Injunção; execução;
juros de mora*
I - Na execução que tenha como título executivo injunção a que foi aposta fórmula executória, os juros que se hajam vencido desde o requerimento da injunção e que integram a quantia exequenda deverão ser calculados à taxa convencionada no contrato que constituiu causa de pedir na injunção.
II - Não há quaisquer motivos para aplicar ao título executivo em referência o disposto no nº 2 do art 703º CPC, onde se limita o exequente aos «juros de mota à taxa legal», quando a disposição especial constante do art 13º/1 al. d) do DL 269/98, de 1/9, se refere apenas aos «juros de mora», sem os referenciar à taxa legal.
III - Se assim não fosse, muito provavelmente os credores de obrigações pecuniárias não estariam dispostos a lançar mão do procedimento da injunção para alcançar um título executivo, pois o preço que pagariam pela brevidade com que o alcançariam resultaria absorvido pela perda de juros de mora contratuais a que se sentem com direito, resultado que desincentivaria a utilização do mecanismo em causa, com que o legislador pretende alcançar objectivos relevantes numa economia de escala como aquela em que vivemos.
IV - Caberá ao executado, entendendo-o, opor-se à aplicação desses juros de mora na oposição à execução.
V - Não se crê que tenha sido propósito do legislador restringir o valor dos juros a que tenha contratualmente direito o requerente de injunção que não se veja pago de imediato em função do requerimento de injunção, impondo-lhe juros à taxa legal. Se assim fosse, poderiam não ser assim tantos os credores de obrigações pecuniárias dispostos a lançar mão do procedimento da injunção para alcançar um título executivo.
2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
"[...] é em função de por si só constituir (o requerimento de injunção a que foi aposta a formula executória) título executivo, que se baseia o despacho recorrido para, ao abrigo do disposto no nº 3 do artigo 726º do CPC, indeferir parcial e liminarmente o requerimento executivo, permitindo a prossecução da execução apenas para pagamento da quantia de € 5.573,80 (4.136,80, valor da quantia pedida no requerimento de injunção e da taxa de justiça paga pelo requerente da injunção + € 651,01 referente a juros de mora devidos desde a data da apresentação do requerimento de injunção, vencidos até à instauração da execução, contabilizados nos termos do disposto no artigo 559º do CC + € 785,99 juros à taxa de 5% ao ano a contar da data da aposição da fórmula executória, vencidos até à instauração da execução), acrescida de juros vincendos, esclarecendo que, «os juros de mora devidos desde a data da apresentação do requerimento de injunção, vencidos até à instauração da execução, terão de ser contabilizados nos termos do disposto no artigo 559º do CC, uma vez que o título executivo é um requerimento de injunção e não um contrato em que tenha sido estabelecida taxa diversa».
Decisão que se mostra tributária da do Ac. desta Relação de 11/10/2017 [...], no qual, entre o mais, se diz: «No caso sub judice, o título executivo é um requerimento de injunção ao qual foi aposta a fórmula executória; o título executivo não corresponde, portanto, aos contratos que haviam fundamentado aquele requerimento, mas sim ao próprio requerimento e, portanto, é no requerimento de injunção (e não nos contratos que o fundamentaram) que haveremos de começar por procurar os limites da acção executiva que nele se baseia. (…) Reafirma-se que o título executivo aqui em questão não é o contrato celebrado entre as partes, mas sim o requerimento de injunção e os juros moratórios previstos na lei reportam-se, naturalmente, a todo e qualquer requerimento de injunção independentemente do acto ou contrato invocado para o fundamentar, não nos parecendo curial admitir que, ao considerar aqueles juros, o legislador tivesse pretendido consignar a necessidade de indagar e analisar o acto ou contrato que fundamentou a injunção para determinar a taxa de juros aplicável e a necessidade, portanto, de recorrer a elementos externos ao título para apurar os limites da execução. O que o legislador pretendeu foi consignar que a obrigação fixada no título (independentemente da sua causa ou fundamento) vence juros e, não tendo determinado outra taxa, tais juros apenas poderão ser calculados à taxa que resulta da lei, não sendo, portanto, atendível a taxa de juro que resultava do acto/contrato que fundamentava a injunção. De facto, a celeridade na obtenção do título executivo – que foi visada pelo legislador – pressupõe um procedimento simplificado que não exija especial indagação e que, como tal, há-de pressupor valores facilmente determinados: um valor líquido expressamente indicado no requerimento e juros, calculados sobre essa quantia a partir da data da apresentação do requerimento, a uma taxa fixa que não exija qualquer indagação ou apreciação dos fundamentos do pedido de injunção (dos actos ou contratos que lhe estão subjacentes) e que, como tal, só poderá ser a taxa fixada na lei».
