepções dilatórias não pode deixar de implicar a possibilidade da aplicação do disposto no art. 323.º, n.º 2, CC, porque seria contraditório permitir essa sanação e, ao mesmo tempo, excluir dessa sanação a aplicação daquele preceito. No caso de direitos sujeitos a prescrição, isso equivaleria a "dar com uma mão e a tirar com a outra".

(ii) Ainda que não se considerem procedentes os argumentos anteriores, o disposto no art. 590.º, n.º 1, CPC, em conjugação com o estabelecido no art. 560.º CPC, demonstra que uma excepção dilatória não pode obstar à aplicação do art. 323.º, n.º 2, CC. Mesmo no caso de indeferimento liminar da petição inicial (por exemplo, por ineptidão da petição inicial), a apresentação de uma outra petição inicial implica que a acção se considera proposta na data em que a primeira petição foi apresentada em juízo. Portanto, nem a apresentação de uma outra petição inicial que corrige uma excepção dilatória não sanável obsta à interrupção da prescrição segundo o estabelecido no art. 323.º, n.º 2, CC. 

b) No acórdão afirma-se o seguinte:

"Diversa seria a situação se o patrocínio judiciário tivesse sido exercido a titulo de gestão de negócios, nos termos do artigo 49º, nº1 do CPCivil, por se tratar de um caso de urgência, o qual dependeria sempre da ratificação pela parte, mas podendo-se discutir aqui a operância efectiva da confissão ficta referida no nº2 do artigo 323º do CCivil, caso a mesma não se tivesse realizado nos cinco dias subsequentes a ter sido requerida, mesmo com uma regularização ulterior do processado [...]".

O argumento é, salvo melhor opinião, completamente formalista. Não pode ser pela circunstância de o advogado das autoras referir ou omitir que exerce o patrocínio judiciário a título de gestão de negócios que se deve decidir a prescrição de uma (alegada) dívida de mais de € 30.000.000,00. 

c) Uma última observação. Do que acima se refere também resulta quais eram os argumentos que, possivelmente entre outros, as recorrentes poderiam ter utilizado no recurso de revista que interpuseram para o STJ.

MTS
 

27/04/2019

Informação (250)


Justiça na UE
 
O Painel de Avaliação da Justiça na UE de 2019 pode ser consultado aqui.

 

Bibliografia (802)


-- Andrews on Civil Processes / Court Proceedings, Arbitration & Mediation, 2.ª ed. (Intersentia: Cambridge 2019)

 

26/04/2019

Legislação (157)


Segurança Social; dívidas

-- DL 56/2019, de 26/4: Reforça os poderes e os incentivos aplicáveis à cobrança de dívida à segurança social

Jurisprudência 2019 (9)


Injunção; execução;
juros de mora*


1. O sumário de RC 15/1/2019 (230/15.0T8PBL-A.C1) é o seguinte:

I - Na execução que tenha como título executivo injunção a que foi aposta fórmula executória, os juros que se hajam vencido desde o requerimento da injunção e que integram a quantia exequenda deverão ser calculados à taxa convencionada no contrato que constituiu causa de pedir na injunção.

II - Não há quaisquer motivos para aplicar ao título executivo em referência o disposto no nº 2 do art 703º CPC, onde se limita o exequente aos «juros de mota à taxa legal», quando a disposição especial constante do art 13º/1 al. d) do DL 269/98, de 1/9, se refere apenas aos «juros de mora», sem os referenciar à taxa legal.

III - Se assim não fosse, muito provavelmente os credores de obrigações pecuniárias não estariam dispostos a lançar mão do procedimento da injunção para alcançar um título executivo, pois o preço que pagariam pela brevidade com que o alcançariam resultaria absorvido pela perda de juros de mora contratuais a que se sentem com direito, resultado que desincentivaria a utilização do mecanismo em causa, com que o legislador pretende alcançar objectivos relevantes numa economia de escala como aquela em que vivemos.

IV - Caberá ao executado, entendendo-o, opor-se à aplicação desses juros de mora na oposição à execução.

V - Não se crê que tenha sido propósito do legislador restringir o valor dos juros a que tenha contratualmente direito o requerente de injunção que não se veja pago de imediato em função do requerimento de injunção, impondo-lhe juros à taxa legal. Se assim fosse, poderiam não ser assim tantos os credores de obrigações pecuniárias dispostos a lançar mão do procedimento da injunção para alcançar um título executivo.

