AECOP; compensação;
reconvenção*
1. O sumário de RP 4/6/2019 (58534/18.0YIPRT.P1) é o seguinte:
I - Estando em causa uma ação com processo especial, emergente de injunção de valor não superior a €15.000,00, não seria admissível a reconvenção.
II - Porém, à luz do princípio da adequação processual, obstando a que razões de cariz adjetivo impeçam a realização da justiça material, deve o tribunal fazer uso dos seus poderes de adequação formal e de gestão processual e ajustar a tramitação da AECOPEC à admissão do deduzido pedido reconvencional.
2. No relatório e na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"I. Relatório
Na ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias que B…, L.da, com sede no edifício C…, Estrada Nacional .., n.º …, …. - … MAIA, move a D…, L.da, com sede em Av. …, …. - … …, aquela interpôs procedimento de injunção pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 7.421,28€, acrescida de juros de mora desde a data do vencimento da respetiva fatura até efetivo pagamento.
Deduzindo oposição, a Requerida defendeu-se por exceção e, em reconvenção, pediu a condenação da Requerente a pagar-lhe a quantia de 22.792,93€ e a operatividade da compensação. [...]
III. Fundamentação [...]
2. (In)admissibilidade da reconvenção
A Recorrente discorda de decisão que não admitiu a reconvenção, na consideração de o procedimento de injunção de valor inferior a 15.000,00€ a não comportar.
É incontestável que o procedimento de injunção foi instaurado pela Requerente com um pedido no valor de 8.080,52€. Esse procedimento alicerça-se no decreto-lei n.º 269/98, de 1 de setembro, que aprova o regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias, cuja finalidade é conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de contrato de montante não superior ao valor de 15.000,00€, salvo quando esteja em causa transação comercial para os efeitos do decreto-lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro, caso em que inexiste limite quanto ao montante do crédito, para permitir, de modo mais célere, a obtenção de um título executivo que faculte o acesso direto à ação executiva.
O decreto-lei n.º 62/2013, de 10 de maio (artigo 2º/1), define o seu âmbito de aplicação a “pagamentos efetuados como remuneração de transações comerciais” e exclui “a) Os contratos celebrados com consumidores; b) Os juros relativos a outros pagamentos que não os efetuados para remunerar transações comerciais; c) Os pagamentos de indemnizações por responsabilidade civil, incluindo os efetuados por companhias de seguros”.
Por seu turno, a alínea b) do artigo 3.º desse mesmo diploma, conforma a transação comercial, como “uma transação entre empresas ou entre empresas e entidades públicas destinada ao fornecimento de bens ou à prestação de serviços contra remuneração”. E o seu artigo 10º prevê o regime de “Procedimentos especiais” para “O atraso de pagamento em transações comerciais, nos termos previstos no presente diploma, confere ao credor o direito a recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida” (n.º 1), sendo que “ Para valores superiores a metade da alçada da Relação, a dedução de oposição e a frustração da notificação no procedimento de injunção determinam a remessa dos autos para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum” (n.º 2). Caso em que “ Recebidos os autos, o juiz pode convidar as partes a aperfeiçoar as peças processuais” (n.º 3). E acrescenta que “As ações para cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de transações comerciais, nos termos previstos no presente diploma, seguem os termos da ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos quando o valor do pedido não seja superior a metade da alçada da Relação” (n.º 4).
Decorre do exposto que o procedimento de injunção apenas é utilizável quando se destina a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a €15.000 ou, independentemente desse valor, de obrigações emergentes de transações comerciais que não integrem as exceções previstas nas enunciadas alíneas a), b) e c) do predito decreto-lei 62/2013 (artigo 2º/2).
I - Estando em causa uma ação com processo especial, emergente de injunção de valor não superior a €15.000,00, não seria admissível a reconvenção.
II - Porém, à luz do princípio da adequação processual, obstando a que razões de cariz adjetivo impeçam a realização da justiça material, deve o tribunal fazer uso dos seus poderes de adequação formal e de gestão processual e ajustar a tramitação da AECOPEC à admissão do deduzido pedido reconvencional.
2. No relatório e na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"I. Relatório
Na ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias que B…, L.da, com sede no edifício C…, Estrada Nacional .., n.º …, …. - … MAIA, move a D…, L.da, com sede em Av. …, …. - … …, aquela interpôs procedimento de injunção pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 7.421,28€, acrescida de juros de mora desde a data do vencimento da respetiva fatura até efetivo pagamento.
Deduzindo oposição, a Requerida defendeu-se por exceção e, em reconvenção, pediu a condenação da Requerente a pagar-lhe a quantia de 22.792,93€ e a operatividade da compensação. [...]
III. Fundamentação [...]
2. (In)admissibilidade da reconvenção
A Recorrente discorda de decisão que não admitiu a reconvenção, na consideração de o procedimento de injunção de valor inferior a 15.000,00€ a não comportar.