Não nos parece, porém, esse, o melhor entendimento.
Desde logo, porque nos repugna a ideia, ventilada pelo aludido acórdão, de que «essa circunstância nem sequer poderá ser vista como excessivamente onerosa ou penosa para o credor», na medida em que o mesmo «não é obrigado a recorrer à injunção e, portanto, caso não pretenda prescindir de juros a que tenha direito e que não lhe sejam garantidos pelo procedimento de injunção, poderá recorrer à acção declarativa».
Não se crê que tenha sido propósito do legislador restringir o valor dos juros a que tenha contratualmente direito o requerente de injunção que não se veja pago de imediato em função do requerimento de injunção, impondo-lhe juros à taxa legal [...]. Se assim fosse, poderiam não ser assim tantos os credores de obrigações pecuniárias dispostos a lançar mão do procedimento da injunção para alcançar um título executivo. O preço que pagariam pela brevidade com que o alcançariam, resultaria certamente absorvido pela perda de juros contratuais a que se sentiam com pleno direito. Esse resultado constituiria um franco desincentivo à utilização do mecanismo em causa, com o qual, como acima já se acentuou, o legislador pretende alcançar objectivos de interesse geral muito relevante numa economia de escala como aquela em que vivemos.
Mas para além dessa razão não se vêm motivos na lei que obriguem a tal solução.
Bem pelo contrário.
Em primeiro lugar – e convém assinalá-lo – o mencionado art 13º /1 al. d), ao referir que a notificação (do requerido) «deve conter a indicação de que, na falta de pagamento da quantia pedida e da taxa de justiça pelo requerente, são ainda devidos juros de mora desde a data da apresentação do requerimento (…) », não refere juros «à taxa legal».
A expressão «juros à taxa legal» consta, não dessa norma – que é a directamente aplicável à situação dos autos – mas da do nº 2 do art 703º CPC.
Aí, sim, diz-se, «consideram-se abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante».
Essa norma não será porém aplicável à situação dos autos, o que melhor se compreenderá se se atentar na respectiva génese.
Foi o DL 38/2003, de 8/3, que a acrescentou ao então art 46º CPC, na sequência de controvérsia há muito existente em função da admissibilidade de execução de condenação implícita. Questão que sendo muito mais ampla e relevante do que a colocada relativamente à execução de juros moratórios legais não compreendidos na sentença de condenação, se colocou com muita acuidade nesse específico domínio. De tal modo que se podia descortinar uma corrente jurisprudencial, parece que minoritária, no sentido de que era admissível, quando o título executivo fosse uma sentença condenatória, não obstante a mesma «definir o conteúdo do direito nos limites do pedido, art 661º, e constituir caso julgado nos limites da decisão, art 673º», pedir na execução juros, não obstante ainda o objecto da condenação tivesse consistido apenas numa prestação de capital [...] [...].