2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"[...] é em função de por si só constituir (o requerimento de injunção a que foi aposta a formula executória) título executivo, que se baseia o despacho recorrido para, ao abrigo do disposto no nº 3 do artigo 726º do CPC, indeferir parcial e liminarmente o requerimento executivo, permitindo a prossecução da execução apenas para pagamento da quantia de € 5.573,80 (4.136,80, valor da quantia pedida no requerimento de injunção e da taxa de justiça paga pelo requerente da injunção + € 651,01 referente a juros de mora devidos desde a data da apresentação do requerimento de injunção, vencidos até à instauração da execução, contabilizados nos termos do disposto no artigo 559º do CC + € 785,99 juros à taxa de 5% ao ano a contar da data da aposição da fórmula executória, vencidos até à instauração da execução), acrescida de juros vincendos, esclarecendo que, «os juros de mora devidos desde a data da apresentação do requerimento de injunção, vencidos até à instauração da execução, terão de ser contabilizados nos termos do disposto no artigo 559º do CC, uma vez que o título executivo é um requerimento de injunção e não um contrato em que tenha sido estabelecida taxa diversa».

Decisão que se mostra tributária da do Ac. desta Relação de 11/10/2017 [...], no qual, entre o mais, se diz: «No caso sub judice, o título executivo é um requerimento de injunção ao qual foi aposta a fórmula executória; o título executivo não corresponde, portanto, aos contratos que haviam fundamentado aquele requerimento, mas sim ao próprio requerimento e, portanto, é no requerimento de injunção (e não nos contratos que o fundamentaram) que haveremos de começar por procurar os limites da acção executiva que nele se baseia. (…) Reafirma-se que o título executivo aqui em questão não é o contrato celebrado entre as partes, mas sim o requerimento de injunção e os juros moratórios previstos na lei reportam-se, naturalmente, a todo e qualquer requerimento de injunção independentemente do acto ou contrato invocado para o fundamentar, não nos parecendo curial admitir que, ao considerar aqueles juros, o legislador tivesse pretendido consignar a necessidade de indagar e analisar o acto ou contrato que fundamentou a injunção para determinar a taxa de juros aplicável e a necessidade, portanto, de recorrer a elementos externos ao título para apurar os limites da execução. O que o legislador pretendeu foi consignar que a obrigação fixada no título (independentemente da sua causa ou fundamento) vence juros e, não tendo determinado outra taxa, tais juros apenas poderão ser calculados à taxa que resulta da lei, não sendo, portanto, atendível a taxa de juro que resultava do acto/contrato que fundamentava a injunção. De facto, a celeridade na obtenção do título executivo – que foi visada pelo legislador – pressupõe um procedimento simplificado que não exija especial indagação e que, como tal, há-de pressupor valores facilmente determinados: um valor líquido expressamente indicado no requerimento e juros, calculados sobre essa quantia a partir da data da apresentação do requerimento, a uma taxa fixa que não exija qualquer indagação ou apreciação dos fundamentos do pedido de injunção (dos actos ou contratos que lhe estão subjacentes) e que, como tal, só poderá ser a taxa fixada na lei».

Não nos parece, porém, esse, o melhor entendimento.

Desde logo, porque nos repugna a ideia, ventilada pelo aludido acórdão, de que «essa circunstância nem sequer poderá ser vista como excessivamente onerosa ou penosa para o credor», na medida em que o mesmo «não é obrigado a recorrer à injunção e, portanto, caso não pretenda prescindir de juros a que tenha direito e que não lhe sejam garantidos pelo procedimento de injunção, poderá recorrer à acção declarativa».

Não se crê que tenha sido propósito do legislador restringir o valor dos juros a que tenha contratualmente direito o requerente de injunção que não se veja pago de imediato em função do requerimento de injunção, impondo-lhe juros à taxa legal [...]. Se assim fosse, poderiam não ser assim tantos os credores de obrigações pecuniárias dispostos a lançar mão do procedimento da injunção para alcançar um título executivo. O preço que pagariam pela brevidade com que o alcançariam, resultaria certamente absorvido pela perda de juros contratuais a que se sentiam com pleno direito. Esse resultado constituiria um franco desincentivo à utilização do mecanismo em causa, com o qual, como acima já se acentuou, o legislador pretende alcançar objectivos de interesse geral muito relevante numa economia de escala como aquela em que vivemos.

Mas para além dessa razão não se vêm motivos na lei que obriguem a tal solução.

Bem pelo contrário.

