"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



02/12/2019

A pouco compreensível redacção do novo n.º 5 do art. 732.º CPC



I. A L 117/2019, de 13/9, atribuiu a seguinte redacção ao n.º 5 do art. 732.º CPC:

5. Em caso de procedência dos embargos fundados em qualquer das situações previstas na alínea e) do artigo 696.º, é admitida a renovação da instância deste processo a requerimento do exequente, apresentado no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão dos embargos.

Por sua vez, o disposto no art. 696.º, al. e), CPC estabelece, no âmbito do recurso extraordinário de revisão, o seguinte fundamento:

e) Tendo corrido o processo à revelia, por falta absoluta de intervenção do réu, se mostre que:

i) Faltou a citação ou que é nula a citação feita;

ii) O réu não teve conhecimento da citação por facto que não lhe é imputável;

iii) O réu não pode apresentar a contestação por motivo de força maior;

II. Perante isto, o que significa o disposto no n.º 5 do art. 732.º CPC? Mais em concreto, o que significa "a renovação da instância deste processo" que consta do referido preceito? Qual é, afinal, "[...]este processo"?

No enquadramento do art. 732.º CPC, poder-se-ia pensar que se trataria do processo executivo. No entanto, como é claro, não tem sentido renovar um processo executivo depois de, em embargos de executado, se ter concluído que o agora executado não pôde defender-se devidamente no anterior processo declarativo.

III. As coisas talvez fiquem mais claras recordando que o Grupo de Trabalho tinha proposto para o n.º 4 do art. 732.º CPC o seguinte:

4 – A procedência dos embargos extingue a execução, no todo ou em parte; quando a procedência se fundar na falta ou nulidade da citação no anterior processo declarativo, é admitida a renovação da instância deste processo a requerimento do exequente, apresentado no prazo de 30 dias contados do trânsito em julgado da decisão dos embargos.

O Grupo de Trabalho justificava assim a sua proposta:

"Permite-se que o exequente, em vez de voltar a propor uma nova acção declarativa contra o executado embargante, possa requerer a renovação da instância declarativa na qual ocorreu a falta ou a nulidade da citação do demandado (posterior executado embargante)."

O legislador acabou por dar uma redacção deficiente ao n.º 5 do art. 732.º CPC, dado que a expressão "deste processo" não encontra nenhuma referência no próprio preceito. Aliás, numa primeira leitura, até se poderia pensar que "[...]este processo" seria o processo de embargos de executado, o que, como é evidente, também não faz nenhum sentido.

A única interpretação razoável do n.º 5 do art. 732.º CPC é, passando por cima da sua infeliz redacção, entender que o exequente pode requerer a renovação da instância no anterior processo declarativo.

MTS