"[...] o inóspito, árido e descurado processo encontra-se estreitamente relacionado com as correntes espirituais dos povos e [...] as suas diversas concretizações devem ser incluídas entre os mais importantes testemunhos da cultura" (F. Klein (1902))



21/10/2021

Jurisprudência 2021 (60)


Citação; 
falta


1. O sumário de RL 23/3/2021 (284/16.6T8SNT.B. L1-7é o seguinte:

1.Sugerindo o quadro fáctico que o executado tenha mantido duas moradas voluntárias por tempo não apurado, a margem de dúvida deverá superar-se pela prevalência do juízo, de que a sua efectiva residência corresponde à que consta dos registos da Autoridade Tributária, Automóvel, Segurança Social e Serviços de Identificação Civil.

2. Questionando-se a regularidade de acto de importância capital na tutela do direito de defesa, do qual a citação é pressuposto necessário, em ordem a evitar a restrição ou supressão do seu efectivo exercício, justifica-se a aplicação preponderante do regime legal da nulidade principal por falta de citação, estabelecido no artigo 188º, do Código de Processo Civil.

3. Sobre a questão do acesso efectivo ao processo e a tramitação Electrónica dos Processos Judiciais, regulada pela Portaria nº 280/2013, de 26/08, deverá entender-se, à luz da interpretação actualista das normas, que qualquer ocorrência estranha à vontade das partes na delonga do acesso, não poderá prejudicar o interessado, maxime no tocante ao prazo de arguição da falta de citação.

4. Mostra-se incompreensível sob as regras da experiência, que entrando o executado em contacto com o banco, através de atendimento ao balcão ou por outro meio, a fim de oferecer pagamentos parciais da dívida em atraso( ou negociar eventual acordo), não tenha sido informado da instauração da execução; sabendo-se que o acesso informático aos elementos do crédito mutuado em situação de incumprimento, permitiria a qualquer funcionário do banco exequente, no interesse de ambas as partes, dar conta ao executado da pendência da execução e os termos do respectivo desenvolvimento.

5. Esta conduta de inércia, a par dos demais elementos factuais provados e evidenciados, deverá compreender-se como intervenção eficaz para os efeitos da cessação da revelia do executado, conforme o estatuído no artigo 189º, do Código de Processo Civil, sendo, por conseguinte demonstrativa de que, tendo conhecimento da pendência do processo instaurado pelo banco exequente, optou por não arguir a falta de citação, dela não pretendendo prevalecer-se, implicando a sanação da nulidade.


II. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:

"De relevante na casuística, está provado que:

- A execução teve início em 2016 e, em 24.05.2016 foi concretizada a penhora das fracções nomeadas, entre as quais, o 2º Dto do prédio, da Avenida do Atlântico, …, Colares e, a qual constitui residência do executado e família.

- Por requerimento de 10.11.2016, veio o exequente dar notícia aos autos de que o executado havia procedido ao pagamento de valores em incumprimento, requerendo a suspensão da instância por 90 dias;

- Em 20.04.2017, o exequente dirigiu novo requerimento ao processo, através do qual deu conta de que o executado havia voltado a incumprir as obrigações emergentes dos contratos dados à execução, pedindo o prosseguimento da execução.

- Em 14.06.2018 o exequente de novo informa nos autos que o executado lhe havia entregue a quantia de €1.800,00 “para amortização da mora”.

- Posteriormente, a execução prosseguiu para venda das frações autónomas penhoradas e adjudicadas ao exequente, sendo a execução extinta por acto do agente de execução em 22.11.2019, cuja notificação ao executado seguiu para o endereço de “Mem Martins”.

Apreciando.

Face aos pagamentos parciais do executado ao exequente, sustenta o apelante que, o executado tinha conhecimento efectivo da pendência do processo, pelo menos coincidente com a penhora dos imóveis e, portanto, em tempo distante da arguição da nulidade da citação.

Na decisão recorrida sobre este ponto da matéria de facto, discorreu - se - «É verdade que o exequente veio, em 10.11.2016, informar que o executado havia procedido ao pagamento dos valores em incumprimento, requerendo a suspensão da execução, e que, em 14.06.2018, informou que o executado lhe havia entregue a quantia de €1.800,00 “para amortização da mora”. Porém, nenhum desses requerimentos se mostra assinado pelo executado, não sendo por isso lícito presumir que o mesmo pagou em virtude de ter tomado conhecimento da existência dos presentes autos.»

