Direito de remição;
exercício*
1. O sumário de RE 11/3/2021 (2895/18.2T8LLE-C.E1) é o seguinte:
I. A lei não prevê que os titulares do direito de remição sejam notificados da prática dos actos atinentes à venda executiva, antes presumindo que o executado, seu familiar directo, lhe vai dando conhecimento da tramitação processual, de modo a assegurar que aqueles possam exercer o seu direito.
II. Notificada a executada da decisão do Sr. AE de aceitação da proposta mais elevada, encontrava-se esta familiar, desde então, em condições de informar o recorrente, seu filho, das condições de exercício do direito a remir, direito que podia exercer até à emissão do título que documenta a venda (cfr. artigo 853.º, n.º 1, alínea a)).
III. Este termo final não se altera ainda quando, como é o caso, o titular de direito legal de preferência se apresenta a exercê-lo na sequência da interpelação a que se refere o artigo 823.º do CPC.
IV. Atento o que dispõe o artigo 827.º do CPC, em venda mediante leilão electrónico, pago o preço pelo preferente e verificado o cumprimento das obrigações fiscais, podia/devia o Sr. AE emitir o título de transmissão, nada impondo que aguardasse o prazo de 10 dias após a notificação às partes do requerimento apresentado pelo preferente, acompanhado de comprovativo de ter procedido ao pagamento do preço, não havendo lugar à anulação do acto da venda por preterição de formalidade essencial.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
Estando em causa a venda em leilão electrónico – modalidade de venda preferencial, conforme expressa o n.º 1 do artigo 837.º – é aplicável o disposto nos artigos 827.º, n.º 2, 828.º e ainda, no que respeita ao exercício de eventual direito de preferência, o regime consagrado nos artigos 819.º e 823.º, ex vi do n.º 2 do artigo 811.º, pertencendo todos os preceitos ao CPC [...].
No caso vertente, e conforme resulta dos factos relatados em I), encerrado o leilão electrónico, foi pelo Sr. AE aceite a proposta de maior valor dentre as apresentadas, decisão que notificou às partes no processo, incluindo, portanto, a executada. Em estrito cumprimento do disposto no artigo 823.º, procedeu depois o Sr. AE à interpelação da arrendatária nos termos e para os efeitos aqui previstos e, finalmente, tendo-se esta apresentado a exercer o direito de preferência que a lei lhe confere, tendo junto comprovativo do pagamento do preço, foram as partes novamente notificadas por carta enviada no dia 1 de Julho, vindo aquele a emitir título de transmissão no dia 5 imediato, verificado que foi o cumprimento pela preferente das obrigações fiscais.
À luz do que dispõe o artigo 839.º, n.º 1, alínea c), a venda executiva fica sem efeito se for anulado o acto da venda nos termos do artigo 195.º, n.º 1, ou seja, no caso de ter sido praticado acto que a lei não admita ou omitido acto que a lei prescreva, mas apenas se a irregularidade cometida tiver tido influência no exame e decisão da causa. Nos termos do n.º 2 deste último preceito, quando um acto tenha de ser anulado, anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam. O prazo de arguição das nulidades é o previsto no artigo 149.º.
Preliminarmente, importa esclarecer que, em nosso entender, a lei não prevê que os titulares do direito de remição sejam notificados da prática dos actos atinentes à venda executiva. A este propósito, afirmou com clareza o STJ em acórdão de 13 de Setembro de 2012 (processo 4595/10.2TBBRG.G1.S1, em www.dgsi.pt), que “Do estatuto processual do interessado na remição, como terceiro relativamente à execução, decorre que não tem o mesmo de ser pessoalmente notificado dos actos e diligências que vão ocorrendo na tramitação da causa, presumindo a lei que o executado – ele sim notificado nos termos gerais – lhe dará conhecimento atempado das vicissitudes relevantes para o eventual exercício do seu direito”. E acrescentou: “Sendo o interesse tutelado com o instituto da remição o interesse do círculo familiar do executado, por ele encabeçado – e não propriamente qualquer interesse endógeno e típico da acção executiva – considerou o legislador dispensar a normal tramitação da execução da averiguação da possível existência de familiares próximos do executado, bem como de diligências tendentes à sua localização e notificação pessoal para efeitos de exercício de tal direito” (cfr., neste mesmo sentido, acórdãos do STA de 5/2/2015, processo 0748/14; do TRC de 22 de Maio de 2015, processo 386/12.4TBSRE-B.C1; do TRL de 19/2/2019, processo 104/09.4 TCSNT-C.L1-7; e deste mesmo TRE de 18/10/2018, processo 263/09.6TBCUB.E1, todos acessíveis em www.dgsi.pt).