É incontestável que o procedimento de injunção foi instaurado pela Requerente com um pedido no valor de 8.080,52€. Esse procedimento alicerça-se no decreto-lei n.º 269/98, de 1 de setembro, que aprova o regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias, cuja finalidade é conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de contrato de montante não superior ao valor de 15.000,00€, salvo quando esteja em causa transação comercial para os efeitos do decreto-lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro, caso em que inexiste limite quanto ao montante do crédito, para permitir, de modo mais célere, a obtenção de um título executivo que faculte o acesso direto à ação executiva.
O decreto-lei n.º 62/2013, de 10 de maio (artigo 2º/1), define o seu âmbito de aplicação a “pagamentos efetuados como remuneração de transações comerciais” e exclui “a) Os contratos celebrados com consumidores; b) Os juros relativos a outros pagamentos que não os efetuados para remunerar transações comerciais; c) Os pagamentos de indemnizações por responsabilidade civil, incluindo os efetuados por companhias de seguros”.
Por seu turno, a alínea b) do artigo 3.º desse mesmo diploma, conforma a transação comercial, como “uma transação entre empresas ou entre empresas e entidades públicas destinada ao fornecimento de bens ou à prestação de serviços contra remuneração”. E o seu artigo 10º prevê o regime de “Procedimentos especiais” para “O atraso de pagamento em transações comerciais, nos termos previstos no presente diploma, confere ao credor o direito a recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida” (n.º 1), sendo que “ Para valores superiores a metade da alçada da Relação, a dedução de oposição e a frustração da notificação no procedimento de injunção determinam a remessa dos autos para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum” (n.º 2). Caso em que “ Recebidos os autos, o juiz pode convidar as partes a aperfeiçoar as peças processuais” (n.º 3). E acrescenta que “As ações para cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de transações comerciais, nos termos previstos no presente diploma, seguem os termos da ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos quando o valor do pedido não seja superior a metade da alçada da Relação” (n.º 4).
Decorre do exposto que o procedimento de injunção apenas é utilizável quando se destina a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a €15.000 ou, independentemente desse valor, de obrigações emergentes de transações comerciais que não integrem as exceções previstas nas enunciadas alíneas a), b) e c) do predito decreto-lei 62/2013 (artigo 2º/2).
Estando em causa um pedido inferior a 15.000,00€, a decisão recorrida considerou convocável o regime especial de procedimento e, portanto, a inviabilidade processual da reconvenção. Contudo, o procedimento de injunção, após ser deduzida oposição, transmuta-se em processo declarativo que poderá revestir a forma especial ou comum, em função do valor. Se estiver em causa uma injunção destinada à cobrança de dívida fundada em transação comercial com valor superior a 15.000,00€, em que tenha sido deduzida oposição, ela segue os termos do processo comum (artigo 10º/2 do identificado decreto-lei n.º 62/2013). Se a injunção se destinar à cobrança de dívida de valor não superior a 15.000,00€, ela segue a forma de processo especial (artigos 3º a 5º do referido decreto-lei n.º 269/98, de 1 de setembro).
Entendendo que este procedimento de valor inferior a 15.000,00€ segue a forma de processo especial, foi pacífico o entendimento que a reconvenção deveria ser liminarmente indeferida, por não ser consentida neste processo especial e ser insuscetível de adição o valor processual da reconvenção, designadamente para efeito da alteração da regra da competência ou da interposição de recurso [Salvador da Costa, A Injunção e as Conexas Ação e Execução, Almedina, 6.ª edição, 2008, págs. 189/191; in www.dgsi.pt: Acs. RP de 02/05/2015, processo 143043/14.5YIPRT.P1; RC de 07/06/2016, processo 139381/13.2YIPRT.C1; RG de 22/06/\2017, processo 69039/16.0YIPRT.G1]. Já quanto às injunções de valor superior a 15.000,00€, considera-se admissível a formulação de reconvenção na oposição ao procedimento de injunção, essencialmente sob o argumento de que a tramitação processual imprimida passa a ser, após a oposição, a do processo comum [Salvador da Costa, ob. e loc. citados]. De facto, esta solução não envolve qualquer óbice de índole adjetiva, porque a consequente distribuição da injunção como ação declarativa depois da oposição à injunção e a forma processual subsequente comporta a viabilidade da reconvenção e, por isso, se admite a reconvenção, sem controvérsia, nas ações de natureza comum decorrentes de injunção relativa a transação comercial de valor superior a €15.000,00 [Edgar Valles, Cobrança Judicial de Dívida, Injunções e Respetivas Execuções, Almedina, 4.ª edição, 2001, a págs. 107/108; In www.dgsi.pt: Ac. RP de 14/05/2012, processo 176189/11.1YIPRT-A.P1].
Revisitada a situação em apreço, defende a Recorrente que, havendo dedução de oposição e reconvenção, o valor desta deve ser tido em conta, segundo as regras processuais civis, para o cálculo do valor da ação, determinando a forma de processo a seguir. Na sua ótica, ao valor do pedido (8.085,25 €) somar-se-ia o valor do pedido reconvencional (€ 22.792,93), pelo que se deverá aplicar a forma do processo comum e admitir-se o pedido reconvencional.