Resguardado o devido respeito, não acompanhamos a conclusão do Senhor Juiz a quo.

Vejamos.

A quantia reclamada pelo exequente nos autos reporta-se ao incumprimento de contrato de mútuo celebrado com o executado, cuja quantia destinou à compra das duas fracções, oneradas com a garantia de hipoteca a favor do exequente.

Os requerimentos do exequente, dando notícia dos pagamentos parciais pelo devedor quanto ao crédito reclamado na execução, constituindo declaração favorável ao executado e desfavorável ao declarante, fazem prova, em princípio, da factualidade relatada, em aplicação do disposto no artigo 376º, nº2, do Código Civil.

E, observe-se que neste particular o executado ao arguir a nulidade da sua citação, não faz qualquer referência expressa que contrarie tal factualidade.

De resto, no artigo 14º do seu requerimento alega o seguinte: “ Ao relatar ao Executado, este confirmou que nada, absolutamente nada, sabia acerca da situação da casa não lhes pertencer, tanto mais que todos os meses deposita a mensalidade destinada ao pagamento da prestação e o banco nada lhe comunicou, bem como o Tribunal, referindo que teria de ser sempre avisado pelo banco e pelo tribunal caso ocorresse alguma situação judicial.”[...]

Mas, perguntamos, em que período temporal /datas deposita ou depositou as prestações devidas, em que montante? Não se verificava afinal incumprimento do contrato de mútuo?!

Mostra-se também incompreensível, sob as regras da experiência, que entrando o executado em contacto com o banco, seja através de atendimento ao balcão ou outro meio, em ordem a apresentar pagamentos parciais da dívida( ou negociar eventual acordo), não tenha desde logo sido informado da pendência da execução e respectivo desenvolvimento; sabendo-se que o acesso informático à situação do crédito, permitiria a qualquer funcionário do exequente, no interesse de ambas as partes, informar o executado da pendência e da situação da execução.

De igual modo significativo para inferir do conhecimento do executado da pendência da execução em data muito anterior à arguição da nulidade da citação, patenteiam-se os termos das notificações que lhe foram enviadas por carta registada com aviso de recepção, relativas ao apenso de reclamação da créditos (A), expedidas pela secretaria para a morada indicada - Avenida do Atlântico, em Colares, respectivamente em 5.09.2017, 21.11.2017, ambas devolvidas com indicação de “não atendeu, deixou aviso”.[...] Ou seja, mesmo quando notificado na morada indicada, o executado escolheu a inércia.

Por outro lado, neste contexto fáctico, cremos de todo inverosímil admitir que, ao longo de quatro anos de pendência da execução, na qual, note-se foi penhorada a fracção, que para todos os efeitos corresponde à sua residência, o executado não tenha conhecimento da execução, teve necessariamente esse conhecimento!

Supomos que, a sua atitude foi a de procurar atalhar o prosseguimento da execução, pagando ao exequente alguns valores, na estratégia legítima de manter os imóveis na sua propriedade.

Porém, não se dirigiu ao processo ao longo desse período e arguir a falta da sua citação e a oportunidade para, querendo, deduzir oposição.

Ora, esta conduta, a par dos demais elementos factuais provados e que se evidenciaram, deve compreender-se como intervenção eficaz para os efeitos da cessação da revelia do executado, conforme o estatuído no artigo 189º, do Código de Processo Civil , i.e, “ Se o réu ou o Ministério Público intervier no processo sem arguir logo a falta da sua citação, considera-se sanada a nulidade” , sendo, por conseguinte, demonstrativa de que, tendo conhecimento da pendência do processo instaurado pela exequente, optou por não arguir a falta da sua citação, demonstrativo de não ter interesse em dela prevalecer-se.

Em síntese, o comportamento identificado é idóneo para preencher o conceito de intervenção processual do executado, traduzindo sanação da nulidade de falta de citação, e por consequência, são válidos os actos praticados nos autos após a ocorrida citação em morada distinta.

Por último, e salvo o devido respeito, nas circunstâncias concretas apuradas, sem embargo da desconformidade da citação do executado levada a cabo pelo agente de execução, sempre indesejável, assentando na exclusiva informação fornecida pela plataforma oficial de execuções, entendemos que o procedimento não assume a natureza grave e culposa que motive a comunicação à Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução que foi ordenada na decisão recorrida."

[MTS]