"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



13/12/2019

Jurisprudência 2019 (140)


Mandato judicial;
renúncia; eficácia


1. O sumário de RL 27/6/2019 (43/06.0TBCDV-B.L1-2) é o seguinte:


I– Na execução dos autos os executados/apelantes não teriam de se fazer representar por advogado, já que não se verificava a necessidade de patrocínio judiciário obrigatório, nos termos do art. 58 do CPC, mas sempre teriam direito a ser assistidos por mandatário judicial, uma vez que fora essa a sua opção - estaremos no âmbito do exercício do seu direito de defesa.

II– A renúncia ao mandato será imediatamente eficaz na data em que ocorrer a notificação pessoal do mandante se o patrocínio judiciário não for obrigatório - enquanto aquela notificação se não fizer, o acto não produz efeitos.

III– Não havendo os executados/mandantes sido notificados pessoalmente da renúncia, esta não teve eficácia no processo, mantendo-se o mandatário constituído como tal; haverá, todavia que apurar o demais circunstancialismo envolvente, (designadamente se em termos de facto o mandatário constituído continuou a ser tratado pelo Tribunal como tal) para concluir se ocorreu uma nulidade processual com influência na venda executiva e se teve lugar um processo equitativo com observância do contraditório.

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"Na execução a que nos reportamos os executados ora apelantes não teriam de se fazer representar por advogado, já que não se verificava a necessidade de patrocínio judiciário obrigatório, nos termos do art. 58 do CPC.

Todavia, não se poderá negar que os executados tinham direito a ser assistidos por mandatário judicial, uma vez que fora essa a sua opção - estaremos no âmbito do exercício do seu direito de defesa. Sendo que o nº 2 do art. 20 da Constituição assegura que todos têm direito «a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade».

Sabemos que por requerimento de 20-3-2015 o então mandatário dos executados veio renunciar ao mandato, mas que os executados não foram notificados daquela renúncia.

Também sabemos que, de qualquer modo, em 3-7-2015 os executados foram notificados para se pronunciarem sobre a modalidade e valor da venda, em 24-9-2015 foram notificados da decisão de venda, em 20-1-2016 foram notificados da data designada para abertura de propostas, em 9-3-2016 foram notificados do auto de abertura de propostas, em 25-5-2016 voltaram a ser notificados para se pronunciarem sobre a modalidade e valor da venda, em 1-7-2016 notificados da decisão de venda, em 11-1-2017 foram notificados da data designada para abertura de propostas e em 14-2-2017 foram notificados do auto de abertura de propostas, bem como em 9-10-2017 foram notificados da extinção da execução.

Assim, aos executados foi proporcionado o acompanhamento da execução em toda a fase da venda, sendo-lhes dado conhecimento de que a venda tinha ocorrido e da extinção da execução – dificilmente poderemos concluir que estivessem alheados do processo.

Estranha-se que caso não tivessem entendido a significação e alcance das notificações recebidas ao longo de mais de dois anos os executados não houvessem contactado com o mandatário que haviam constituído para procurarem esclarecer-se - e que apenas houvessem tido conhecimento da venda a propósito do processo de partilha, daí decorrendo o conhecimento da omissão da notificação da renúncia. De facto não é plausível que tendo recebido tantas notificações relacionadas com a venda os executados apenas se apercebessem de que ela tivera lugar a propósito do processo de partilha; por outro lado, não é conforme à actuação do comum das pessoas naquela situação – executados a quem haviam sido penhorados bens - que apesar de tais notificações ao longo daquele período de mais de dois anos não houvessem contactado o mandatário que haviam constituído, nem mesmo para lhe solicitar qualquer esclarecimento sobre as inúmeras notificações que iam recebendo.
*

IV– 3– Alicerçam os apelantes a sua alegação de recurso na circunstância de o mandato que haviam conferido haver cessado pela aludida renúncia, sem que eles de tal tivessem notificados, não havendo sido dado cumprimento ao disposto no art. 47 do CPC.

