Hipoteca; arrendamento;
caducidade
1. O sumário de RP 4/6/2019 (4975/10.3TBVNG-B.P1) é o seguinte:
Por aplicação analógica do disposto no artigo 824.º do Código Civil, a venda em execução de um imóvel hipotecado para garantia do crédito exequendo extingue o contrato de arrendamento celebrado depois do registo da hipoteca.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"Estabelece o artigo 824.º, n.º 2 do CC que: ‘’Os bens são transmitidos livres dos direitos de garantia que os onerarem, bem como os demais direitos reais que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia, com excepção dos que, constituídos em data anterior, produzam efeitos em relação a terceiros independentemente de registo’’.
Daí o Tribunal a quo ter decidido nos termos supra expostos, assim o justificando: “Ora ainda que se demostrasse, nesta fase embrionária dos presentes embargos de terceiro, que a embargante celebrou o contrato de arrendamento na data mais antiga por si alegada (Maio de 2010 – conferir art.º 6.º da petição de embargos-), esse contrato de arrendamento invocado sempre é posterior às hipotecas voluntárias incidentes sobre os imóveis penhorados, e vendidos nos autos de execução ao credor reclamante beneficiário das faladas hipotecas voluntárias.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
"Estabelece o artigo 824.º, n.º 2 do CC que: ‘’Os bens são transmitidos livres dos direitos de garantia que os onerarem, bem como os demais direitos reais que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia, com excepção dos que, constituídos em data anterior, produzam efeitos em relação a terceiros independentemente de registo’’.
Daí o Tribunal a quo ter decidido nos termos supra expostos, assim o justificando: “Ora ainda que se demostrasse, nesta fase embrionária dos presentes embargos de terceiro, que a embargante celebrou o contrato de arrendamento na data mais antiga por si alegada (Maio de 2010 – conferir art.º 6.º da petição de embargos-), esse contrato de arrendamento invocado sempre é posterior às hipotecas voluntárias incidentes sobre os imóveis penhorados, e vendidos nos autos de execução ao credor reclamante beneficiário das faladas hipotecas voluntárias.
Como tem sido entendido, por aplicação analógica do artigo 824.º do Código de Civil, a venda em execução opera a extinção do contrato de arrendamento que foi celebrado depois do registo de hipoteca do prédio arrendado (conferir, a título explicativo, o Acórdão da Relação do Porto de 27-10-2016 in www.dgsi.pt, processo n.º 5700/11.TBMTS-A; ainda no Acórdão da Relação de Coimbra 26-02-2013 no mesmo sitio da internet, processo n.º 6/09.4TBCBR.C1; Acórdão da Relação do Porto de 20-12-2004 na www.dgsi.pt processo n.º 03568228). Vale isto por dizer que o alegado contrato de arrendamento, no caso concreto, se extinguiu com a venda executiva, não podendo ele nem a sua existência, ser oposto ao adquirente das fracções em causa.
Tudo para afirmar que, no caso, os embargos devem ser rejeitados, porque não existe a probabilidade séria da existência do direito invocado pela embargante.”
É também este o nosso entendimento.
Pois, “qualquer situação locatícia - registada ou não - constituída após o registo de hipoteca, arresto ou penhora é inoponível ao comprador do imóvel em sede de venda judicial, na justa medida em que após a concretização desta caduca automaticamente.” (cit. Ac. do STJ 08B3994, de 05-02-2009, in www.dgsi.pt. No mesmo sítio net e no mesmo sentido, vejam-se, a título de exemplo, Acs. do STJ de: 16-09-2014, no proc. nº 351/09TVLSB.L1.S1; 27-05-2010 no proc. nº 5425/03.7TBSXL.S1; 28-06-2007, no proc. nº 1838/07; 31-10-2006, no proc. nº 3241/06 e; de 09-07-2015, no proc. nº 430/11.2TBEVR-Q.E1.S1).
“Com efeito, o direito do arrendatário tem natureza pessoal ou creditícia mas também tem contornos que se assemelham aos direitos reais em que o regime dos direitos reais se lhe aplica – cfr. artigo 1037º, nº 2 do Cód. Civil.