Em primeiro lugar – e convém assinalá-lo – o mencionado art 13º /1 al. d), ao referir que a notificação (do requerido) «deve conter a indicação de que, na falta de pagamento da quantia pedida e da taxa de justiça pelo requerente, são ainda devidos juros de mora desde a data da apresentação do requerimento (…) », não refere juros «à taxa legal».

A expressão «juros à taxa legal» consta, não dessa norma – que é a directamente aplicável à situação dos autos – mas da do nº 2 do art 703º CPC.

Aí, sim, diz-se, «consideram-se abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante».

Essa norma não será porém aplicável à situação dos autos, o que melhor se compreenderá se se atentar na respectiva génese.

Foi o DL 38/2003, de 8/3, que a acrescentou ao então art 46º CPC, na sequência de controvérsia há muito existente em função da admissibilidade de execução de condenação implícita. Questão que sendo muito mais ampla e relevante do que a colocada relativamente à execução de juros moratórios legais não compreendidos na sentença de condenação, se colocou com muita acuidade nesse específico domínio. De tal modo que se podia descortinar uma corrente jurisprudencial, parece que minoritária, no sentido de que era admissível, quando o título executivo fosse uma sentença condenatória, não obstante a mesma «definir o conteúdo do direito nos limites do pedido, art 661º, e constituir caso julgado nos limites da decisão, art 673º», pedir na execução juros, não obstante ainda o objecto da condenação tivesse consistido apenas numa prestação de capital [...] [...].

Assim, o Ac. RE 10/3/1987 [...] entendia que o «enquadramento da pretensão do exequente nos limites do título executivo deve ser conhecido oficiosamente pelo tribunal, independentemente de o executado deduzir ou não oposição», e, por isso, «quando a sentença condenatória compreenda uma ordem de cumprimento de obrigação pecuniária e não haja condenação em juros, o pedido do exequente pode abranger o crédito do capital e o dos respectivos juros de mora, à taxa legal [...] , a contar da data da notificação da sentença ao executado, ou do trânsito». No mesmo sentido se colocou Abrantes Geraldes [«Exequibilidade da sentença condenatória quanto aos juros de mora», in CJ- STJ , 2001, I p 55-62, e «A Reforma da Acção Executiva , Themis, 7, 49-53], dizendo a este respeito : «Com efeito, se, quando as partes, fora de qualquer processo judicial, ao celebrarem um contrato que apenas reportasse uma obrigação de capital, podiam exigir coercivamente os juros moratórios, não víamos razões que impedissem a aplicação de semelhante regime às obrigações reconhecidas em processo judicial. Resultando inequivocamente da sentença a obrigação de pagamento de certa quantia, não parecia razoável rejeitar a utilização desse título para cobrança dos juros de mora, perante o comprovado incumprimento da obrigação do devedor. Se algum motivo colidisse com a exigibilidade dos juros sempre ao executado seria facultada a possibilidade de deduzir oposição à execução para provar, por exemplo, a mora do credor – art 813º CC – ou uma causa de impossibilidade objectiva de cumprimento – art 790º/1 CC».

Pese embora o peso maioritário da corrente jurisprudencial no sentido da inadmissibilidade da execução poder compreender os juros de mora quando o título executivo fosse uma sentença condenatória que os não tivesse contemplado, e pese embora uma tal solução implique que «o direito de defesa fique deferido para o momento da oposição à execução» [Rui Pinto [«Manual da Execução e Despejo», 1ª ed Agosto de 2013], p 163], o facto é que o DL 38/2003, de 8/3, veio determinar que «consideram-se abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante» .

Nas palavras de Lebre de Freitas [[«A Acção Executiva depois da Reforma», 4ª ed , 2004], p 97], «a redacção introduzida pelo DL 38/2003, ao mesmo tempo que torna indiscutível a admissibilidade do pedido quando se trate de título extrajudicial, inculca também que, fora o caso da absolvição do pedido (formulado) de juros, estes podem ser pedidos na execução de sentença (sem o que, nos termos do princípio do dispositivo, não serão considerados Paula Costa e Silva, «A Reforma da Acção Executiva», 2003, 3ª ed, p 28), sendo contados da data da citação para a acção declarativa ou de outra anterior em que tenha sido provado que o devedor se constituiu em mora (art 805º/3)». Acrescentando que, «diferentemente se põe a questão no caso de juros convencionais, os quais carecem, nos termos gerais, de constar do título executivo».

