"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



07/12/2019

Renovação da execução extinta nos termos do artigo 806.º, n.º 2, do nCPC; prazo para apresentação do requerimento pelo exequente


A questão que se procura solucionar pode ser enunciada da seguinte forma: no caso de incumprimento do plano de pagamento prestacional da dívida exequenda que conduziu à extinção do processo executivo nos termos do disposto no artigo 806.º, n.º 2, parte final, do nCPC, a renovação da instância executiva pelo credor exequente está sujeita a um prazo perentório contado daquele incumprimento?
            
O primeiro aspeto que há que considerar é a causa de extinção do processo executivo decorrente da junção e subsequente homologação daquele plano de pagamento pelo agente de execução. Estando aquele processo extinto, não existe instância ou relação processual ativa; por modo que não se aplica a figura da deserção da instância. Quer dizer: não se pode considerar deserta uma relação processual que já não existe. Ela só ressurge com o retomar dos termos do processo através da renovação da instância.

Não seria irrazoável que o legislador tivesse sujeitado a renovação da instância executiva, decorrente do incumprimento do plano prestacional acordado entre exequente e executado, a um prazo perentório. Mas não o fez.

Com efeito, em nenhuma parte do texto do artigo 808.º do nCPC – que estabelece as consequências da falta de pagamento daquele plano, e que, por isso mesmo, seria o preceito adequado para fixar tal prazo – se refere a existência de um limite temporal, para o exequente requerer a renovação da instância executiva, a contar da verificação do incumprimento das prestações acordadas.

O imediato vencimento das prestações ainda não exigíveis, decorrente daquele incumprimento, apenas quer significar que o exequente fica dispensado de interpelar o executado para poder exigir deste a totalidade da dívida ou o seu remanescente, ficando sem efeito o acordo de pagamento fracionado, diversamente do que sucede no caso de acordo global firmado nos termos do artigo 810.º do nCPC. Nesta última situação, o legislador impõe aos credores (exequente e reclamante) a interpelação (escrita) do executado para renovarem a execução, pelo pedido inicialmente formulado, e considerarem sem efeito o acordo global (cf. artigo 810.º, n.º 3, do nCPC).

Também não nos parece que deva aplicar-se por analogia o prazo de 10 dias previsto no n.º 2 do artigo 850.º do nCPC, dado que entre a previsão deste preceito e a situação regulada no artigo 808.º do mesmo Código não concorre a mesma ponderação de interesses.

Com efeito, no domínio do n.º 2 do artigo 850.º do nCPC, quem renova a execução extinta é o credor que beneficia de garantia real sobre os bens penhorados e só pode impulsionar a execução para fazer valer essa garantia (não pode, p. ex., requerer a penhora de outros bens do executado para pagamento do seu crédito). Neste contexto, o legislador considerou que a decisão do credor reclamante de impulsionar ou não a execução deve estar sujeita a um prazo perentório, dado que o mesmo credor beneficia de uma garantia de pagamento que é anterior à execução. Se este credor (reclamante) optar por não requerer a renovação da execução extinta, isso não preclude o seu direito à execução, podendo impulsionar a execução que ele próprio haja instaurado e se encontre sustada nos termos do artigo 794.º, n.º 1, do nCPC, ou pode instaurar a sua própria execução.

Por seu lado, no domínio da previsão estabelecida pelo artigo 808.º do nCPC, o exequente pode não beneficiar – e, na maioria das vezes, não beneficia – de uma garantia de pagamento anterior à execução. Essa garantia ou (mais corretamente) a preferência no pagamento apenas lhe advém da realização do ato de penhora (cf. artigo 822.º do CC). Isto significa que, se a renovação da execução extinta nos termos do n.º 2 do artigo 806.º do nCPC estivesse sujeita a um prazo perentório, o decurso deste prazo precludiria o direito à execução que aquele credor (exequente) anteriormente havia instaurado, e que não pode instaurar de novo sem perda da garantia do crédito exequendo, mesmo que a penhora haja sido convertida em hipoteca nos termos do disposto no artigo 807.º, n.º 1, do mesmo Código.

Com efeito, a hipoteca prevista neste preceito só aproveita ao exequente na instância executiva renovada (cf. artigo 808.º, n.º 2, do nCPC).    

Disto resulta que, não existindo um prazo perentório para o exequente renovar a execução extinta nos termos da parte final do n.º 2 do artigo 806.º do nCPC, há que entender que o limite temporal para aquele credor voltar a exercer o seu direito – cuja aplicação não se questiona, por razões de segurança e certeza das relações jurídicas – tem de ser de natureza substantiva e não processual.

Esse limite só pode ser o que resulta do instituto da prescrição. O plano de pagamento acordado entre as partes sobre a quantia exequenda não pode deixar de se refletir na conduta processual do executado, dado que a junção desse plano de pagamento quer significar que o mesmo aceita/confessa o pedido executivo nos termos formulados no requerimento executivo ou no requerimento que contenha o plano prestacional de pagamento, já que o admite pagar em prestações.

Com esta confissão do pedido executivo fica interrompido o prazo de prescrição (cf. artigo 325.º do CC). A interrupção da prescrição pode igualmente ocorrer por efeito da ficção legal prevista no n.º 2 do artigo 323.º do CC. A nova prescrição, que começa a correr com a definitividade ou estabilização da decisão tomada pelo agente de execução de extinção da execução (cf. artigo 327.º, n.º 1, do CC), está sujeita ao prazo da prescrição primitiva (cf. artigo 326.º do CC), e aplica-se às prestações vencidas e não pagas (ou seja, às prestações devidas) nos termos acordados (cf. artigo 306.º, n.º 1, 1.ª parte, do CC).

É, quanto mais não seja por esse motivo, que o pedido de renovação da execução extinta tem de ser notificado ao executado (cf. artigo 850.º, n.º 4, do nCPC, aplicável ex vi do artigo 808.º, n.º 1, parte final, do mesmo Código).

J. H. Delgado de Carvalho