O disposto no artigo 1051º do Cód. Civil, que indica os casos em que o contrato de arrendamento caduca, não é taxativo, nomeadamente, por também poder caducar em caso de impossibilidade de cumprimento, nos termos do artigo 795º do Cód. Civil.
E o disposto no artigo 1057º do Cód. Civil não pode justificar o entendimento oposto pois este preceito não se aplica à venda judicial, a qual tem norma própria que é a do referido artigo 824º, nº 2.
Se a hipoteca não impede o poder de alienação ou de oneração do imóvel sobre que incide, como decorre do disposto no art. 695º do Cód. Civil, não é menos certo que, gozando o titular da hipoteca do direito de preferência decorrente da prioridade do registo, fica o proprietário do bem limitado em relação ao seu direito de propriedade, como seja o de pôr em causa o valor do mesmo.
A hipoteca é a garantia de um crédito em que o valor do imóvel é um elemento fundamental na atribuição do empréstimo que lhe subjaz e na determinação do respectivo quantitativo, a situação de arrendamento do imóvel será sempre um dos elementos relevantes dessa avaliação.
Se o imóvel está dado de arrendamento, o credor hipotecário pode conhecer dessa circunstância e essa qualidade é-lhe oponível, por ser anterior ao da constituição da hipoteca.
Se, pelo contrário, o prédio não está dado de arrendamento e o imóvel está livre, a constituição do arrendamento posteriormente ao registo da hipoteca, vem piorar a situação do credor hipotecário, situação esta com que o mesmo razoavelmente não podia contar, pois o arrendamento é posterior à hipoteca.
E na ponderação dos interesses do credor hipotecário em face dos interesses do arrendatário, devem prevalecer os primeiros, pois o arrendatário pode saber da situação de hipotecado do imóvel, dada a obrigatoriedade da hipoteca de constar do registo.
O arrendamento do imóvel constitui um verdadeiro ónus sobre o imóvel e sobre o seu valor …
Numa interpretação teleológica e apelando à analogia ou semelhança das situações de facto e consequências práticas, designadamente, de natureza sócio económicas, deverá entender-se que a dita norma do artigo 824º se aplica a todos os direitos de gozo, quer de natureza real quer pessoal de que a coisa vendida seja objecto e que produzam efeitos em relação a terceiros. O arrendamento, dada a sua eficácia em relação a terceiros, deve ser para este efeito, equiparado a um direito real. De outra forma, pôr-se-ia em causa o escopo da lei, de que a venda em execução se faça pelo melhor preço possível.
Como explica M. Henrique Mesquita, in “Obrigações Reais e Ónus Reais”, pág. 183: “O intérprete deve ter sempre presente que o direito do locatário é tratado, para certos efeitos, como direito de soberania e, para outros, como direito meramente creditório, assente numa relação intersubjectiva que liga permanentemente o locador e o locatário. E face a este estatuto dualista, o caminho metodologicamente correcto para esclarecer dúvidas interpretativas ou resolver problemas de regulamentação será o do recurso, nuns casos, aos princípios que disciplinam os direitos reais e, noutros, aos princípios que regem as obrigações, consoante os interesses em jogo, apreciados e valorados à luz das soluções ditadas pelo legislador para os problemas de que directa e expressamente se ocupa.”
Numa sobreposição de direitos – o do arrendatário e o do credor hipotecário – deverão prevalecer os direitos deste por o registo da hipoteca ser anterior à constituição do arrendamento e ser a hipoteca do conhecimento ou da cognoscibilidade da arrendatária.
Desta forma, e de acordo com o disposto no artigo 824º, nº 2 referido, o direito de arrendamento da recorrente caducou com a venda judicial do imóvel sobre que versava a locação.” (Ac. deste TRP, de 14-12-2017, proferido no proc. 250/08.1YYPRT-D.P1, relatado pela aqui 2ª Adjunta - acessível no mesmo sitio net já referido)."
[MTS]