"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



20/12/2019

Jurisprudência 2019 (145)


Processo penal;
pedido cível


1. O sumário de RC 26/6/2019 (65/17.6T9FVN-A.C1) é o seguinte:

I – O pedido cível “fundado na prática de um crime” tem em vista obter o ressarcimento dos danos causados pelo ilícito criminal.

II - No regime processual, de entre os vários modelos possíveis – sistema de independência absoluta, sistema de adesão alternativa e sistema de adesão obrigatória – o legislador português adoptou pelo último, o sistema de adesão obrigatória.

III - No modelo adoptado estão em causa razões de economia processual, para os interessados, aproveitando a definição, no processo-crime, da autoria do facto ilícito e da culpa do agente, para ali poderem ser ressarcidos dos danos causados pelo crime, mas também de prestígio institucional, na medida em que a existência de um único processo previne a possibilidade de julgados contraditórios sobre o mesmo facto ilícito.

IV- A remessa das partes para os tribunais cíveis, oficiosamente ou a requerimento, pode ocorrer:

a)- Tendo em conta a especificidade das questões, de natureza exclusivamente civilística que, pela sua complexidade, inviabilizem uma decisão rigorosa no processo-crime, sobrelevando a competência cível;

b)- Por razões de economia processual, evitando, por efeito dos incidentes inerentes ao pedido cível, retardar intoleravelmente o processo penal, de natureza eminentemente pública em contraposição com o processo civil onde vigora predominantemente o princípio dispositivo.

2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:

"Na responsabilidade civil conexa com a criminal, existe coincidência de pressupostos quanto ao facto ilícito, imputação subjectiva do facto ao agente e nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano. O pedido cível “fundado na prática de um crime” tem em vista obter o ressarcimento dos danos causados pelo ilícito criminal.

No regime processual, de entre os vários modelos possíveis – sistema de independência absoluta, sistema de adesão alternativa e sistema de adesão obrigatória – o legislador português adoptou pelo último, o sistema de adesão obrigatória.

Com efeito, sob a epígrafe «Princípio de adesão», postula o art. 71º do CPP: O pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei.

Existem porém, algumas excepções àquele princípio, taxativamente definidas no artigo 72º, nº 1, quando: a) O processo penal não tiver conduzido à acusação dentro de oito meses a contar da notícia do crime, ou estiver sem andamento durante esse lapso de tempo; b) O processo penal tiver sido arquivado ou suspenso provisoriamente, ou o procedimento se tiver extinto antes do julgamento; d) O, quando o procedimento depender de queixa ou acusação particular; e) Não houver ainda danos ao tempo da acusação, estes não forem conhecidos em toda a sua extensão; f) A sentença penal não se tiver pronunciado sobre o pedido de indemnização civil, ou somente contra estes haja sido provocada, nesta acção, a intervenção principal do arguido; g) O valor do pedido permitir a intervenção civil do tribunal colectivo, devendo o processo penal correr perante o tribunal singular; h) O processo penal correr sob a forma sumária ou sumaríssima; i) O lesado não tiver sido informado da possibilidade de deduzir o pedido civil no processo penal ou notificado para o fazer, nos termos dos nº1 do artigo 75º e do nº2 do artigo 77º.

No modelo adoptado estão em causa razões de economia processual, para os interessados, aproveitando a definição, no processo-crime, da autoria do facto ilícito e da culpa do agente, para ali poderem ser ressarcidos dos danos causados pelo crime, mas também de prestígio institucional, na medida em que a existência de um único processo previne a possibilidade de julgados contraditórios sobre o mesmo facto ilícito.

Na regra geral, o legislador parte do princípio de que as vantagens da conexão se sobrepõem às da acção em separado. As exceções, especificados na lei, constituem o reconhecimento, pelo legislador, do contrário, ou seja que as vantagens prosseguidas se sobrepõem aos inconvenientes.

Postula ainda com relevo o art. 82º, nº 3 do CPP: O tribunal pode, oficiosamente ou a requerimento, remeter as partes para os tribunal civis quando as questões suscitadas pelo pedido de indemnização civil inviabilizem uma decisão rigorosa ou forem susceptíveis de gerar incidentes que retardem intoleravelmente o processo penal.

Enuncia assim dois critérios: - o primeiro tem a ver com a especificidade das questões, de natureza exclusivamente civilística que, pela sua complexidade, inviabilizem uma decisão rigorosa no processo-crime, sobrelevando a competência cível; e - o segundo, de economia processual, evitando, por efeito dos incidentes inerentes ao pedido cível, retardar intoleravelmente o processo penal, de natureza eminentemente pública em contraposição com o processo civil onde vigora predominantemente o princípio dispositivo.

Sendo que no processo penal, por razões de ordem pública e do interesse do acusado em ver obter uma decisão penal em tempo prazo razoável, que aprecie a questão penal. Impondo-se o interesse público na celeridade do processo ao interesse privado na definição do quantum da indemnização, que por um lado não fica posto de parte, apenas sendo a apreciação remetida para melhores circunstâncias, sem prejuízo do efeito da sentença penal que venha a definir os pressupostos do dever de indemnizar.

Tendo em vista os critérios enunciados o juiz decide qual o meio que melhor se adequa ao fim em vista."

[MTS]