No mesmo sentido se pronuncia Teixeira de Sousa [«A Reforma da Acção Executiva», 2004, p 72], referindo: «Os juros de mora, determinados à taxa legal, consideram-se sempre abrangidos pelo título executivo da respectiva obrigação (art 46º/2). A principal consequência deste regime é a de que a satisfação desses juros pode ser pedida na execução, mesmo que, se o título executivo for uma sentença, eles não tenham sido pedidos na anterior acção declarativa». Frisando, no entanto, que «o art 46º/2 só se refere aos juros de mora legais, não abrangendo, portanto, os juros convencionais».

Voltando à situação dos autos, destacada como está a circunstância do art 13º/1 al. d) do DL 269/98, de 1/9, se referir tão só a «juros de mora» e não a «juros de mora, à taxa legal», como consta do nº 2 do art 703º CPC - e onde a lei distingue, não caberá ao intérprete deixar de o fazer - há agora que relevar a diferença que há entre uma sentença condenatória que condene em capital, mas que não contemple os juros de mora, e um requerimento injuntivo em que tenha sido aposta a fórmula executória nos termos acima referidos: enquanto ali se verifica a pré-existência de um processo declarativo em que a questão dos juros e também a da respectiva taxa podia ter sido abarcada e decidida, e não o foi, justificando-se que, no máximo, sejam conferidos ao credor exequente, em função dessa sentença, os juros de mora «à taxa legal», aqui, no procedimento por injunção, e sem que se possa imputar ao credor qualquer comportamento processual menos devido, não houve qualquer actividade jurisdicional que pudesse ter incidido sobre o valor da taxa de juros.

Ora, esta circunstância, aliada àquela outra da apontada diferença terminológica, não pode deixar de implicar que seja indevido tratar um e outro credor da mesma forma, impedindo este de reclamar juros em função da taxa convencionada.

Nem se diga que à execução fundada em injunção presidem ainda os mesmos objectivos que anteriormente presidiram para a obtenção do título executivo – isto é, que a celeridade e simplicidade na obtenção do título executivo deverá contaminar a respectiva execução, de tal modo que o credor exequente resulte impedido de pedir juros à taxa convencionada no contrato fundamento da injunção, impondo-se a utilização de «valores facilmente determinados: um valor líquido expressamente indicado no requerimento e juros, calculados sobre essa quantia a partir da data da apresentação do requerimento, a uma taxa fixa que não exija qualquer indagação ou apreciação dos fundamentos do pedido de injunção (dos actos ou contratos que lhe estão subjacentes) e que, como tal, só poderá ser a taxa fixada na lei». [Acima referido Ac RC 11/10/2017].

É que, em tudo quanto não seja previsto expressamente para a execução fundada em injunção, tal execução rege-se pelos mesmos normativos que as demais cuja finalidade seja o pagamento de quantia certa.

Por isso, o exequente dessa execução tem, como os demais nessa finalidade, o ónus de liquidar os juros de mora no requerimento executivo (os vencidos desde a apresentação do requerimento injuntivo até à interposição da acção executiva), especificando «os valores que considera compreendidos na prestação devida» e «concluindo o requerimento executivo com um pedido líquido», como o dispõe o art 716º/1 CPC. Sendo que, como resulta do nº 2 desse dispositivo, «quando a execução compreenda juros que continuem a vencer-se, a sua liquidação é feita a final, pelo agente de execução, em face do título executivo e dos documentos que o exequente ofereça em conformidade com ele (…)» [...].

Caberá ao executado vir a defender-se na oposição à execução – vista a declaração da inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 857º/1 CPC, ex vi do Ac do Tribunal Constitucional nº 274/2015, de 12 de Maio, DR 1ª série, nº 110, de 8/6/2015, quando interpretada no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimento de injunção à qual foi aposta a fórmula executória – na qual poderá contraditar, e aqui por referencia à situação dos autos, o alcance dos juros moratórios convencionais pretendido pelo exequente, designadamente em função do Acórdão Uniformizador do STJ 7/2009 de 25/3 (DR I Série de 5/5/2009) [...]."

*3. [Comentário] Num acórdão em que se analisa o art. 703.º, n.º 2, CPC e os seus antecedentes jurisprudenciais, doutrinários e legais, talvez se pudesse ter feito referência ao Ac. STJ 9/2015, de 24/6, no qual se definiu (de forma muito discutível) que, «se o autor não formula na petição inicial, nem em ulterior ampliação, pedido de juros de mora, o tribunal não pode condenar o réu no pagamento desses juros». Isto implica que, se esses juros não tiverem sido pedidos no processo declarativo, a posterior execução não pode abranger os juros contratuais e nem sequer os juros legais.

