Execução fiscal;
habitação do executado; execução cível
1. O sumário de RP 7/5/2019 (inédito) é o seguinte:
1. A penhora, em execução fiscal, do imóvel do executado destinado exclusivamente a sua habitação própria e permanente ou do seu agregado familiar, não determina o levantamento da sustação da execução cível devido à anterioridade daquela.
2. A satisfação do crédito do exequente continua a poder ser atingida na execução fiscal, não obstante a Autoridade Tributária estar legalmente impedida de proceder à venda desse imóvel.
3. A Autoridade Tributária pode prosseguir com a venda do bem penhorado para pagamento dos créditos reclamados, ainda que não alcance o pagamento coercivo dos seus créditos fiscais garantidos pela penhora daquele bem imóvel.
II. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
II. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"Na execução fiscal, não há lugar à realização da venda de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efetivamente afeto a esse fim (artigo 244°/2 CPPT). Portanto, o legislador não prevê a imediata suspensão da execução fiscal relativamente a esse bem logo que penhorado, mas apenas impede a sua venda, a permitir defender que poderá haver lugar à reclamação de créditos e ao prosseguimento da execução para venda de outros bens (artigo 244°/5 do CPPT). Aliás, o n.º 1 desse artigo 244o estatui expressamente que a venda se realiza após o termo do prazo de reclamação de créditos, o que significa que o regime de proteção da casa de morada de família, no âmbito do processo de execução fiscal, não exclui a sua penhorabilidade, mas impede a sua venda em sede de execução fiscal.
O objetivo desse regime é permitir aos executados que permaneçam na habitação, mesmo que a dívida exequenda não seja paga à Autoridade Tributária, podendo, no entanto, o impedimento legal à realização da venda cessar a qualquer momento, a requerimento do executado (artigo 244°/6 do CPPT). Prima facie poder-se-á concluir que ocorre um impedimento legal a que a Exequente, na qualidade de credora reclamante, possa requerer o prosseguimento da execução fiscal para a venda do bem imóvel penhorado, já que o CPPT não prevê a possibilidade de impulso processual da execução fiscal por parte de um credor reclamante e o referido impedimento som ente pode cessar a requerimento do executado. Por esta via interpretativa retira-se ao credor reclamante a possibilidade da venda daquele imóvel ser por si promovida na execução fiscal e frustra-se o funcionamento do sistema concursal previsto na lei processual tributária, porque, estando impedida a venda daquele bem, o credor reclamante só pode requerer o prosseguimento da execução fiscal se houver outros bens penhorados que garantam o seu crédito. Doutro modo, sobre aquele bem imóvel que constitui a habitação permanente do executado o credor reclamante ficará impedido de requerer o prosseguimento da execução fiscal.
Este juízo, que corresponde ao que é feito pela Exequente, não resiste, contudo, aos argumentos explicitados pela decisão recorrida a partir da natureza do impedimento legal à realização da venda de imóvel afeto a habitação própria e permanente do executado. Esse impedimento só opera em função do tipo de garantia real (em sentido impróprio) invocada pela administração fiscal, já que se esta garantia for a penhora, não há lugar à realização da venda; mas se houver concurso do crédito fiscal com os créditos de outros credores do executado, seja qual for a natureza do processo executivo em que for admitido o concurso de credores (fiscal ou não fiscal), já a venda daquele imóvel poderá realizar-se. Caso em que o imóvel é vendido para cobrança de créditos não fiscais e do Estado, com invocação dos correlativos privilégios creditórios. Donde a necessária interpretação restritiva daquele artigo 244°/2 do CPPT no sentido da sua inoponibilidade ao concurso de credores na execução fiscal, ficando a sua aplicação limitada aos casos em que a Autoridade Tributária seja o único credor interveniente no processo de execução fiscal.
Este mecanismo interpretativo conjuga a atual redação daquele artigo 244º do CPPT e do artigo 794º do CPC, permitindo ao executado que permaneça na habitação, mesmo que a dívida exequenda não seja paga ao órgão de execução fiscal. É que o principal objetivo da referida Lei 13/2016 é a proteção da casa de morada de família no âmbito de processos de execução fiscal, porque não impede os demais credores de acionarem os mecanismos legais para executarem os seus direitos de crédito.
A esta solução há quem oponha o disposto no artigo 265°/3 do CPPT, defendendo que proíbe a realize da venda executiva para paga créditos não fiscais. Todavia, a norma não tem semelhante alcance. Sob a epígrafe "Formalidades do pagamento voluntário", ela estipula que "O pagamento não susta o concurso de credores se for efetuado após a realização da venda”. Trata-se, portanto, de um preceito que versa sobre a responsabilidade do executado, estabelecendo que se o pagamento voluntário ocorrer quando já tiverem sido vendidos os bens, não se susta o concurso de credores e liquida-se a total responsabilidade do executado, nesta se incluindo os créditos reclamados para serem pagos pelo produto dos bens penhorados. Compreensivelmente, se o pagamento for feito antes da venda, liquida-se unicamente o crédito fiscal e os respetivos acréscimos legais, mas se os bens já tiverem sido vendidos, a liquidação tem de abranger também os créditos reclamados para serem pagos pelo produto desses bens em conformidade com a sua graduação.
Logo, a venda de imóvel afeto a habitação própria e permanente do executado ou do seu agregado familiar, se penhorado em primeiro lugar no âmbito de processo de execução fiscal, terá de nele realizar-se por ser o processo em que a penhora é mais antiga. Como antecipamos, o impedimento legal à realização da venda desse imóvel só opera em função do tipo de garantia real invocada pela administração fiscal: se esta garantia for a penhora, não há lugar à realização da venda, mas se houver concurso do crédito fiscal com os créditos de outros credores do executado, a venda realizar-se-á para cobrança de créditos não fiscais e do Estado com invocação dos privilégios creditórios.
Não ignoramos que esta posição não colhe unanimidade jurisprudencial, havendo decisões que sufragam a inviabilidade de, na execução fiscal, se alcançar a tutela do direito do credor garantido pela penhora na execução comum do imóvel que constitui a habitação própria e permanente do executado, por existir um impedimento legal à venda na execução fiscal desse imóvel. E, por isso, admite que, havendo impossibilidade legal dessa execução prosseguir, não haverá lugar à sustação da execução em que a penhora tenha sido posterior.
Ainda assim, muitas outras decisões dos Tribunais da Relação têm optado por defender que, mantendo-se, na execução fiscal, a penhora do imóvel do devedor destinado exclusivamente a sua habitação própria e permanente ou do seu agregado familiar, não poderá ser levantada a sustação da execução cível devido à anterioridade daquela, porque a satisfação do crédito do exequente poderá ser atingida na execução fiscal. A Autoridade Tributária poderá prosseguir com a venda do bem penhorado para pagamento dos créditos reclamados, ainda que não alcance o pagamento coercivo dos seus créditos fiscais garantidos pela penhora daquele bem imóvel que se destina a habitação própria e permanente do executado".
Assim, estando aqui apurado que a sustação da execução fiscal foi determinada por via da penhora do bem imóvel destinado a habitação própria e permanente do executado, à luz do preceituado no artigo 794º do CPC não há fundamento para o prosseguimento da presente execução, pelo que confirmamos a decisão recorrida."
[MTS]