"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



10/12/2019

Jurisprudência 2019 (137)


Jurisdição voluntária;
recurso para o STJ


1. O sumário de STJ 6/6/2019 (2215/12.0TMLSB-B.L1.S1) é o seguinte:

I - Resultando das alegações do recurso de apelação que a recorrente pretendia a modificação do acervo factual com base, mormente, na reapreciação da prova testemunhal gravada, é de considerar que lhe aproveitava o prazo suplementar concedido pelo n.º 7 do art. 638.º do CPC, independentemente de, no julgamento do recurso, a Relação ter considerado que não haviam sido cumpridos os ónus de alegação vertidos no art. 640.º do CPC.

II - No âmbito de um processo de jurisdição voluntária, a intervenção do STJ pressupõe, atenta a sua especial incumbência de controlar a aplicação da lei processual ou substantiva, que se determine se a decisão recorrida assentou em critérios de conveniência e de oportunidade ou se, diferentemente, a mesma corresponde a um processo de interpretação e aplicação da lei.

III - Constatando-se que o acórdão recorrido fez assentar as decisões impugnadas quanto à escolha do colégio e quanto à guarda da menor em opções norteadas por critérios de conveniência (o que é viabilizado pelo n.os 1 e 6 do art. 1906.º do CC), é de concluir pela rejeição parcial da revista.

2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"7. Finalmente, o recorrente invoca erro de julgamento, quanto às decisões sobre a escolha do colégio, a obrigação de alimentos imposta ao recorrente e quanto ao regime de guarda e residência da menor.

Como se recordou já, estamos perante um processo tutelar cível (alteração do regime de exercício das responsabilidades parentais), processo esse que, por disposição expressa da lei (artigo 12º da Lei nº 141/2015), é qualificado como processo de jurisdição voluntária. Essa qualificação, como todos sabemos e o Supremo Tribunal de Justiça já a oportunidade de repetidamente observar, envolve a aplicação das regras definidas para a jurisdição voluntária, que se afastam em pontos muito relevantes do regime em regra aplicável aos processos cíveis, e que constam do artigo 986º e seguintes do Código de Processo Civil.

Entre esses preceitos, figura o nº 2 do artigo 988º, que veda o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça para apreciação de “resoluções proferidas segundo critérios de conveniência ou oportunidade”, ou seja, nos termos previstos no artigo 987º (“Nas providências a tomar, o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna”).

A atribuição do poder de decidir segundo critérios de conveniência e oportunidade, no âmbito da jurisdição voluntária, tem o objectivo de permitir ao tribunal adoptar as medidas que melhor prossigam o interesse que, no processo em causa, a lei lhe determine que tutele; no caso, o interesse da menor, que prevalece sobre interesses contraditórios que os seus progenitores eventualmente tenham, quanto à forma concreta de exercício das responsabilidades parentais (cfr. nº 1 do artigo 40º da Lei nº141/2015 e artigo 4º, al. a) da Lei nº 147/99, de 1 de Setembro).

E essa atribuição implica que, quando é interposto recurso de revista, o Supremo Tribunal verifique, como se escreveu no acórdão de 27 de Maio de 2008, proferido num processo destinado a obter a regulamentação do exercício das responsabilidades parentais, “se a decisão concreta a impugnar corresponde ao resultado de um processo de interpretação e aplicação da lei, ou de integração das suas lacunas, ou se, diferentemente, foi alcançada nos termos previstos no artigo 1410º [actual artigo 987º do Código de Processo Civil], (ou seja, de acordo com o que, no caso, o tribunal considera mais adequado à defesa do interesse que lhe incumbe prosseguir).” Tal como sucedia com o nº 2 do artigo 1411º do Código de Processo Civil anterior, o actual artigo 988, nº 2 “não exclui por completo (…) a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça (…), nos processos de jurisdição voluntária;” cabe é analisar o critério adoptado pela decisão concretamente recorrida”, uma vez que não cabe nos seus poderes, ”enquanto tribunal especialmente encarregado de controlar a aplicação da lei, substantiva (…) ou adjectiva (…), nos recursos interpostos em processos de jurisdição voluntária, apreciar medidas tomadas segundo critérios de conveniência e oportunidade, nos termos previstos no artigo 1410º do Código de Processo Civil. Com efeito, a escolha das soluções mais convenientes está intimamente ligada à apreciação da situação de facto em que os interessados se encontram; não tendo o Supremo Tribunal de Justiça o poder de controlar a decisão sobre tal situação (cfr. artigos 729º e 722º do Código de Processo Civil, na redacção aplicável), a lei restringe a admissibilidade de recurso até à Relação.(…). Em suma: nos processos de regulação do pode paternal, só são recorríveis para o Supremo Tribunal de Justiça as decisões proferidas em aplicação de lei estrita.”