A referência ao Ac. STJ 9/2015 apenas teria exigido uma argumentação suplemementar por parte da RC, dado que uma coisa é não ser formulado no processo declarativo nenhum pedido de juros e outra bastante diferente é entender que, na execução baseada em requerimento de injunção, o exequente só tem direito a juros moratórios à taxa legal. Assim, não deixa de se aderir à tese defendida no acórdão, principalmente se o argumento que lhe é contraposto é o de que o credor não perde os juros de mora contratuais se, em vez do procedimento de injunção, recorrer a outro meio de tutela dos seus interesses.

MTS



25/04/2019

Jurisprudência 2018 (216)


Reg. 1346/2000; processo de insolvência;
efeitos; execução pendente


1. O sumário de RE 20/12/2018 (448/08.2 TBLGS.E1) é o seguinte:

O artigo 15º do Regulamento (CE) nº 1346/2000 do Conselho, de 29 de Maio de 2000, exclui o processo de execução.

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"B - O direito/doutrina/jurisprudência [...]

 - “III - Em regra, a lei aplicável ao processo de insolvência e aos seus efeitos sobre as ações individuais executivas é a lei do Estado-membro em cujo território é aberto o processo - lex fori concursus -, contudo o Regulamento (CE) nº 1346/2000 prevê exceções a essa regra geral (arts. 4º., 5º. a 15º); uma dessas exceções é a relativa aos efeitos do processo de insolvência nas ações declarativas pendentes relativas a um bem ou direito de cuja administração ou disposição o devedor esteja inibido, os quais se regem exclusivamente pela lei do Estado-Membro em que a referida ação se encontra pendente (arts. 4º., nº 2, al. f) e 15º). IV - Em conformidade com o decidido pelo TJUE, em sede de reenvio prejudicial, suscitado no presente processo, “O artigo 15º do Regulamento (CE)) nº 1346/2000 do Conselho, de 29 de Maio de 2000, relativo aos processos de insolvência, deve ser interpretado no sentido de que se aplica a uma ação pendente num órgão jurisdicional de um Estado-Membro que tenha por objeto a condenação de um devedor no pagamento de uma quantia pecuniária, devida por força de um contrato de prestação de serviços, e de uma indemnização pecuniária por incumprimento da mesma obrigação contratual no caso de o devedor ter sido declarado insolvente num processo de insolvência aberto noutro Estado-Membro e de esta declaração abranger todo o património do referido devedor. IV - De acordo com o entendimento do TJUE apenas os processos de execução estão excluídos do âmbito de aplicação do citado art. 15º., estando por ele abrangidas as ações declarativas que tenham por objeto o reconhecimento de um direito de crédito, sem implicarem a sua cobrança coerciva, posto que estas não são suscetíveis de pôr em causa o princípio da igualdade do tratamento dos credores, nem a resolução coletiva do processo.” [Acórdão do STJ de 12 de julho de 2018 (processo nº 2153/08.0 TVLSB.L1.S1), in www.dgsi.pt..]

C - Aplicação do direito aos factos

A exequente BB (GmbH &Co) KG solicitou ao Estado Português a intervenção dos seus órgãos, “incumbidos de exercer a atividade executiva”, no sentido de levar a cabo as ações necessárias, tendo em visto o pagamento do crédito certificado pelo titulo executivo, que deu à execução.

Tais ações circunscreveram-se, apenas, à apreensão de um imóvel pertencente ao executado CC, localizado em Portugal. 

Assim sendo, é manifesto que o crédito exequendo não foi ainda pago, nem encontrou “satisfação fora do esquema da providência pretendida”.

Como tal, presente ação executiva continua a ter objeto, sendo certo, ainda, que os sujeitos deste processo não desapareceram.

Não parece, pois, razoável chamar à colação a figura da inutilidade superveniente da lide, com a consequente extinção da instância executiva. 

Por outro lado, a continuação desta ação executiva, não obstante a insolvência do executado CC - decretada por um tribunal alemão -, não viola o princípio da igualdade do tratamento dos credores, uma vez que a credora/exequente BB (GmbH &Co) KG está obrigada a restituir ao síndico, o que obteve, através deste meio “executório”.

Equivale isto a dizer que o artigo 15º do Regulamento (CE) nº 1346/2000 do Conselho, de 29 de Maio de 2000 exclui o processo de execução. 

