Reg. 1393/2007;
citação no estrangeiro; nulidade
1. O sumário de RG 4/3/2021 (14492/19.0YIPRT) é o seguinte:
I - Os termos em que o réu deve arguir a nulidade da citação são os seguintes: se lhe foi assinalado prazo para contestar, dispõe desse prazo para suscitar a nulidade; não lhe tendo sido indicado qualquer prazo ou tratando-se de citação edital, o réu pode arguir a nulidade no momento em que intervier pela primeira vez no processo.
II - Considera-se que o réu intervém no processo quando se apresenta efetivamente no mesmo a praticar um qualquer ato judicial, não bastando que o mesmo tenha conhecimento de algum ato ou atos nele praticados.
III - A simples consulta do processo por parte de advogado, mais tarde constituído mandatário do réu, não configura um ato processual relevante, por dele não se poder concluir que o réu tomou conhecimento do seu processado por forma a ficar em condições de assegurar o seu efetivo direito de defesa.
IV - Com o Regulamento nº 1393/2007, o objetivo prosseguido pelo legislador comunitário não foi o de enfraquecer as garantias de defesa dos citandos no espaço intracomunitário, mas adotar medidas no domínio da cooperação judiciária em matéria civil, necessárias ao bom funcionamento do mercado interno, impondo as condições mínimas em que essas citações e notificações se processariam diretamente entre os Estados-Membros.
2. Na fundamentação do acórdão escreveu-se o seguinte:
"Se o réu residir num país membro da EU, há que aplicar o Regulamento nº 1393/2007, de 13.11.2007, relativo à citação e à notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados-Membros. De acordo com os artigos 5º e 8º, do Regulamento, é essencial que o destinatário seja avisado de que pode recusar a receção do ato, se a citação não estiver redigida ou não for acompanhada de tradução numa língua que o destinatário compreenda ou numa língua oficial do local onde deva ser efetuada a citação.
"Se o réu residir num país membro da EU, há que aplicar o Regulamento nº 1393/2007, de 13.11.2007, relativo à citação e à notificação dos atos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados-Membros. De acordo com os artigos 5º e 8º, do Regulamento, é essencial que o destinatário seja avisado de que pode recusar a receção do ato, se a citação não estiver redigida ou não for acompanhada de tradução numa língua que o destinatário compreenda ou numa língua oficial do local onde deva ser efetuada a citação.
Se o citando recusar a citação devido a inadequação linguística, deverá proceder-se à tradução da documentação expedida, repetindo-se a citação (Neste sentido, A. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol I, anotação ao artigo 239º, pags 291 e 292).
A propósito dispõe o artigo 8º do Regulamento nº 1393/2007:
1. A entidade requerida avisa o destinatário, mediante o formulário constante do anexo II, de que pode recusar a recepção do acto quer no momento da citação ou notificação, quer devolvendo o acto à entidade requerida no prazo de uma semana, se este não estiver redigido ou não for acompanhado de uma tradução numa das seguintes línguas: a) Uma língua que o destinatário compreenda; ou b) A língua oficial do Estado-Membro requerido ou, existindo várias línguas oficiais nesse Estado-Membro, a língua oficial ou uma das línguas oficiais do local onde deva ser efectuada a citação ou notificação.
2. Se a entidade requerida for informada de que o destinatário recusa a recepção do acto ao abrigo do disposto no n.º1, deve comunicar imediatamente o facto à entidade de origem, utilizando para o efeito a certidão a que se refere o artigo 10.º , e devolver-lhe o pedido e os documentos cuja tradução é solicitada.
3. Se o destinatário tiver recusado a recepção do acto ao abrigo do disposto no n.º 1, a situação pode ser corrigida mediante citação ou notificação ao destinatário, nos termos do presente regulamento, do acto acompanhado de uma tradução numa das línguas referidas no n.º 1. Nesse caso, a data de citação ou notificação do acto é a data em que o acto acompanhado da tradução foi citado ou notificado de acordo com a lei do Estado-Membro requerido. Todavia, caso, de acordo com a lei de um Estado-Membro, um acto tenha de ser citado ou notificado dentro de um prazo determinado, a data a tomar em consideração relativamente ao requerente é a data da citação ou notificação do acto inicial, determinada nos termos do n.º 2 do artigo 9.