Ora o que o recorrente impugna, do acórdão que, revogando a sentença, conformou o modo concreto de prossecução do exercício das responsabilidades parentais no caso presente, foi o que ali se deliberou”quanto às decisões sobre a escolha do colégio, à obrigação de alimentos imposta ao recorrente e quanto ao regime de guarda e residência da menor” sustentando a violação “das disposições dos art.ºs 1876.º, 1901.º, 1906.º e 1911°, todos do Código Civil, e as disposições dos art.ºs 20.º a 23.º e do art.º 40.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível.”

Da leitura atenta do acórdão recorrido resulta com toda a segurança que o critério utilizado para disciplinar “as decisões sobre a escolha do colégio”e quanto “ao regime de guarda e residência da menor” foi o da solução mais conveniente à prossecução do interesse da menor. Na realidade, o que se decidiu foi o seguinte (transcreve-se do acórdão recorrido): “Quanto à escolha da escola, embora seja essa a sua mais elementar obrigação para com a sua filha, é duvidoso que os litigantes consigam esquecer os seus problemas pessoais e os seus egos. Mas deviam fazê-lo, sob pena da eternização do conflito. Por razões de estabilidade para a vida da CC (que já tem amizades iniciadas e em formação e colegas de estudo e de brincadeira aos quais já está habituada/acostumada), terá de ser mantida até ao final do Io ciclo a escolha da escola feita pela mãe apelante, devendo, na mudança do ciclo a manutenção ou a mudança de escola ser feita em comum por ambos os progenitores e sempre tendo em conta, com uma particular atenção, as garantias de qualidade de ensino e de estabilidade nos quadros docente e auxiliar oferecidas pelo estabelecimento ou estabelecimentos de ensino (públicos ou privados) em causa. Só assim poderá ficar minimamente garantido um pacífico, pleno, equilibrado e tendencialmente feliz desenvolvimento das capacidades (e talentos) naturais da CC, com vista a uma sua harmoniosa, útil e, novamente, tendencialmente feliz integração social no presente (ou mais exactamente, nos primeiros anos da sua vida) e sócio-profissional no futuro”.

O mesmo se diga quanto à guarda e residência. O acórdão recorrido, depois de ter considerado o regime estabelecido quando este pedido de alteração foi apresentado, observou o seguinte: “E porque assim é, o que pode ser considerado assente é que tem havido um efectivo aumento do tempo durante o qual a filha e o pai estão juntos mas que tal tem ocorrido e bem, de forma gradual, lenta e com sucessivos pequenos acréscimos a cada mudança. E é esse caminho gradual e sem cortes radicais (como a guarda conjunta constituiria) que deve ser prosseguido porque é aquele que tem mostrado ser favorável ao desenvolvimento/crescimento equilibrado da CC”.

Estas (pequenas) transcrições do acórdão revelam, sem qualquer dúvida, que se trata de decisões insusceptíveis de controlo pelo Supremo Tribunal de Justiça.

Note-se, ainda, que esta opção do tribunal se encontra expressamente prevista nos nº 1 (decisão sobre o colégio) e 6 (guarda e residência) do artigo 1906º do Código Civil, aplicável por via do artigo 1911º, nº2, do mesmo Código.

Quanto aos alimentos a prestar pelo recorrente, nenhuma censura se poderá fazer ao acórdão recorrido, que observa que “como nenhum elemento fáctico relevante foi carreado para o processo a propósito dos valores a praticar, por razões de prudência, cuidado e segurança, mantém-se o que nessa matéria estava acordado antes da propositura desta acção.”

A terminar, recorda-se o recente acórdão deste Supremo Tribunal e desta mesma secção, proferido no processo nº 1729/15.4T8BRR.L1.S1 em 17 de Maio de 2018, com sumário disponível em www.stj.pt, no qual também se deliberou não conhecer da revista quanto ao montante dos alimentos e ao regime de residência alternada da menor então em causa, justificando tratar-se de decisões tomadas segundo critérios de conveniência e oportunidade o interesse da menor."
[MTS]