Além disso, é de mencionar que a obrigatória apensação de um processo executivo ao processo de insolvência, não implica a extinção daquele e, sim, quando muito, a sua hibernação.

Deste modo, é de ratificar a pretensão da exequente BB (GmbH &Co) KG, veiculada através do recurso.

Em síntese [...]: o artigo 15º do Regulamento (CE) nº 1346/2000 do Conselho, de 29 de Maio de 2000, exclui o processo de execução."

*3. [Comentário] O decidido no acórdão fica mais explícito se se tiver presente o que consta de TJ 9/11/2016 (C-212/15, ENEFI/Direcția Generală Regională a Finanțelor Publice Brașov), n.º 34 e 35:

34 [...] seria contraditório interpretar o artigo 15.º do Regulamento n.º 1346/2000 no sentido de que se refere também aos processos de execução forçada, com a consequência de que os efeitos da abertura de um processo de insolvência ficarem abrangidos pela lei do Estado‑Membro em que esse processo de execução forçada está pendente, ao mesmo tempo que o artigo 20.º, n.º 1, deste regulamento, que impõe expressamente a restituição ao síndico do que tiver sido obtido «com caráter executório», retiraria ao artigo 15.º o seu efeito útil.

35 Consequentemente, há que considerar que os processos de execução forçada não estão abrangidos pelo âmbito de aplicação do artigo 15.º do Regulamento n.o 1346/2000."
 
MTS

24/04/2019

Bibliografia (801)


-- Mollar Piquer, María Pilar, La prueba en el proceso de consumidores y usuarios (Editorial Tirant lo Blanch: Valência 2019)



Jurisprudência 2019 (8)


Execução; penhora; 
imunidade de execução

 
1. O sumário de RL 16/1/2019 (12515/16.4T8LSB.2.L1-4) é o seguinte:

I – A extensão do princípio da imunidade de jurisdição não tem contornos precisos e imutáveis, evoluindo de acordo com a prática, designadamente jurisprudencial, dos diversos Estados que integram a comunidade internacional.

II – No contexto da imunidade de jurisdição dos Estados soberanos – que se suscita quando um Estado é demandado no tribunal de um outro Estado em virtude de actos neste praticados – autonomiza-se a imunidade de execução que se suscita quando se pretende adoptar contra um Estado distinto do Estado do foro uma medida coactiva contra os seus bens situados no território do foro.

III – Enquanto no que concerne à imunidade de jurisdição dos Estados tende hoje a prevalecer uma concepção restrita, a imunidade de execução é generalizadamente aceite com uma latitude maior, entendendo-se a mesma como uma prerrogativa institucional de carácter mais abrangente.

IV – Da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas de 1961, que se aplica directamente ao Estado português, decorre que não existe uma impossibilidade absoluta de se proceder à aplicação de medidas de execução a uma Embaixada, pois que tal impossibilidade apenas se verifica quando estamos perante bens afectos à finalidades da missão diplomática.

V – Também a Convenção das Nações Unidas sobre Imunidades dos Estados, de 2 de Dezembro de 2004, admite que a execução possa atingir o património de um Estado estrangeiro sito no Estado do foro, ainda que apenas nos casos e dentro dos limites estabelecidos no próprio instrumento internacional.

VI – Em resultado do teor dos textos convencionais que sucessivamente foram sendo publicados e da jurisprudência que foi sendo emitida nos diversos Estados, a imunidade de execução foi-se relativizando, admitindo-se a possibilidade de execução da sentença condenatória do Estado que não salde espontaneamente a sua dívida, ainda que a execução apenas possa prosseguir quanto a um certo tipo de bens.

VII – Embora as denominadas convenções internacionais de Basileia e das Nações Unidas sobre Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos seus Bens não estejam em vigor na ordem jurídica portuguesa, deve conferir-se relevância ao seu conteúdo, revelador do dos contornos da evolução da regra costumeira da imunidade de execução, na medida em que o costume internacional é fonte formal de direito.

VIII – Se no requerimento executivo o exequente não nomeou à penhora bens da Embaixada, o tribunal da 1.ª instância não tinha quaisquer elementos para afirmar que os eventuais bens que viessem a ser penhorados no futuro se enquadrariam nas hipóteses de imunidade de execução reconhecidas pelo direito internacional, v. g. que os mesmos se destinassem a ser utilizados para as finalidades da missão, e não é possível afirmar a incompetência internacional dos tribunais portugueses para tramitar a execução da sentença que, em acção declarativa, condenou aquela Embaixada no pagamento ao trabalhador exequente de créditos indemnizatórios e retributivos.

