Articulado deficiente;
convite ao aperfeiçoamento
1. O sumário de STJ 6/6/2019 (945/14.0T2SNT-G.L1.S1) é o seguinte:
I – O convite ao aperfeiçoamento de articulados, nos termos do nº 4 do art. 590º do CPC, é um dever a que o juiz está sujeito e cujo não cumprimento leva ao cometimento de nulidade processual.
II – Está manifestamente fora do seu âmbito providenciar pela formulação de pedido que constitua uma pretensão diversa ou ampliada da deduzida pelo autor na petição inicial.
III – Estando já o contrato extinto por resolução declarada por uma das partes à outra, não pode esta vir depois pedir a resolução do mesmo por incumprimento imputado àquela.
IV – A indemnização de clientela, se for devida por verificação dos respetivos pressupostos, tem a sua génese, não numa declaração de resolução do contrato por violação contratual perpetrada pela contraparte, mas na cessação daquele por qualquer causa.
V – Julgado improcedente, por o negócio já estar extinto, o pedido de resolução do contrato formulado por um dos contraentes, há que conhecer do pedido de indemnização deduzido pelo mesmo contraente para ressarcimento dos danos causados ao seu bom nome, com fundamento no não cumprimento do contrato imputado ao outro.
2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
"Tendo visto soçobrar, na Relação, a sua pretensão de ampliar/modificar o pedido de resolução contratual que formulou na petição incial contra as rés, a recorrente persiste na obtenção de idêntico resultado, agora pela via do convite que, a seu ver, lhe devia ter sido dirigido por aquele Tribunal no sentido de aperfeiçoar o pedido formulado, dando-lhe o conteúdo da pretendida, mas definitivamente rejeitada, ampliação.
Na sua maneira de ver as coisas, impunha-se ao juiz, nos termos do nº 3 do art. 590º, convidá-la a corrigir a deficiente formulação do pedido, harmonizando-o com a causa de pedir invocada.
É tese que, salvo o devido respeito, não tem o menor fundamento.
O art. 590º do CPC [...], sob a epígrafe “Gestão inicial do processo”, estabelece no nº 2, b) que, findos os articulados, o juiz profere, sendo caso disso, despacho pré-saneador destinado, além do mais, a “providenciar pelo aperfeiçoamento dos articulados, nos termos dos números seguintes”.
O nº 3 do preceito – de cujo regime a recorrente se quer fazer valer – dispõe: “O juiz convida as partes a suprir as irregularidades dos articulados, fixando prazo para o suprimento ou correção do vício, designadamente quando careçam de requisitos legais ou a parte não haja apresentado documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa.” [...]
Já quanto às insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto rege o nº 4 do mesmo dispositivo legal, onde igualmente se impõe ao juiz o dever de convidar a parte a suprir o vício, de sorte a evitar que tais irregularidades venham a ser a causa da improcedência da pretensão formulada pelo autor ou das exceções que o réu lhe tenha oposto. [...]
Trata-se, agora, não de uma faculdade, mas de um dever a que o juiz está sujeito e cujo não cumprimento leva ao cometimento de nulidade processual.
Mas não pode naturalmente pretender-se que o despacho de aperfeiçoamento seja usado fora dos limites que a lei para ele traça, estando manifestamente fora do seu âmbito providenciar pela formulação de pedido que constitua uma pretensão diversa ou ampliada da deduzida pelo autor na petição inicial.
O aperfeiçoamento permitido pelo art. 590º é, como vimos, panaceia para irregularidades de natureza formal que afetem os articulados ou para insuficiência ou falta de concretização na alegação dos factos, realidades absolutamente distintas de pretensões que as partes hajam formulado.
O aperfeiçoamento do pedido extravasa manifestamente “o plano da matéria de facto e, portanto, o do articulado deficiente” [Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, [Código de Processo Civil Anotado”, vol. I], pág. 636] sendo também evidente que nada tem a ver com irregularidade formal que afete o articulado onde a pretensão foi deduzida.
Diga-se, de qualquer modo, que se não vislumbra a existência de qualquer “desarmonia” entre os factos alegados e o pedido deduzido na petição inicial.
E, como sustenta a recorrida nas suas contra-alegações, não existe na petição inicial uma qualquer deficiência na alegação de factos atinentes à apreciação judicial da ilicitude da resolução do contrato operada pela 1ª ré, que pudesse ser objeto de aperfeiçoamento, mas antes uma absoluta omissão de alegação de tal matéria.
Assim, ainda que se entendesse, na linha do que defende alguma doutrina [A título de exemplo, Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, [Primeiras Notas ao Código de processo Civil, Os artigos da Reforma”] II volume, pág. 126, Miguel Teixeira de Sousa, Blog do IPPC, comentando o acórdão da Relação de Lisboa de 15.05.2014 adiante citado - entrada de 19.01.2015] e jurisprudência [Acórdãos da Relação de Lisboa de 15.05.2014, relator Desembargador Esaguy Martins, Processo nº 26903/13.4T2SNT.L1-2, acessível em www.dgsi.pt; da Relação do Porto de 26.02.2015 relator Desembargador Pedro Martins, processo n.° 5807/13.6TBMTS, acessível em www.dgsi.pt; e de 30.04.2015, Relator Desembargador Aristides Almeida, processo nº 5800/13.9TBMTS.PI, acessível em www.dgsi.pt], que não só ao Julgador de 1ª instância, mas também ao do Tribunal da Relação se impõe o dever de gestão a que nos vimos referindo, nunca seria caso em que tivesse cabimento a prolação de despacho de aperfeiçoamento, soçobrando a tese da recorrente neste ponto."
[MTS]