a) Quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa;b) Quando o réu se propõe tornar efetivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida;c) Quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor;d) Quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter.
Uma vez que, no caso em apreço, apenas poderão estar em causa os factores de conexão previstos nas al. a) e d) vamos apenas abordar estes seguindo de perto os ensinamentos dos autores supra referidos na obra citada.
A situação prevista na primeira parte da alínea a) ocorre quando o pedido reconvencional se funda na mesma causa de pedir (entendida nos termos da teoria da substanciação – 581º nº 4) ou em parte da mesma causa de pedir do pedido do autor.
Verifica-se a situação prevista na segunda parte da mesma alínea quando o pedido reconvencional se funda nos mesmos factos ou parcialmente nos mesmos factos em que o próprio réu funda uma exceção peremptória ou com os quais indirectamente impugna os alegados na petição inicial. A este propósito tem-se entendido que o facto invocado, a verificar-se, deve produzir o chamado “efeito defensivo útil”, i.e., deve ter a virtualidade de reduzir, modificar ou extinguir o pedido do autor (Jacinto Rodrigues Basto, Notas ao Código de Processual Civil, Vol. II, Almedina, p. 77). Neste sentido vide, entre outros, Ac. desta Relação de 10/07/2018 (Maria João Matos) e Ac. da R.C. de 17/03/2020 (Jorge Arcanjo):
No que concerne a alínea d) a reconvenção alicerça-se na identidade, total ou parcial, do efeito jurídico pretendido pelo autor. Por exemplo, autor e réu pretendem o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o mesmo bem ou sobre uma parte do bem reivindicado.
Os pressupostos processuais decorrem dos art. 93º, 266º, nº 3, 4 e 5.
Revertendo ao caso em apreço nenhuma censura há a assacar à decisão recorrida.
Antes de mais, importa distinguir a acção de reivindicação da acção de demarcação. A primeira é uma acção condenatória, tem uma causa de pedir que compreende tanto o acto ou facto jurídico de que deriva o direito de propriedade de que o autor se arroga titular, como a ofensa desse direito através ocupação abusiva pelo réu, e tem como pedidos, por um lado o reconhecimento do direito de propriedade do reivindicante sobre a coisa e, por outro a restituição desta. A segunda tem como causa de pedir a existência de prédios confinantes, pertencentes a proprietários distintos e cujas estremas sejam ou se tenham tornado duvidosas, e como pedido a fixação da linha divisória entre tais prédios confiantes pertencentes a proprietários distintos.
Ora, o pedido reconvencional de reconhecimento da propriedade sobre os prédios inscritos na matriz sob os art. ..., …, ..., ..., ..., ... e antigo art. … tem um objecto distinto do pedido dos autores de reconhecimento da propriedade (sobre os prédios inscritos nos art. … e art. ...) pelo que não existe correspondência de efeito jurídico pretendido. Também não emerge do facto jurídico que serve de fundamento à defesa na medida em que, ainda que se provem tais direitos de propriedade, os mesmos não têm a virtualidade de reduzir, modificar ou extinguir o pedido dos autores. A alegação que os pedidos reconvencionais advêm das incongruências da causa de pedir (incerteza e imprecisão quanto à existência, localização, áreas e estremas) e que, com os mesmos, pretenderam os réus evitar que os autores se apropriassem de uma parcela de 6000 m2 sua propriedade, não só não é exacta, como vimos supra, como não tem a virtualidade de impedir que possa vir a ser reconhecido aos autores os direitos de propriedade sobre os art. 512º e .... Assim sendo, a reconvenção não é admissível nesta parte.
Em contrapartida verifica-se identidade de efeito jurídico no que concerne ao pedido de reconhecimento da propriedade sobre o prédio inscrito sob o art. ... pelo que este pedido reconvencional é admissível. Ambas as partes têm o ónus da prova de demonstrar alegados actos possessórios sobre todo ou parte deste prédio que conduzam à sua aquisição originária por usucapião.
Acresce, como bem assinala a decisão recorrida, estes pedidos reconvencionais são substancialmente incompatíveis com o pedido reconvencional de fixação da linha divisória entre os prédios reivindicados pelos autores e os prédios dos réus (555º). Com efeito, na presente acção de reivindicação está em causa um conflito de títulos de aquisição de, pelo menos, um prédio e o pedido de demarcação refere-se a um conflito de prédios confinantes pertencentes a proprietários distintos, o que naturalmente pressupõe a inexistência daquele conflito na medida em que utilizam os títulos para se apurar onde começa um prédio e acaba outro. O direito real que aqui não está em causa funciona como condição de legitimidade activa (do autor) e passiva (do réu). E do mesmo modo o pedido reconvencional de demarcação é incompatível com o pedido de reivindicação dos autores.
Pelo exposto, improcede a apelação."
[e]m Reconvenção pedem:
- que seja judicialmente declarada a posse e propriedade dos réus/reconvintes sobre os prédios rústicos inscritos na matriz sob os actuais artigos …, …, …, antigo art. …, …, …, … e … da actual União de freguesias de .... e ...., os quais são todos confinantes entre si;
- que seja judicialmente declarado que o acervo dos referidos prédios ocupa uma área global actual de 19.715m2, como resulta da permuta e ulterior demarcação realizada pelas partes em 2003 e que se encontra expressa na planta topográfica junta como doc. nº 6, em razão do qual devem os autores/reconvindos ser condenados a concorrer para a demarcação judicial das estremas do seu prédio confinante com os prédios dos réus/reconvintes.
O penúltimo parágrafo do acórdão acima transcrito deixa a dúvida sobre se a RG entende que (i) o pedido de reivindicação formulado pelos réus é substancialmente incompatível com o pedido de demarcação que eles também formulam ou, afinal, que (ii) o pedido de demarcação dos réus é incompatível com o pedido de reivindicação dos autores.
O sumário (da responsabilidade da Relatora) e a referência ao art. 555.º CPC parecem indicar que se trata de uma incompatibilidade entre os pedidos formulados pelos réus, mas no referido parágrafo refere-se que o "pedido reconvencional de demarcação é incompatível com o pedido de reivindicação dos autores".
b) Perante isto, de duas uma:
No rigor dos princípios, não era isto que, nesta hipótese, deveria ter decidido. Se o pedido de demarcação é contraditório com o pedido de reivindicação também formulado pelos réus, então está preenchida a previsão da regra constante do art. 186.º, n.º 2, al. c), CPC, pelo que a parte da contestação na qual foi deduzida a reconvenção deveria ter sido considerada inepta.
Afinal, se os pedidos são contraditórios entre si, por que razão se escolhe um deles para ser apreciado no processo e se rejeita o outro? É precisamente a impossibilidade de escolha que determina a ineptidão estabelecida no art. 186.º, n.º 2, al. c), CPC.
-- Se há uma contradição entre o pedido reconvencional de demarcação formulado pelos réus e o pedido de reivindicação deduzido pelos autores, então não se percebe que obstáculo é que pode haver àquele pedido reconvencional.
É perfeitamente normal (embora não tenha de suceder sempre) que o pedido reconvencional seja contraditório com o pedido do autor. Esta contradição não pode constituir fundamento para a inadmissibilidade do pedido reconvencional.
c) Descontadas as (grandes) dificuldades de interpretação do acórdão, a interessante questão que ele suscita é a de saber se o pedido de reivindicação e o pedido de demarcação são substancialmente incompatíveis.