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"Da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, citada na decisão sob recurso – e que se aplica directamente nos termos do artigo 8.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa – decorre que não existe uma impossibilidade absoluta de se proceder à aplicação de medidas de execução a uma Embaixada, pois que a impossibilidade apenas ocorre quando estamos perante bens afectos às finalidades da missão diplomática.

Na verdade, se é certo que no seu art. 22.º, n.º 3 a Convenção estabelece que “[o]s locais da missão, o seu mobiliário e demais bens neles situados, assim como os meios de transporte da missão, não poderão ser objecto de busca, requisição, embargo ou medida de execução”, é igualmente certo que, de acordo com a alínea i) do seu artigo 1.º os “locais de missão” vêm definidos como “os edifícios, ou parte dos edifícios e terrenos anexos, seja quem for o seu proprietário, utilizados para as finalidades da missão, inclusive a residência do chefe da missão”.

Ou seja, os bens da missão diplomática que estão excluídos da execução são os afectos às finalidades da missão (não estando excluído que possa haver bens com distinta afectação), não sendo exacta a afirmação do Mmo. Juiz a quo na decisão sob recurso de que a imunidade de execução “consubstancia um privilégio de direito internacional que impede que se penhore qualquer bem da titularidade das missões diplomáticas”.

Perante a exigência convencional de que os bens sejam “utilizados para as finalidades da missão” para que se enquadrem no conceito de “locais de missão” salvaguardados das medidas de execução nos termos do artigo 22.º, n.º 3 da Convenção, é manifesto que, havendo bens que se não enquadrem em tal conceito, inexiste qualquer imunidade que os subtraia às medidas de execução.

Além disso, também a Convenção das Nações Unidas sobre Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos seus Bens, de 2 de Dezembro de 2004, admite que o direito de executar possa atingir o património de um Estado estrangeiro sito no Estado do foro, ainda que apenas nos casos e dentro dos limites estabelecidos no próprio instrumento internacional. Recorde-se que, embora não possam aplicar-se directamente as normas desta Convenção de Nova Iorque, uma vez que não se encontra ainda em vigor na ordem jurídica nacional, na ordem interna portuguesa vigora a regra consuetudinária internacional da imunidade jurisdicional (art. 8.º n.º 1 CRP), com o conteúdo e sentido que esta Convenção também actualiza.

Na verdade, a Convenção refere-se, na sua Parte IV, à imunidade dos Estados relativamente a medidas cautelares e de execução relacionadas com processos judiciais e no seu artigo 19.º, que versa sobre “imunidades dos Estados relativamente a medidas de execução posteriores ao julgamento”, elenca nas suas alíneas a) a c) as situações excepcionais em que podem ser tomadas medidas de execução posteriores ao julgamento contra os bens de um Estado. Por seu turno o respectivo artigo 21.º elenca algumas categorias de bens relativamente aos quais, por reporte à excepção constante da alínea c) do artigo 19.º, vale integralmente a imunidade de execução do Estado estrangeiro.

Ou seja, ainda que de maneira excepcional e restrita, e desde que a execução se confine aos casos e limites traçados na Convenção, a verdade é que esta admite a possibilidade de executar bens pertencentes ao Estado estrangeiro e sitos no Estado do foro.

Deve acrescentar-se que “toda a restrição ao princípio da imunidade deve estar generalizadamente radicada na consciência jurídica das coletividades, o que impõe grande prudência e muita segurança na sua aplicação” [...], pelo que é de considerar que o âmbito das restrições que podem admitir-se àquela regra consuetudinária da imunidade de execução dos Estados, não pode ultrapassar as restrições que constam da Convenção da ONU sobre Imunidades Jurisdicionais dos Estados e dos seus Bens, texto convencional este que mais recentemente expressou os contornos da regra consuetudinária em causa.

Quanto à jurisprudência, que também deve ser invocada para densificar o sentido actualizado da regra da imunidade, desconhecemos na jurisprudência portuguesa decisões que abordem esta matéria da imunidade de execução.

Na jurisprudência estrangeira, a jurisprudência espanhola [...] e brasileira [...] têm-se orientado no sentido de imunidade relativa e a prática americana em matéria de imunidade de execução, segundo dá nota Catherine Kessedjian [Na obra colectiva “L'immunité d'exécution de l'état etranger” coordenada por Marie-Françoise Labrouz, Paris, Montchrestien,1990, pp. [sic]], tem vindo também a sedimentar-se no sentido de uma imunidade de execução restrita.

