"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



05/10/2021

Lei 55/2021, de 13/8: o que pode vir a acontecer?


1. A L 55/2021, de 13/8, que institui um novo regime sobre a distribuição, contém as seguintes regras:

-- Segundo o estabelecido no art. 4.º L 55/2021, a entrada em vigor da Lei ocorre 60 dias após a data da sua publicação;

-- Segundo o disposto no art. 3.º L 55/2021, o Governo deve proceder à regulamentação da Lei no prazo de 30 dias a contar da data da sua publicação, devendo aquela regulamentação entrar em vigor ao mesmo tempo que esta Lei.

Disto decorre uma conclusão linear: a aplicação da L 55/2021 depende da publicação da sua regulamentação. A circunstância de a L 55/2021 exigir a sua regulamentação e a de impor o início de vigência desta regulamentação em simultâneo com a entrada em vigor da Lei mostram que a L 55/2021 não é auto-aplicável. A aplicação da L 55/2021 depende sempre da aplicação conjunta da sua respectiva regulamentação (o que, aliás, se compreende, porque, além do muito mais, há aspectos informáticos que não podem deixar de ser regulamentados).

2. Dado que, até ao presente, não foi publicada nenhuma regulamentação da L 55/2021, o que acontece se, até à data da entrada em vigor desta Lei, não for publicada a referida regulamentação?

Recorde-se que a aplicação da L 55/2021 depende de duas condições:

-- A entrada em vigor da L 55/2021;
 
-- A publicação (e entrada em vigor) da sua regulamentação.

Pode assim concluir-se que, se, até ao momento da entrada em vigor da L 55/2021, não for publicada a sua regulamentação, a L 55/2021 está em vigor, mas não é aplicável. O disposto no art. 4.º L 55/2021 justifica o início de vigência e o estabelecido no art. 3.º L 55/2021 a não aplicabilidade da L 55/2021.

3. Em post anterior houve a oportunidade de referir que, por uma deficiente produção legislativa, a entrada em vigor (e a aplicação) da L 55/2021 determina a revogação tácita do estabelecido nos art.  216.º, n.º 2, e 652.º, n.º 2, CPC e no art. 56.º, n.º 2, LOSJ.

Pode agora acrescentar-se que também não se vislumbra como é que o novo regime que consta dos art. 204.º, n.º 4, al. a), e 213.º, n.º 3 pr. na redacção da L 55/2021 é compatível com o estabelecido, em matéria de impedimentos dos adjuntos, nos art. 116.º, n.º 4, e 661.º, n.º 2, CPC. Sendo assim, também estes artigos ficam sujeitos à (péssima) solução da revogação tácita por incompatibilidade com o novo regime instituído pela L 55/2021 (art. 7.º, n.º 2, CC).

A não aplicabilidade da L 55/2021 após a sua entrada em vigor justifica que estes preceitos que se encontram tacitamente revogados continuem, ainda assim, a ser aplicáveis até à entrada em vigor da regulamentação dessa Lei.

4. Note-se ainda que, após a entrada em vigor da L 55/2021, o disposto no art. 217.º, n.º 1, CPC contém a verdade, mas não toda a verdade. Efectivamente, não é só quando o relator fique impedido que se realiza a segunda distribuição; os novos art. 204.º, n.º 4, al. a), e 213.º, n.º 3 pr. CPC também impõem a segunda distribuição quando o impedimento afecte um dos adjuntos.

Cabe ainda referir que o juiz substituto a que se refere o art. 116.º, n.º 3, CPC é necessariamente determinado por distribuição, sempre que o tribunal tenha mais de dois juízes.
 
5. Soa tudo muito estranho? Sim, é verdade. Mas é o custo a pagar por uma deficiente produção legislativa, a que se soma a falta da indispensável regulamentação antes do início de vigência da L 55/2021 (quem sabe se também motivada pelas perplexidades criadas ao legislador regulamentar pela muito imperfeita L 55/2021).

MTS