Revelia; decisão final;
notificação; nulidade processual*
I - Nos termos do artigo 249.º, nº 5 do CPCivil as decisões finais, sejam elas absolutórias ou condenatórias, são sempre notificadas, desde que a residência ou sede da parte seja conhecida no processo, ainda que ocorra uma situação de revelia absoluta.
II - A não notificação de decisão condenatória ao Réu em situação de revelia absoluta configura irregularidade que influi no exame e decisão da causa e que, por isso, produz nulidade (cfr. artigo 195.º, nº 1 do CPCivil) por constituir grave violação do direito de defesa, na vertente do direito ao recurso.
III - Já a não notificação de decisão absolutória ao mesmo Réu configura apenas mera irregularidade que não produz nulidade, já que o que se pretende proteger com a notificação da decisão final quando ela é condenatória é o direito ao recurso (por parte do Réu revel absoluto) e não o direito a contra-alegar quando ela é absolutória, pois que, para esse efeito, não tem que ser notificado.
2. Na fundamentação do acórdão afirma-se o seguinte:
Como supra se referiu é apenas uma a questão que importa apreciar e decidir:
a)- saber se ocorre a nulidade consubstanciado na circunstância de o Réu, ora recorrente, não ter sido notificado da sentença proferida nos autos, bem como do acórdão proferido pela Relação que sobre ela recaiu.
Como se extrai da decisão recorrida aí se propendeu para o entendimento de que ocorria a invocada nulidade por o Réu recorrente não ter sido notificado da decisão final.
Deste entendimento dissente a Autora.
Quid iuris?
Dúvidas não existem de que o Réu D… se encontrava em situação de revelia absoluta, nos termos do preceituado no artigo 566.º do CPCivil, não tendo decorrido o efeito previsto no artigo 567.º do mesmo diploma, por os demais co-reús terem apresentado oportunamente as suas contestações [cfr. artigo 568.º alínea a) do CPCivil].
Ora, estatui o artigo 249.º do CPCivil sob a epígrafe “Notificações às partes que não constituam mandatário” que:
1 - Se a parte não tiver constituído mandatário, as notificações são efectuadas nos termos previstos no n.º 5 do artigo 219.º, quando aplicável, ou por carta registada, dirigida para a sua residência ou sede ou para o domicílio escolhido para o efeito de as receber, presumindo-se, nestes casos, feita no terceiro dia posterior ao do registo da carta ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja.2 - A notificação efectuada por carta registada não deixa de produzir efeito pelo facto de o expediente ser devolvido, desde que a remessa tenha sido feita para a residência ou a sede da parte ou para o domicílio escolhido para o efeito de a receber; nesse caso, ou no de a carta não ter sido entregue por ausência do destinatário, juntar-se-á ao processo o sobrescrito, presumindo-se a notificação feita no dia a que se refere a parte final do número anterior.3 - Exceptua-se o réu que se haja constituído em situação de revelia absoluta, que apenas passa a ser notificado após ter praticado qualquer ato de intervenção no processo, sem prejuízo do disposto no n.º 5.4 - Na hipótese prevista na primeira parte do número anterior, as decisões têm-se por notificadas no dia seguinte àquele em que os autos tiverem dado entrada na secretaria ou em que ocorrer o facto determinante da notificação oficiosa.5 - As decisões finais são sempre notificadas desde que a residência ou sede da parte seja conhecida no processo.6- Sem prejuízo do disposto nos nºs 3 e 4, a notificação considera-se ainda efectuada, em qualquer circunstância, quando o notificando proceda à consulta electrónica do processo, nos termos previstos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º.
O nº 3 do citado preceito sanciona, digamos assim, o desinteresse manifestado pela parte no acompanhamento do processo. [...]
Todavia, o referido nº 3 ressalva, dessa desnecessidade de notificação, as situações a que se refere o nº 5 do mesmo preceito, ou seja, desde que a residência ou sede da parte seja conhecida no processo, as decisões finais são sempre notificadas, não obstante se verificar uma situação de revelia absoluta.
Obtempera a este respeito a apelante que a decisão final só é notificada ao Réu revel se ela for condenatória.