Assim, o Ac. RE 10/3/1987 [...] entendia que o «enquadramento da pretensão do exequente nos limites do título executivo deve ser conhecido oficiosamente pelo tribunal, independentemente de o executado deduzir ou não oposição», e, por isso, «quando a sentença condenatória compreenda uma ordem de cumprimento de obrigação pecuniária e não haja condenação em juros, o pedido do exequente pode abranger o crédito do capital e o dos respectivos juros de mora, à taxa legal [...] , a contar da data da notificação da sentença ao executado, ou do trânsito». No mesmo sentido se colocou Abrantes Geraldes [«Exequibilidade da sentença condenatória quanto aos juros de mora», in CJ- STJ , 2001, I p 55-62, e «A Reforma da Acção Executiva , Themis, 7, 49-53], dizendo a este respeito : «Com efeito, se, quando as partes, fora de qualquer processo judicial, ao celebrarem um contrato que apenas reportasse uma obrigação de capital, podiam exigir coercivamente os juros moratórios, não víamos razões que impedissem a aplicação de semelhante regime às obrigações reconhecidas em processo judicial. Resultando inequivocamente da sentença a obrigação de pagamento de certa quantia, não parecia razoável rejeitar a utilização desse título para cobrança dos juros de mora, perante o comprovado incumprimento da obrigação do devedor. Se algum motivo colidisse com a exigibilidade dos juros sempre ao executado seria facultada a possibilidade de deduzir oposição à execução para provar, por exemplo, a mora do credor – art 813º CC – ou uma causa de impossibilidade objectiva de cumprimento – art 790º/1 CC».
Pese embora o peso maioritário da corrente jurisprudencial no sentido da inadmissibilidade da execução poder compreender os juros de mora quando o título executivo fosse uma sentença condenatória que os não tivesse contemplado, e pese embora uma tal solução implique que «o direito de defesa fique deferido para o momento da oposição à execução» [Rui Pinto [«Manual da Execução e Despejo», 1ª ed Agosto de 2013], p 163], o facto é que o DL 38/2003, de 8/3, veio determinar que «consideram-se abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante» .
Nas palavras de Lebre de Freitas [[«A Acção Executiva depois da Reforma», 4ª ed , 2004], p 97], «a redacção introduzida pelo DL 38/2003, ao mesmo tempo que torna indiscutível a admissibilidade do pedido quando se trate de título extrajudicial, inculca também que, fora o caso da absolvição do pedido (formulado) de juros, estes podem ser pedidos na execução de sentença (sem o que, nos termos do princípio do dispositivo, não serão considerados Paula Costa e Silva, «A Reforma da Acção Executiva», 2003, 3ª ed, p 28), sendo contados da data da citação para a acção declarativa ou de outra anterior em que tenha sido provado que o devedor se constituiu em mora (art 805º/3)». Acrescentando que, «diferentemente se põe a questão no caso de juros convencionais, os quais carecem, nos termos gerais, de constar do título executivo».
No mesmo sentido se pronuncia Teixeira de Sousa [«A Reforma da Acção Executiva», 2004, p 72], referindo: «Os juros de mora, determinados à taxa legal, consideram-se sempre abrangidos pelo título executivo da respectiva obrigação (art 46º/2). A principal consequência deste regime é a de que a satisfação desses juros pode ser pedida na execução, mesmo que, se o título executivo for uma sentença, eles não tenham sido pedidos na anterior acção declarativa». Frisando, no entanto, que «o art 46º/2 só se refere aos juros de mora legais, não abrangendo, portanto, os juros convencionais».
Voltando à situação dos autos, destacada como está a circunstância do art 13º/1 al. d) do DL 269/98, de 1/9, se referir tão só a «juros de mora» e não a «juros de mora, à taxa legal», como consta do nº 2 do art 703º CPC - e onde a lei distingue, não caberá ao intérprete deixar de o fazer - há agora que relevar a diferença que há entre uma sentença condenatória que condene em capital, mas que não contemple os juros de mora, e um requerimento injuntivo em que tenha sido aposta a fórmula executória nos termos acima referidos: enquanto ali se verifica a pré-existência de um processo declarativo em que a questão dos juros e também a da respectiva taxa podia ter sido abarcada e decidida, e não o foi, justificando-se que, no máximo, sejam conferidos ao credor exequente, em função dessa sentença, os juros de mora «à taxa legal», aqui, no procedimento por injunção, e sem que se possa imputar ao credor qualquer comportamento processual menos devido, não houve qualquer actividade jurisdicional que pudesse ter incidido sobre o valor da taxa de juros.
