"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



23/04/2019

Jurisprudência 2019 (7)


Audiência prévia; dispensa;
requerimento probatório; alteração

 
1. O sumário de RL 15/1/2019 (1178/16.7T8CLD.C1) é o seguinte: 

No caso de dispensa da audiência prévia (art. 598º, nº 1 do CPC) é também admissível a alteração do requerimento probatório apresentado inicialmente pelas partes.

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"Problematiza-se em ambos os recursos a questão da admissibilidade da prova testemunhal indicada pelo Autor, o que implica saber se tendo havido dispensa da audiência prévia pode a parte alterar o requerimento probatório.

Estamos perante acção de divórcio, a que corresponde a forma de processo especial (arts. 931 e segs), dispondo a lei (art. 552 nº 2 CPC) que os meios de prova devem ser indicados pelo autor na petição inicial (“No final da petição, o autor deve apresentar o rol de testemunhas e requerer outros meios probatórios (…)”). O mesmo sucede em relativamente ao réu na contestação (art. 572 d) CPC).

A lei prevê expressamente que a alteração do requerimento probatório pode ser feita pelo autor na réplica, caso haja lugar, ou no prazo de 10 dias a contar da notificação da contestação (art. 552 nº 2 (2ª parte) CPC) e na audiência prévia quando tenha lugar (art. 598 nº 1 CPC).

Mas no caso de dispensa da audiência prévia (art. 598 nº 1 CPC) a lei não prevê expressamente a alteração do requerimento probatório apresentado inicialmente pelas partes.

Contudo, mesmo nestes casos, é admissível a alteração com base nos seguintes argumentos:

A razão de ser da alteração do requerimento probatório pelas partes na audiência prévia é justificada sobretudo pelo facto de nela se proferir a identificação do objecto do litígio e a enunciação dos temas da prova (art. 591 nº 1 f), 596 nº 1 CPC);

Nos casos de dispensa da audiência prévia, também se impõe o despacho sobre idêntica matéria, ou seja, identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova (art. 593 nº 1 c), 596 nº 1 CPC);

Ora, sendo a razão de ser a mesma, porque não há diferença entre a enunciação dos temas de prova na audiência prévia ou fora dela, parece justificar-se, neste caso, por identidade de razão ou por analogia, a admissibilidade legal da alteração do requerimento probatório;

Além disso, o direito à prova é uma concretização do direito fundamental de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva (art. 20 CRP) pelo que na dúvida deve fazer-se uma interpretação conforme a Constituição e acolher um sentido interpretativo menos restritivo dos direitos dos sujeitos processuais e em favor do ”princípio pro actione”, e, portanto, admissibilidade da alteração mesmo na dispensa de audiência prévia é reclamada por exigência teleológica da norma, pois como se afirma pertinentemente no despacho recorrido, “não pode a dispensa da audiência prévia resultar na preclusão da prática de um acto pelas partes, o que não ocorreria caso aquela audiência houvesse tido lugar”.

De contrário, para além de se postergar a finalidade precípua e a justificação teleológica, a prática do acto (alteração do requerimento probatório) ficaria dependente de um acto judicial (dispensa) com que a parte nem sequer podia contar previamente, obrigando-a porventura a requerer artificiosamente uma audiência prévia potestativa (art. 593 nº 3 CPC), para a coberto dela obter a alteração.

Neste sentido:

O Prof. Miguel Teixeira de Sousa em “Questões sobre matéria da prova no nCPC”, publicado em 1/3/2014 no Blog do IPPC escreve:

“Os requerimentos probatórios apresentados pelas partes podem ser alterados na audiência prévia, quer quando esta se realize nos termos da lei, quer quando ela seja imposta potestativamente por qualquer das partes (art. 598.º, n.º 1, do nCPC). Estranhamente, a lei não prevê a hipótese de a audiência prévia não se realizar e de, ainda assim, alguma das partes pretender alterar o seu requerimento probatório em função dos temas de prova seleccionados pelo tribunal. O direito à prova das partes impõe, no entanto, essa possibilidade, que deve ser exercida através de um requerimento dirigido ao tribunal. Por analogia com o disposto no art. 598.º, n.º 2, nCPC, o requerimento pode ser entregue até vinte dias antes da data prevista para a realização da audiência final.”

Para o Prof. Lebre de Freitas (A acção declarativa comum, 4.ª edição, 2017, p.206) a parte pode alterar o requerimento probatório no prazo geral de 10 dias contados do despacho em que lhe é dado conhecimento da fixação dos temas de prova com dispensa da audiência prévia, pois “não se justificaria que que o direito das partes à alteração do requerimento probatório precludisse com a dispensa da audiência prévia”, até porque “Normas como as que fazem coincidir a preclusão com a prática dum acto ou com o termo, ou certo momento, duma diligência determinada (exs.: art. 3-4; art. 198-1; art. 199-1, l.ª parte; art. 200-2; art. 358-1; arts. 588-3, 611-1 e 729-g; art. 423-2) revestem carácter específico. Na falta duma norma dessas, nenhuma norma processual geral impõe a preclusão. No caso considerado, ela traduzir-se-ia numa desigualdade entre a parte que é convocada para a audiência prévia e a que não é, tido em conta que a pretensão de alteração do requerimento de prova não pode fundar reclamação que leve à realização da audiência dispensada. A faculdade de alteração dos requerimentos probatórios é concedida nesta fase por só nela o juiz enunciar os temas da prova e a enunciação deles fora da audiência prévia equivaler à sua enunciação dentro dela”.

Por conseguinte, sendo legalmente admissível a alteração do requerimento probatório mesmo havendo dispensa de audiência prévia, tal significa na situação dos autos que o Autor estava legitimado a fazê-lo, logo os despachos recorridos estão conformes ao direito.

Por outro lado, verifica-se que as partes foram expressamente notificadas do despacho de 27/9/2017 para os efeitos do disposto no art. 598 nº 1 CPC, ou seja, para querendo alterarem o requerimento probatório, e esse despacho transitou em julgado (art. 620 CPC), pelo que também pelo caso julgado formal o Autor estava legitimado a alterar o requerimento probatório.

Note-se que na petição inicial o Autor juntou prova documental e a alteração do requerimento probatório pode abranger qualquer outro meio de prova."
 
[MTS]