Quanto ao prazo para arguição da nulidade, estabelece o artigo 191º, nº2, que é o que tiver sido indicado para a contestação; sendo, porém, a citação edital, ou não tendo sido indicado prazo para a defesa, a nulidade pode ser arguida quando da primeira intervenção do citado no processo.
Os termos em que o réu deve arguir a nulidade da citação são os seguintes: se lhe foi assinalado prazo para contestar, dispõe desse prazo para suscitar a nulidade; não lhe tendo sido indicado qualquer prazo ou tratando-se de citação edital, o réu pode arguir a nulidade no momento em que intervier pela primeira vez no processo.
Se o réu intervier no processo sem arguir logo a falta, considera-se sanada a nulidade (artigo 189º). Note-se que, para este efeito, considera-se que o réu intervém no processo quando se apresenta efetivamente no mesmo a praticar um qualquer ato judicial, não bastando que o mesmo tenha conhecimento de algum ato ou atos nele praticados. Na verdade, embora a lei não o diga expressamente, dada a gravidade da cominação imposta no normativo, ter-se-á de pressupor uma atuação ativa no processo do réu, através da prática ou intervenção em ato judicial, que lhe permita tomar pleno conhecimento de todo o processado ou, pelo menos, que façam presumir esse efetivo conhecimento (Nesse sentido o Ac. da Relação de Coimbra, de 24/04/2018, disponível em www.dgsi.pt e Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1º, pág. 369).
Revertendo ao caso dos autos.
A Ré tem sede em França sendo, por isso, aplicável o Regulamento nº 1393/2007 de 13.11.2007.
Tendo a Ré antes recusado a receção do ato, foi determinada (e bem) a sua citação ao abrigo do artigo 8º, nº3, do citado Regulamento, isto é, a citação ao destinatário do ato acompanhado de tradução.
Sucede que, a citação foi realizada apenas com a entrega de cópia traduzida da petição inicial, sem a entrega à Ré da nota de citação com a indicação do prazo para contestar, indicação das consequências legais da falta de contestação e indicação da obrigatoriedade de constituição de advogado.
Resulta claro que a citação foi efetuada com preterição de formalidades essenciais, sendo uma delas a falta de indicação do prazo para contestar.
Evidencia-se, como se alcança dos considerandos n.ºs 1, 2, 6 e 7 do Regulamento nº 1393/2007, o objetivo prosseguido pelo legislador comunitário não foi o de enfraquecer as garantias de defesa dos citandos no espaço intracomunitário, mas apenas adotar medidas no domínio da cooperação judiciária em matéria civil, necessárias ao bom funcionamento do mercado interno, impondo as condições mínimas em que essas citações e notificações se processariam diretamente entre os Estados-Membros. Citações e notificações que em tudo que não é contrariado pelas disposições do Regulamento, têm de ser efetuadas de acordo com as leis processuais dos Estados-Membros que as efetuam (A propósito pode ver-se o acórdão desta Relação de Guimarães de 17/12/2018, disponível em www.dgsi.pt).
Não tendo sido indicado prazo para a defesa, a nulidade pode ser arguida quando da primeira intervenção do citado no processo.
A primeira intervenção do citado ocorreu a 7.1.2020, precisamente com a apresentação do requerimento a arguir a nulidade da citação por falta de indicação do meio de defesa e do prazo de defesa.
A simples consulta do processo por parte de advogado, mais tarde constituído mandatário do réu, não configura um ato processual relevante (sendo, ademais, discutível na jurisprudência que a simples junção de instrumento de mandato forense implique direta e necessariamente a preclusão de possibilidade de invocação da nulidade por falta de citação). Com efeito, este ato de consulta não configura intervenção processual da parte no processo, e nem dele se pode extrair a conclusão de que o réu tomou conhecimento do seu processado por forma a ficar em condições de assegurar o seu efetivo direito de defesa.
Em conclusão, a arguição da nulidade de citação é tempestiva.
Procede, nesta parte, a apelação."
[MTS]