Ora, esta circunstância, aliada àquela outra da apontada diferença terminológica, não pode deixar de implicar que seja indevido tratar um e outro credor da mesma forma, impedindo este de reclamar juros em função da taxa convencionada.
Nem se diga que à execução fundada em injunção presidem ainda os mesmos objectivos que anteriormente presidiram para a obtenção do título executivo – isto é, que a celeridade e simplicidade na obtenção do título executivo deverá contaminar a respectiva execução, de tal modo que o credor exequente resulte impedido de pedir juros à taxa convencionada no contrato fundamento da injunção, impondo-se a utilização de «valores facilmente determinados: um valor líquido expressamente indicado no requerimento e juros, calculados sobre essa quantia a partir da data da apresentação do requerimento, a uma taxa fixa que não exija qualquer indagação ou apreciação dos fundamentos do pedido de injunção (dos actos ou contratos que lhe estão subjacentes) e que, como tal, só poderá ser a taxa fixada na lei». [Acima referido Ac RC 11/10/2017].
É que, em tudo quanto não seja previsto expressamente para a execução fundada em injunção, tal execução rege-se pelos mesmos normativos que as demais cuja finalidade seja o pagamento de quantia certa.
Por isso, o exequente dessa execução tem, como os demais nessa finalidade, o ónus de liquidar os juros de mora no requerimento executivo (os vencidos desde a apresentação do requerimento injuntivo até à interposição da acção executiva), especificando «os valores que considera compreendidos na prestação devida» e «concluindo o requerimento executivo com um pedido líquido», como o dispõe o art 716º/1 CPC. Sendo que, como resulta do nº 2 desse dispositivo, «quando a execução compreenda juros que continuem a vencer-se, a sua liquidação é feita a final, pelo agente de execução, em face do título executivo e dos documentos que o exequente ofereça em conformidade com ele (…)» [...].
Caberá ao executado vir a defender-se na oposição à execução – vista a declaração da inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma constante do artigo 857º/1 CPC, ex vi do Ac do Tribunal Constitucional nº 274/2015, de 12 de Maio, DR 1ª série, nº 110, de 8/6/2015, quando interpretada no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimento de injunção à qual foi aposta a fórmula executória – na qual poderá contraditar, e aqui por referencia à situação dos autos, o alcance dos juros moratórios convencionais pretendido pelo exequente, designadamente em função do Acórdão Uniformizador do STJ 7/2009 de 25/3 (DR I Série de 5/5/2009) [...]."
*3. [Comentário] Num acórdão em que se analisa o art. 703.º, n.º 2, CPC e os seus antecedentes jurisprudenciais, doutrinários e legais, talvez se pudesse ter feito referência ao Ac. STJ 9/2015, de 24/6, no qual se definiu (de forma muito discutível) que, «se o autor não formula na petição inicial, nem em ulterior ampliação, pedido de juros de mora, o tribunal não pode condenar o réu no pagamento desses juros». Isto implica que, se esses juros não tiverem sido pedidos no processo declarativo, a posterior execução não pode abranger os juros contratuais e nem sequer os juros legais.
A referência ao Ac. STJ 9/2015 apenas teria exigido uma argumentação suplemementar por parte da RC, dado que uma coisa é não ser formulado no processo declarativo nenhum pedido de juros e outra bastante diferente é entender que, na execução baseada em requerimento de injunção, o exequente só tem direito a juros moratórios à taxa legal. Assim, não deixa de se aderir à tese defendida no acórdão, principalmente se o argumento que lhe é contraposto é o de que o credor não perde os juros de mora contratuais se, em vez do procedimento de injunção, recorrer a outro meio de tutela dos seus interesses.
MTS