As razões que aduzem assentam na circunstância de por omissão dessa notificação deixarem de ter mandatário nos autos de execução, sem que o soubessem, com consequências no processamento daqueles autos.
Efectivamente, nos termos do art. 47 do CPC a renúncia por parte do mandatário deverá ser notificada ao mandante – logo, deveria ter sido notificada aos executados.
Todavia, dispõe o nº 2 do mesmo artigo que os efeitos da renúncia se produzem a partir daquela notificação que é pessoalmente notificada ao mandante.
 Assim, a renúncia será imediatamente eficaz na data em que ocorrer a notificação pessoal do mandante se o patrocínio judiciário não for obrigatório ([Ver, a propósito, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, «Código de Processo Civil Anotado», vol. I, Almedina, 2018, pag. 79]) – como é o caso.

Com referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre ([No «Código de Processo Civil Anotado», I vol., Coimbra Editora, 3ª edição, pag. 101]) aquele acto (a renúncia) realiza a sua eficácia no momento em que chega ao conhecimento do seu natural destinatário, tendo a notificação ao mandante uma função extintiva do mandato como acto exterior que aperfeiçoa o acto jurídico da renúncia.

Nas palavras de Alberto dos Reis ([No «Comentário», vol. I, Coimbra Editora, 1960, pag. 52]): «Enquanto a notificação se não fizer, o acto não produz efeitos».

Do que acabámos de expor decorre que não havendo os executados/mandantes sido notificados pessoalmente da renúncia, esta não teria eficácia naquele processo mantendo-se o mandatário constituído como tal, com os direitos e deveres que lhe assistiam.

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IV– 4– Sucede que para exercer esses direitos e estar sujeito a esses deveres ao mandatário constituído deveriam ter sido dirigidas oportunas notificações referentes aos termos do processo – o que não é evidenciado (em sentido positivo ou negativo) pelos factos que o Tribunal de 1ª instância consignou.

No requerimento do incidente de declaração de nulidade os executados afirmaram que «sempre estiveram plenamente convencidos que, paralelamente às suas notificações, as mesmas estariam igualmente a ser dirigidas ao seu Ilustre Mandatário», mas nada sabemos sobre tal – nem se alguma ou nenhuma das notificações foi dirigida ao ainda mandatário dos executados, nem sobre o convencimento dos executados.

O que teria relevância para o enquadramento da situação dos autos - o mandatário constituído mantinha-se como tal, mas a carência das necessárias notificações sobre os termos do processo, assumindo o Tribunal que a notificação da renúncia fora efectuada e que aquele já não era mandatário dos executados (o que configurava um desajustamento da realidade face ao disposto no nº 2 do art. 47 do CPC) teria consequências no âmbito do invocado direito dos executados a um processo equitativo, considerada a proibição da indefesa, se convencidos de que continuavam a litigar assistidos por advogado.

Temos, pois, que se em tese e por si só a falta de notificação da renúncia aos executados, quando dessa renúncia foi dado conhecimento no processo, não constituirá uma nulidade com influência “no exame ou na decisão da causa” – desde logo na venda que teve lugar; na realidade tudo dependerá do circunstancialismo envolvente e que não foi apurado, não bastando para tal os factos consignados pelo Tribunal de 1ª instância para a decisão do incidente.

Para a inutilização de todo o processado incluindo a venda que ocorreu, dadas as consequências significativas daí advenientes, deverão ser apurados e ponderados os factos invocados pelos executados no seu requerimento do incidente de anulação (assim, designadamente, os factos que estão incluídos nos arts. 14, 20, 21, 22, 36, 37 e 38 do requerimento inicial do incidente) bem como, eventualmente, factos constantes de resposta que haja sido oferecida pela parte contrária e que tenham interesse para o efeito (tal eventual resposta não integra o presente apenso).

Sendo relevantes as circunstâncias atinentes à observância das regras sobre o prazo de arguição (art. 199 do CPC).

Haverá, pois, que anular a decisão recorrida a fim de que produzida a prova necessária, seja apurada aquela matéria de facto, uma vez que, por ora, se reputa de insuficiente a factualidade elencada para a decisão do incidente (art. 662, nº 2-c) e 292 e seguintes do CPC)."
[MTS]