"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



03/12/2019

Jurisprudência 2019 (131)


Sentença homologatória;
título executivo

1. O sumário de RE 12/6/2019 (3342/18.5T8LLE.E1) é o seguinte:

1 - Uma sentença homologatória de transação e de confissão constitui título executivo, desde que seja condenatória.

2 - Mesmo admitindo-se “condenações implícitas”, a sentença, para constituir título executivo, tem de ser suficiente para a constituição da obrigação.

3 - Por força do disposto no art. 54.º, n.º 1 do D/L n.º 291/2007, de 21.08, o Fundo de Garantia Automóvel adquire, na medida da satisfação dada ao direito do lesado, os poderes que a este competiam, ou seja, satisfeita a indemnização pelo Fundo de Garantia Automóvel nasce automaticamente, por força da lei, na esfera jurídica do lesante, ou da sua seguradora, a obrigação de pagamento ao FGA do valor que ele pagou ao lesado e ainda das demais quantias previstas naquele normativo.

4 - Nos termos do referido art. 54.º, n.º 1, para que haja sub-rogação do Fundo de Garantia Automóvel nos direitos do lesado não basta a transação celebrada e homologada judicialmente, sendo também necessário o pagamento pelo Fundo de Garantia Automóvel da indemnização ao lesado.

5 - Não sendo o pagamento da indemnização anterior nem contemporâneo da formação do título executivo, ocorrendo, nos termos do acordado, num momento posterior àquela, o referido pagamento não está abrangido pelo caso julgado da sentença homologatória dada à execução a qual, por isso, não é exequível. 

II. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"A única questão suscitada no presente recurso consiste em saber se a sentença homologatória com o teor supra descrito constitui título executivo que permita ao exequente/recorrente substituir-se nos direitos do lesado (Manuel Ribeiro Serra) e assim obter do executado/recorrido o valor que pagou ao primeiro.

Defende o recorrente que «é irrelevante que a douta sentença homologatória do acordo na ação declarativa contemplasse o direito de regresso/sub-rogação do Fundo de Garantia Automóvel pois tal direito adquire-se automaticamente com o pagamento da indemnização ao terceiro lesado». Invoca o art. 54.º, n.º 1, do D/L n.º 291/2007, de 21.08, o qual dispõe o seguinte:

«Satisfeita a indemnização, o Fundo de Garantia Automóvel fica sub-rogado nos direitos do lesado, tendo ainda direito ao juro de mora legal e ao reembolso das despesas que houver feito com a instrução e regularização dos processos de sinistro e de reembolso».

Liminarmente se dirá que não lhe assiste razão.

O título dado à execução consiste numa sentença homologatória de uma transação e de uma confissão firmadas no âmbito de um incidente de liquidação movido por CC contra o Fundo de Garantia Automóvel e BB, mediante a qual o tribunal, após homologar o acordo, condenou as partes a cumpri-lo «nos seus precisos termos».

De acordo com o disposto no art. 10.º, n.º 5, do CPC, toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva.

O título executivo confere ao direito exequendo o grau de segurança que o sistema considera suficiente para a admissibilidade da ação executiva, através dele se determinando o tipo de ação, o seu objeto, a legitimidade ativa e passiva para a execução, sendo também através dele que se verifica se a obrigação é certa, líquida e exigível [Lebre de Freitas, A Ação Executiva à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 7.ª edição, GestLegal, pp. 39 e ss.].

As sentenças condenatórias, isto é, as decisões com valor de caso julgado material proferidas num processo contraditório pelas quais um tribunal impõe um comando de cumprimento de uma obrigação ao réu, são títulos executivos, conforme art. 703.º, n.º 1, al. a), do CPC. Nelas incluem-se as sentenças homologatórias de confissão de pedido e de transação, desde que sejam condenatórias [No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30.04.2015, proferido na revista n.º 312-H/2002.P1.S1 (relator Tomé Gomes), publicado em www.dgsi.pt., considerou-se que as sentenças homologatórias que contenham, explícita ou implicitamente, a condenação do devedor numa determinada prestação patrimonial, como ocorre nos casos de sentença homologatória de transação, incluem-se na categoria de “sentenças condenatórias” prevista no art. 703.º, n.º 1, al. a), do CPC].