Assim, tendo em consideração as prescrições da Convenção de Viena de 1961 [artigos 22.º, n.º 3 e 1.º, alínea i) e tendo em consideração que na ordem jurídica interna, vigora a regra consuetudinária emergente dos citados preceitos convencionais da Convenção da ONU de Nova Iorque, nos termos do artigo 8.º, n.º1 da Constituição da República Portuguesa (costume internacional de âmbito geral), regra que emerge também da jurisprudência que vem sendo emitida em vários Estados incluindo o americano, não podia o tribunal a quo concluir que existe imunidade absoluta de execução do Estado estrangeiro relativamente a medidas de execução posteriores ao julgamento e daí retirar a afirmação da incompetência internacional dos tribunais portugueses para tramitar a presente acção executiva, quando é certo que no requerimento executivo o ora recorrente não nomeou quaisquer bens à penhora.

Acresce que, de acordo com a nossa lei ordinária, nenhum motivo existe para denegar a competência internacional ao Juízo do Trabalho da Comarca de Lisboa.

Nos termos do artigo 126.ª, n.º 1, alínea m), da Lei de Organização do Sistema Judiciário aprovada pela Lei n.° 23/2018, de 05 de Junho, compete aos juízos do trabalho conhecer, em matéria cível [d]as execuções fundadas nas suas decisões ou noutros títulos executivos, ressalvada a competência atribuída a outros tribunais”.

A presente execução funda-se numa sentença proferida pelo Juízo do Trabalho da Comarca de Lisboa, sendo por isso competente este mesmo Juízo para conhecer do presente processo.

Por outro lado, como bem diz o recorrente, não nos podemos olvidar que o que esteve na génese da instauração da presente execução, foi uma decisão condenatória proferida por um tribunal português e na qual foi o seu despedimento declarado ilícito e a recorrida condenada no pagamento de diversas quantias, quer a título de indemnização, quer a título de créditos salariais, sendo a acção declarativa apreciada e julgada em Portugal, nos termos do Regulamento (UE) n.° 281/2015, de 25/02 – que no n.º 2 do seu art. 20.º estipula que “[s]e um trabalhador celebrar um contrato individual de trabalho com uma entidade patronal que não tenha domicílio num Estado-Membro mas tenha uma filial, agência ou outro estabelecimento num Estado-Membro, considera-se, quanto aos litígios resultantes do funcionamento dessa filial, agência ou estabelecimento, que a entidade patronal tem o seu domicílio nesse Estado-Membro” – em conformidade com o entendimento do Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 19 de Julho de 2012 (à luz do correspondente n.° 2 do art. 18.° do Regulamento CE n.° 44 /2001) de que o referido preceito deve ser interpretado “no sentido de que uma Embaixada de um Estado estrangeiro situado no território de um Estado-Membro constitui um estabelecimento na acepção desta disposição num litígio relativo a um contrato de trabalho celebrado entre esta em nome do Estado acreditante”.

Em suma, radicada a competência internacional dos tribunais portugueses neste quadro normativo (bem como nos artigos 10.º e 14.º do Código de Processo do Trabalho, sobre os quais, de todo o modo, prevalece o Regulamento n.º 281/2015 – cfr. o artigo 59.º do CPC) e tendo em consideração que não é de reconhecer à ora recorrida imunidade absoluta de execução, não pode acompanhar-se a decisão final constante do despacho de indeferimento liminar.

Recorde-se que no requerimento executivo apresentado no caso sub judice o exequente não nomeou bens à penhora, razão por que o tribunal da 1.ª instância não tinha quaisquer elementos para afirmar que os eventuais bens que viessem a ser penhorados nestes autos se enquadravam nas hipóteses de imunidade de execução reconhecidas pelo direito internacional, v. g. que os mesmos se destinavam a ser utilizados para as finalidades da missão.

Pelo que inexistiam razões para afirmar a incompetência internacional dos tribunais portugueses para tramitar a presente acção executiva.

O recurso merece provimento e deve ser revogada a decisão da 1.ª instância, determinando-se o prosseguimento da execução sem prejuízo, naturalmente, de se vir a reconhecer ulteriormente que a executada beneficia da imunidade de execução relativamente aos bens que se enquadrem nas disposições dos artigos 22.º, n.º 3, da Convenção de Viena de 1961 e 19.º da Convenção de Nova Iorque de 2004."

[MTS]