Não vindo questionado no recurso o entendimento que se deixou expresso, notificada a executada da decisão do Sr. AE de aceitação da proposta mais elevada, encontrava-se esta familiar, desde então, em condições de informar o ora recorrente das condições de exercício do direito a remir, direito que podia exercer até à emissão do título que documenta a venda (cfr. artigo 853.º, n.º 1, alínea a)). Este termo final não se altera quando, como é o caso, o titular de direito legal de preferência se apresenta a exercê-lo na sequência da interpelação a que se refere o artigo 823.º, sendo certo ainda que nada na lei obriga a aguardar pelo prazo de 10 dias que as partes deduzam eventual oposição ao seu exercício antes da passagem do título, dispondo o artigo 827.º, a este respeito, muito simplesmente, que “Mostrando-se integralmente pago o preço e satisfeitas as obrigações fiscais inerentes à transmissão, os bens são adjudicados e entregues ao proponente ou preferente, emitindo o agente de execução o título de transmissão a seu favor (…)” vide n.º 1.
Conforme alerta o Prof. Lebre de Freitas [A acção executiva à luz do Código de Processo Civil de 2013”, 7.ª edição, página 492] “(…) circunscrito ao processo executivo, o exercício do direito de remição só pode ter lugar num prazo apertado, que varia consoante a modalidade de venda e a formalização (ou não) desta por escrito: até à emissão do título de transmissão ou ao termo do prazo para a preferência, no caso do artigo 825.º-3, quando a venda se faz por propostas em carta fechada (artigo 843.º-1-a); até à assinatura do título de venda, se o houver (…) nas outras modalidades de venda (artigo 843.º-1-b)”.
Ora, na medida em que a lei não impõe ao AE, como se deixou já referido, que dê conhecimento aos titulares do direito de remição da prática dos actos relativos à concretização da venda, designadamente da iminente emissão do título de transmissão, verificado que o preço se encontrava totalmente pago e a preferente tinha satisfeito as obrigações fiscais, nada obstava à respectiva emissão, ainda que as partes se presumam notificadas do requerimento por esta apresentada apenas no dia anterior. Note-se que há muito eram conhecidas as condições do exercício do direito de remição, cabendo, “(…) deste modo, ao executado e respectivos familiares um ónus de acompanhamento atento e diligente da execução que afecte o património familiar, com vista a exercerem tempestivamente o direito de remição, sem, com isso, porem em causa a legítima confiança que o adquirente dos bens em processo executivo depositou na estabilidade da aquisição patrimonial que realizou.” (citado acórdão do STJ 4595/10.2).
Acresce que, tendo as partes sido notificadas de que a arrendatária se apresentara a exercer o seu direito de preferência, o prazo de 10 dias para deduzir qualquer eventual oposição terminou a 15 de Julho, pelo que eventual irregularidade, ainda a admitir a sua existência, estaria sanada.
Em suma, não tendo sido preterida qualquer formalidade imposta por lei, inexiste fundamento para anular o acto da venda e subsequentes.
Por outro lado, e concordando-se com o recorrente quando alerta ser a remição um “(…) mecanismo de protecção do património do executado, na medida em que permite que o mesmo se conserve na esfera jurídica dos seus familiares diretos em caso de adjudicação ou venda, sem prejudicar a satisfação do crédito exequendo, nem as legítimas expetativas dos credores (…), «benefício de caráter familiar (…) funcionando como um direito de preferência a favor da família no confronto com estranhos»” [Marco Gonçalves Carvalho, “Lições de Processo Executivo”, 3.ª edição, pág. 503 e em citação o Ac. STJ de 13/9/2012, processo n.º 4595/10.2TBBRG.G1.S1], daqui não decorre que possa ser exercido a todo o tempo, antes fixando a lei um termo final que no caso vertente não foi observado.
Acrescenta-se, por último que, tal como invocado no despacho recorrido, o remidor e ora recorrente não fez acompanhar a sua declaração de comprovativo do depósito do preço, que é condição de eficácia da mesma declaração (cfr., em sentido idêntico, o Ac. do TRG de 4/10/2018, processo 458/04.9TBVLN.G1, em www.dgsi.pt), pelo que, também com este fundamento, não poderia a pretensão do recorrente ser atendida."
*3. [Comentário] A RE -- num acórdão conciso e claro -- decidiu bem.
MTS