Procedimento cautelar;
legitimidade processual; incertos
I - A legitimidade processual não se confunde com a legitimidade substantiva, consistindo esta no pressuposto jurídico de uma determinada acção, pelo que é errónea a concepção de que a legitimidade processual mais não é do que a recepção no plano adjectivo da sua congénere substantiva.
II – Em sede de providência cautelar não especificada em que o requerente peticiona a apreensão imediata de veículo automóvel entregue a terceiro com base em contrato de Aluguer Operacional de Automóveis que resolveu , e tendo a viatura sido furtada, porque não tem a requerente, conforme alega, possibilidade de identificar os interessados directos em contradizer por desconhecer quem detém a viatura, os incertos são parte legítima, face à configuração da relação controvertida apresentada pela requerente, cabendo a sua representação ao Ministério Público – art. 22 CPC.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"Instaurou a requerente o presente procedimento cautelar contra incertos com fundamento no facto da viatura, objecto do contrato de aluguer celebrado entre si e a B, ter sido furtada, desconhecendo-se quem a detém, bem como o seu paradeiro.
Após audição das testemunhas foi proferida decisão que, julgando os incertos parte ilegítima, absolveu-os da instância, com fundamento no facto de que a acção contra incertos tem lugar quando a não haja possibilidade de identificar os interessados directos em contradizer (art. 22 CPC) sendo que, no caso concreto, tendo o contrato de aluguer da viatura sido celebrado com a B, o procedimento cautelar deveria ter sido instaurado contra esta e não já contra aqueles.
“Após a revisão de 1995/96, a legitimidade processual singular (1) tem de ser apreciada e determinada pela utilidade ou prejuízo que da procedência ou improcedência da acção possa advir para as partes, de acordo com a configuração que o autor dá na acção à relação controvertida (cf. art. 30 LN e 26 da LV).
A legitimidade processual não se confunde com a legitimidade substantiva, consistindo esta no pressuposto jurídico de uma determinada acção, pelo que é errónea a concepção de que a legitimidade processual mais não é do que a recepção no plano adjectivo da sua congénere substantiva.
Ficou assim esclarecido, através da nova redacção art. 30/3 (26/3 LV), o tema de uma velha polémica relativo à apreciação da legitimidade das partes, que dividiu durante dezenas de anos a doutrina e a jurisprudência, acolhendo-se a posição de Barbosa de Magalhães na polémica travada com Alberto dos Reis, a propósito de um acórdão da Relação de Lisboa, de 16 de Janeiro de 1918 [...].
Deste modo, é hoje indubitável que o demandante assegura a legitimidade singular activa na acção se se identificar ele próprio como o titular da relação controvertida.
A questão era esta, em síntese: uma empresa comercial, alegando ter realizado a compra de 60 toneladas de chumbo ao réu, exigiu deste a entrega, que ainda não fora efectuada, de 23 toneladas ou, em alternativa, a respectiva indemnização por perdas e danos. O réu defendeu-se alegando a sua ilegitimidade, pois interviera no contrato apenas como representante do vendedor. A primeira instância aceitou esta defesa, mas a Relação julgou o réu parte legítima e a acção improcedente, tese que veio a ser defendida por B. Magalhães, por entender que basta que as partes sejam titulares da pretensa relação jurídica controvertida para serem tidas como legítimas, mas contrariada por A. Reis, o qual fazia depender a legitimidade da efectiva titularidade da relação jurídica controvertida.
Ou seja, o formulante do pedido deduzido é, para a aferição da legitimidade processual, o suposto titular da pretensão formulada.
Afastada a concepção objectivista da legitimidade, nenhuma dificuldade surge agora na diferenciação da sua congénere substantiva e evita confundir o aspecto da legitimidade, enquanto pressuposto processual, com o da procedência da acção”.
Tal como referido supra o interesse em contradizer assenta no prejuízo que advenha para o réu a procedência da acção.
In casu, atenta a pretensão da requerente e os factos alegados na p.i., não obstante o contrato de aluguer ter sido celebrado com a B, face ao furto da viatura, afastado está o seu interesse em contradizer porquanto, apesar da resolução do contrato acarretar a entrega do veículo, está impedida de o fazer.
Ora, tendo a viatura sido furtada e não tendo a requerente, conforme alegado, possibilidade de identificar os interessados directos em contradizer por desconhecer quem a detém, os incertos são parte legítima, face à configuração da relação controvertida apresentada pela requerente, cabendo a sua representação ao Ministério Público – art. 22 CPC."
[MTS]