Na verdade, a jurisprudência tem vindo a alterar a posição de rejeição da reconvenção que antes vinha sendo pacificamente assumida com uma tripla ordem de argumentação: (i) a solução gera uma desigualdade entre os peticionantes de valores pecuniários resultantes de transações comerciais, sem que motivos de justiça material fundem tal desigualdade; (ii) o nosso ordenamento jusprocessual civil facilita a compensação, a qual é admissível mesmo em relação a créditos ilíquidos, já que esta, agora, parec só pode ser deduzida por reconvenção; (iii) a economia processual resultante da discussão simultânea dos dois pedidos em contraponto com a necessidade de interposição de ação autónoma para formular o pedido reconvencional.
Não antevemos no regime do decreto-lei n.º 62/2013 (artigo 10º/2) o afastamento das regras processuais gerais sobre o cálculo do valor de uma ação. E, em função do preceituado no artigo 299º do CPC, o valor da reconvenção é adicionado ao valor da ação, salvo se o pedido for o mesmo, pelo que a dedução de oposição e da reconvenção determina a soma dos dois pedidos, valor em função do qual serão tramitados os ulteriores termos dos atos processuais (artigo 299º/3 do CPC) [In www.dgsi.pt: Ac. do STJ, em revista excecional, de 06/06/2017, processo 147667/15.5YIPRT.P1.S2.].
Com efeito, aderimos a esse entendimento que confere ao Requerido a possibilidade de, numa AECOPEC, invocar a compensação/reconvenção e, não obstante ser admissível a instauração de uma ação própria, evitar um desperdício de recursos, em violação da imprescindível economia de custos, e determinar a apreciação simultânea de toda a problemática derivada do mesmo negócio jurídico. Aliás, esta solução surge compaginada com os princípios processuais que dimanam do atual regime processual civil, que impõe ao juiz fazer uso dos seus poderes de gestão processual e de adequação formal (artigos 6º e 547º CPC) com vista a tingir a justiça material e, por isso, sempre lhe caberia ajustar a tramitação da AECOPEC à dedução do pedido reconvencional [In www.dgsi.pt: Ac. RP de 13/06/2018, processo 26380/17.0YIPRT.P1].
Sabemos que esta resolução não colhe unanimidade, designadamente jurisprudencial, havendo arestos no sentido da inadmissibilidade da reconvenção nas injunções de valor não superior à alçada da Relação [In www.dgsi.pt: Acs. do STJ de 24/09/2015, processo 166878/13.1YIPRT.E1.S1; RP de 30/05/2017, processo 28549/16.6YIPRT.P1; 10/02/2011, processo 241148/09.7YIPRT.P1; RC de 07/06/2016, processo139381/13.2YIPRT.C1; RL de 05/07/2018, processo 87709/17.4YIPRT.L1-7] Salvaguardando o muito respeito devido por essa posição, não a sufragamos e antes aderimos à tese da admissibilidade da reconvenção, em consonância com o expendido por Miguel Teixeira de Sousa no blogue do IPPC [Artigo de 26/04/2017 sob o título “AECOPs e compensação”], no sentido de dar ao demandado a possibilidade de, no âmbito de uma ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias de valor inferior a 15.000,00€, invocar a compensação de créditos por via de reconvenção, devendo o juiz fazer uso dos seus poderes de adequação formal e também de gestão processual de forma a ajustar a tramitação da AECOPEC à dedução do pedido reconvencional [In www.dgsi.pt: Acs. RP de 14/05/2012, processo 176189/11.1YIPRT-A.P1; 24/01/2018, processo 200879/11.8YIPRT.P1; 13/06/2018, processo 26380/17.0YIPRT.P1; RG de 31/01/2019, processo 53691/18.5 YIPRT.A-G1.].
Nesta linha de pensamento, revogamos a decisão recorrida e substituímo-la pela admissão de reconvenção, determinando a consequente apreciação dos requerimentos de fls. 81 a 86."
3. [Comentário] Pelo que se tem reiteradamente defendido neste Blog, não pode deixar de se saudar a posição defendida no acórdão.
Não se ignora que a orientação é controversa na jurisprudência e na doutrina. No entanto, indo à raiz do problema, a questão que há que resolver é se o processo civil deve ser perspectivado como um obstáculo à tutela de direitos ou como um meio de tutela de direitos. Supõe-se que do disposto no art. 2.º, n.º 2, CPC decorre claramente que o processo civil é um meio de tutela de direitos.
Assente esta base, a solução do problema torna-se relativamente evidente, tanto mais que, quando tal se mostrar necessário, o CPC fornece, através do poder de gestão processual (art. 6.º), o instrumento adequado para ultrapassar quaisquer constrangimentos processuais à tutela de direitos.
MTS