Não se pode, salvo o devido respeito, sufragar este entendimento.
Efectivamente, a lei não faz qualquer distinção entre decisões finais absolutórias ou condenatórias, referindo-se tão simplesmente às decisões finais, sejam elas absolutórias ou condenatórias, portanto, “ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus”.
Aliás, não faria sentido que assim não fosse.
O que o legislador quis ao estatuir essa obrigação de notificação das decisões finais foi que as partes, mesmo o Réu em situação de revelia absoluta, tivessem conhecimento da decisão final proferida no processo independentemente do seu resultado.
Daqui decorre que não tendo o Réu recorrente sido notificado da sentença final, sendo como o era conhecida a sua morada, foi cometida uma irregularidade.
A questão que agora se coloca é se tal irregularidade influi no exame e decisão da causa.
Analisando.
Preceitua a este respeito o artigo 195.º, nº 1 do CPCivil sob a epígrafe “Regras gerais sobre a nulidade dos actos” que:
1 - Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.(…).
A lei não fornece uma definição do que se deve entender por “irregularidade que possa influir no exame e decisão da causa”.
No sentido de interpretar o conceito o Professor Alberto dos Reis [In Comentário ao Código de Processo Civil, vol. II, pag. 486] tecia as seguintes considerações: “Os actos de processo têm uma finalidade inegável: assegurar a justa decisão da causa; e como a decisão não pode ser conscienciosa e justa se a causa não estiver convenientemente instruída e discutida, segue-se que o fim geral que se tem em vista com a regulação e organização dos actos de processo está satisfeito se as diligências, actos e formalidades que se praticaram garantem a instrução, a discussão e o julgamento regular do pleito; pelo contrário, o referido fim mostrar-se-á prejudicado se se praticaram ou omitiram actos ou deixaram de observar-se formalidades que comprometem o conhecimento regular da causa e portanto a instrução, a discussão ou o julgamento dela.”
Daqui decorre que uma irregularidade pode influir no exame e decisão da causa, se comprometer o conhecimento da causa, a instrução, discussão e julgamento.
Dúvidas não existem de que se a decisão final tivesse sido desfavorável ao Réu recorrente, a omissão da sua notificação influía no exame e decisão da causa. [...]
Portanto, nestas situações estava em causa a violação do direito de defesa, na vertente do direito ao recurso.
Mas tendo sido a decisão final absolutória do Réu recorrente e dos restantes Réus, será que a sua não notificação influiu no exame e decisão da causa?
A resposta é, respeitando-se entendimento diferente, negativa.
Evidentemente que sendo a decisão absolutória está fora de dúvida de que o Réu revel dela não podia recorrer, já que lhe falecia legitimidade para o efeito (cfr. artigo 631.º, nº 1 do CPCivil), importando, sob este conspecto, referir, ao contrário do que refere a apelante, que o tribunal a quo não afirma no despacho recorrido que o Réu, revel absoluto, ficou impedido de recorrer da decisão final por dela não ter sido notificado. Na verdade, o que aí se refere é que, a falta de notificação da decisão final, não lhe permitiu o exercício de defesa, no âmbito de recurso, na sua vertente de resposta ao mesmo.
Por outro lado, como supra se referiu, nas situações de revelia absoluta a nossa lei adjectiva apenas impõe a notificação das decisões finais.
Daqui decorre, que nunca a interposição do recurso pela Autora com as respectivas alegações recursivas, seriam notificadas ao Réu recorrente, já que não existe o dever processual, quer por parte da recorrente quer por parte do tribunal, de notificar o Réu, revel absoluto, desse acto.
Portanto, mesmo que o Réu tivesse sido notificada a decisão final, daqui não se segue que, enquanto permanecesse na situação de revelia absoluta, estavam a ser omitidas formalidades que comprometiam o seu conhecimento regular e, por conseguinte, a instrução, a discussão e o julgamento dela, ou seja, ao contrário do que se refere na decisão recorrida, a não notificação da sentença final proferida nos autos, não prejudicou o Réu no exercício de defesa, no âmbito de recurso, na sua vertente de resposta ao mesmo.