No caso vertente, através da presente execução, o recorrente Fundo de Garantia Automóvel pretende efetivar a sub-rogação que se encontra prevista no art. 54.º, n.º 1 do D/L n.º 291/2007, de 21.08. Este normativo em causa é expressão de uma sub-rogação legal (cfr. art. 592.º, do Código Civil), mediante a qual o Fundo de Garantia Automóvel adquire, na medida da satisfação dado ao direito do lesado, os poderes que a este competiam. Ou seja, satisfeita a indemnização pelo Fundo de Garantia Automóvel, nasce automaticamente, por força da lei, na esfera jurídica do recorrido a obrigação de pagamento ao FGA do valor que ele pagou ao lesado (e ainda das demais quantias previstas no normativo em análise).

Como referimos supra, a sentença, para constituir título executivo, tem de impor um comando de cumprimento de uma obrigação ao réu.

No caso sub judicie a sentença homologatória (condenatória) da transação e da confissão apresentada à execução não se pronuncia expressamente sobre a constituição, na esfera jurídica do executado/recorrido, da obrigação de reembolsar o exequente/recorrente do montante que este se obrigou a pagar ao lesado, no prazo de 8 dias a contar da data da data do acordo/confissão. Ou seja, não condena expressamente o recorrido no cumprimento da prestação pecuniária que a recorrente reclama por via da presente execução.

Não se ignora haver quem defenda que a fórmula condenatória não precisa de ser explícita e que a expressão “sentenças condenatórias” utilizada na legislação processual civil abrange todas as sentenças em que o juiz expressa ou tacitamente impõe a alguém determinada responsabilidade, designadamente, certas sentenças constitutivas [Com efeito, tem-se discutido se, além de sentenças condenatórias, se podem executar também obrigações que se teriam constituído na esfera jurídica do réu como resultado da procedência do pedido declaratório – vd., por todos, Rui Pinto, A Ação Executiva, 2019, Reimpressão, pp. 153 e ss.; assim, Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, volume 1, 3.ª edição, p. 27.].

Mas, mesmo admitindo-se “condenações implícitas” a sentença, para constituir título executivo, tem de ser suficiente para a constituição da obrigação. Como defende Lebre de Freitas, ob. cit., em nota de rodapé, p. 50, «[…] a ideia da condenação implícita é aceitável quando pela sentença haja sido constituída uma obrigação cuja existência não dependa de qualquer outro pressuposto».

Resulta do art. 54.º, n.º 1, do D/L n.º 291/2007, de 21.08 que aquele que cumpre a obrigação só fica sub-rogado nos direitos do credor/lesado quando for satisfeita a indemnização. Isto é, para que haja sub-rogação do Fundo de Garantia Automóvel nos direitos do lesado não basta a transação celebrada (e homologada judicialmente) é necessário também o pagamento pelo Fundo de Garantia Automóvel da indemnização ao lesado.

Pagamento que, no caso vertente, não é anterior nem contemporâneo da formação do título executivo (cfr. cláusula 3.ª), não estando, por isso, abrangido pelo caso julgado da sentença homologatória dada à execução. E, por isso mesmo, daquela sentença nunca se poderia retirar uma condenação implícita do recorrido na obrigação de pagamento ao FGA do valor que este pagou ao lesado. Refira-se, aliás, que o próprio recorrente reconhece nas suas alegações a falta de exequibilidade do título dado à execução ao concluir que «[…] todas os elementos da causa de pedir estão judicialmente apreciados, com exceção do pagamento ao lesado, cuja prova conferirá exequibilidade ao título executivo» [...].

De acordo com o disposto no art. 726.º, n.º 2, al. a), do CPC, o juiz indefere liminarmente o requerimento executivo quando seja manifesta a falta ou insuficiência do título. É o caso.

Em face do exposto, a decisão sob recurso não merece censura, impondo-se a sua confirmação e, consequentemente, a improcedência da presente apelação."

[MTS]