É que o que se pretende proteger com a notificação da decisão final quando ela é condenatória é o direito ao recurso (por parte do Réu revel absoluto) e não o direito a contra- alegar quando ela é absolutória, já que, para esse efeito, não tem que ser notificado. [...]
Portanto, a eventual falta de notificação ao Réu revel da decisão de primeira instância não lhe causou qualquer entorse ao seu direito de defesa na vertente da resposta ao recurso e, como tal, não influiu na decisão proferida pelo Tribunal da Relação do Porto no recurso que da mesma foi interposto."
*3. [Comentário] a) Salvo o devido respeito, não se acompanha a orientação da RP.
Para além de tudo o mais, não parece ser compatível começar por afirmar que "a lei não faz qualquer distinção entre decisões finais absolutórias ou condenatórias, referindo-se tão simplesmente às decisões finais, sejam elas absolutórias ou condenatórias" e depois concluir que a falta de notificação ao réu revel de uma decisão absolutória é uma mera irregularidade sem qualquer consequência processual. Não se pode começar por afirmar que todas as decisões devem ser notificadas ao réu revel e depois concluir que a inobservância dessa regra quanto às decisões absolutórias não implica nenhum desvalor processual.
b) Importa considerar, acima de tudo, o fundo da questão,
O principal argumento da RP é o de que a falta de notificação do réu revel não influiu no exame ou na decisão da causa, pelo que, segundo o critério estabelecido no art. 195.º, n.º 1, CPC, não constitui uma nulidade processual.
Perante isto, a pergunta que imediatamente se coloca é a seguinte: em que circunstâncias é que a falta de notificação de uma decisão final pode interferir com o exame da causa e com a própria decisão notificada? A resposta só pode ser esta: a falta de notificação da decisão final nunca pode ter qualquer influência no exame e na decisão da causa, dado que essa notificação é sempre realizada (ou não realizada) depois do exame da causa e ainda, naturalmente, do proferimento da decisão.
Repare-se que esta conclusão vale quer para a decisão condenatória, quer para a decisão absolutória. Não se vê como é que a falta de notificação da decisão condenatória pode ter relevância para o exame da causa e para a própria decisão proferida e que não foi notificada. Portanto, para ser coerente com a premissa de que a falta de notificação de uma decisão absolutória é uma mera irregularidade, a RP também deveria ter concluído que o mesmo sucede na falta de notificação de uma decisão condenatória. Pela natureza das coisas, a falta de notificação de uma decisão condenatória não pode ter qualquer influência no anterior exame da causa e no proferimento da decisão que já foi proferida, mas não foi notificada.
c) Isto mostra a origem do equívoco da RP: a aplicação à falta de notificação da decisão final ao réu revel de um critério que, porque referido ao exame da causa e à própria decisão notificada, nada pode ter a ver com essa falta de notificação.
A notificação é um acto de comunicação. A notificação de uma decisão final é a comunicação de um acto que já aconteceu. Como é claro, a falta dessa notificação não pode ter qualquer influência no que aconteceu no passado. Notifica-se o réu revel para comunicar o que aconteceu no processo, não para comunicar o que vai acontecer nesse processo se ele permanecer revel. Logo, o critério estabelecido no art. 195.º, n.º 1, CPC é insusceptível de ser aplicado à falta de notificação da decisão final a esse réu revel.
Em suma: a falta de notificação do réu revel que é imposta pelo art. 249.º, n.º 5, CPC nunca é susceptível de não constituir uma nulidade processual de acordo com o critério enunciado no art. 195.º, n.º 1, CPC.
d) Em conclusão, pode afirmar-se o seguinte:
-- À falta de notificação da decisão final ao réu revel não se pode aplicar o critério estabelecido no art. 195.º, n.º 1, CPC para a aferição da nulidade processual;-- Logo, a falta dessa notificação é sempre, independentemente de a decisão ser condenatória ou absolutória, a omissão de um acto imposto pela lei (in casu, pelo art. 249.º, n.º 5, CPC) e, portanto, uma nulidade processual.
MTS